Ex-diretor da Vale fora chamado de volta pelo governo, só não sabia que para o lugar de Agnelli
Ao decidir em dezembro que uma década na direção da Vale já era muito para o executivo Roger Agnelli e para uma empresa controlada por fundos de pensão de empresas estatais e o BNDES, a presidente Dilma Rousseff impôs uma condição, segundo os raros assessores que consultou sobre a sucessão: que ocorresse em ambiente de mercado.
A mensagem foi objetiva: Agnelli, ex-diretor de participações do Bradesco, sócio da holdingValepar, que reúne o bloco de controle da Vale, e por essa razão presidia o Conselho de Administração até ser guindado à direção executiva, estava desgastado para continuar à frente da ex-estatal. Mas nenhum interesse de partidos, mesmo do PT, deveria ser considerado nas negociações para sua substituição.
Dilma sabia que Agnelli não era um simples executivo, pois se até o então presidente Lula não sensibilizara os controladores da Vale para afastá-lo, depois que ambos se atritaram no fim de 2008 (veja Brasil S/A de 26 de março), todo o processo sucessório implicaria uma costura delicada. Não se sabe se ela tinha um nome na manga.
O que se apurou agora é que o ex-executivo da mineradora Murilo Pinto de Oliveira Ferreira, desafeto de Agnelli, estava convidado a voltar à diretoria, depois do desenlace. Ele aceitou, sem saber que seria para o lugar de Agnelli. Especula-se que as personagens do governo envolvidas no processo também desconheciam que Ferreira fosse o coringa de Dilma. Ele foi poupado para não ser queimado.
Ferreira era funcionário antigo da Vale, onde entrou em 1977. Ele chegou a diretor depois da privatização, em 1997, durante a gestão do empresário Benjamin Steinbruch, hoje controlador da CSN, e fez carreira até trombar com Agnelli, em 2008, em circunstância ruim.
Dois anos antes, a Vale comprara a Inco, no Canadá, maior produtor mundial de níquel, em negociação conduzida por Ferreira, o que o levou a presidir a mineradora. A empresa tinha custos trabalhistas elevados, sobretudo de seu fundo de previdência. Eles divergiram sobre o encaminhamento dos cortes de custo. Agnelli queria pressa.
Ferreira argumentava que o ambiente estava quente, havia oposição à investida de uma empresa brasileira no principal setor econômico do Canadá e risco de greve. O auge do conflito se deu durante uma teleconferência, com Agnelli na sede da Vale, no Rio, e Ferreira na Inco. A diretoria toda assistiu à discussão. Ele voltou para o Rio no mesmo dia. No voo de volta, sentiu-se mal, e decidiu sair.
Manobras no bastidor
Fato é que os cortes na Inco levaram a uma greve desgastante para a Vale e o próprio governo Lula. Sindicalistas canadenses vieram a Brasília pedir apoio de Lula e do PT. É quando a contrariedade de Ferreira com Agnelli veio à tona, e ele passou a ser observado.
Dilma o conhecera quando dirigiu a Alunorte, subsidiária da Vale para alumínio, já vendida, grande demandante de energia. Ao deixá-lo no bastidor da sucessão, ela assistiu à articulação de Agnelli para ficar. O auge foi uma carta que recebeu em janeiro último dos sócios da Valepar, negando sua demissão, embora tivesse o sentido de expressar o desconforto deles todos com o assédio do governo.
Só focado em lucrar
Os fundos de pensão sócios da Valepar, liderados pela Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, e o Bradesco foram as instâncias envolvidas com os interlocutores de Dilma, basicamente o ministro Guido Mantega, o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, e Luciano Coutinho, presidente do BNDES. Além do nome, importava aos sócios saber as intenções do governo quanto aos investimentos da Vale.
A mineradora relutou investir em siderurgia, o que vem fazendo em associação com operadores estratégicos, e encomendou a estaleiros da China a construção de graneleiros quando começava a se reerguer a indústria naval no país. Em ambos os casos, Agnelli privilegiou o resultado da Vale, diga-se, com o apoio dos sócios da Valepar. E é o que fará Ferreira a esse respeito o que estará em julgamento.
Vazamento calculado
A indicação de Ferreira atropelou dois diretores da Vale cotados como preferidos do mercado: Tito Martins, seu sucessor na Inco, e José Carlos Martins. Seus nomes surgiram ao vazar encontro, um mês atrás, entre o presidente do conselho do Bradesco, Lázaro Brandão, e Mantega para tratar da sucessão de Agnelli. O vazamento foi uma conveniência, para sugerir um processo e precipitar a solução.
A Vale deverá integrar-se muito aos planos do governo, ao PAC em especial. Se isso a fará perder valor, é o que está em causa. Tem dinheiro grosso na parada, a sorte de Ferreira e a imagem de Dilma e do país, sobretudo pelo status da Vale: um negócio privado.
A questão dos fundos
Por algum tempo, Dilma será cutucada por intervir numa decisão que não lhe dizia respeito, já que a Vale é uma empresa privada, ainda que com participação majoritária dos fundos de pensão. Os críticos só omitem que os fundos foram instados a entrar na privatização da Vale pelo governo de FH, assim como também na gestão petista foram forçados a investir em negócios de retorno baixo, como Belo Monte.
Essa é a questão: os fundos são tratados pelos governos de turno como autarquias públicas e não entidades independentes, voltadas apenas para a solvência e rentabilidade de seus planos atuariais. Se algo der errado, a sociedade é que vai arcar com o prejuízo. É o que há a atentar ao se pedir que a Vale contribua com o desenvolvimento.”
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