terça-feira, 29 de setembro de 2015

O nefasto “negociado sobre o legislado” volta a tramitar no Congresso e exige atuação imediata do movimento sindical (Maximiliano Garcez)


Advogado de trabalhadores e entidades sindicais e consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Legislativos da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Foi Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br

<![if !supportLists]>1.  <![endif]>Tramitação da MP 680
No último dia 23.9.2015, o dep. Daniel Vilela (PMDB-GO), relator da Medida Provisória n. 680 (sobre o Programa de Proteção ao Emprego – PPE), incluiu um grave "jabuti" (termo usado no Congresso para se referir a matérias alheias a uma proposição) em seu relatório. Trata-se da proposta de adoção do "negociado sobre o legislado", em moldes semelhantes à proposta de FHC que tanto combatemos - e que conseguimos derrotar. O relator acatou emenda nesse sentido apresentada pelo Deputado Darcisio Perondi (PMDB-RS).
Assim que o relatório foi apresentado, o dep. Vicentinho (PT-SP) pediu vistas do relatório e se manifestou contrário à proposta precarizante. 
Dia 30.09.2015 às 14:30 deve ser votado o relatório.‎ Sugiro ampla mobilização para impedir que tal grave retrocesso prospere. A lista dos integrantes da Comissão Especial está disponível em http://legis.senado.leg.br/comissoes/composicao_comissao?codcol=1942. Pressione os deputados e senadores que integram tal Comissão a votarem contra o "negociado sobre legislado".
<![if !supportLists]>2.  <![endif]>Da proposta apresentada pelo Relator
Segue a íntegra do referido "jabuti" precarizante, sem relação com a MP 680, incluído pelo Relator:
"Art. 11. O art. 611 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:
"Art. 611. ............................................................................
§ 3º As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem ou inviabilizem direitos previstos na Constituição Federal, nas convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificadas pelo Brasil, e as normas de higiene, saúde e segurança do trabalho.
§ 4º O conjunto de normas estabelecidas em instrumento coletivo, considerado globalmente, deve ser mais benéfico do que o conjunto de leis equivalente.
§ 5º Para o efeito previsto no caput deste artigo, deve ser ampla a divulgação da assembleia geral que autorize a celebração de convenção ou acordo coletivo, garantida a participação e o voto de todos os interessados.
§ 6º Na ausência de convenção ou acordo coletivo, ou sendo esses instrumentos omissos, incompletos, inexatos, conflitantes ou de qualquer forma inaplicáveis, prevalecerá sempre o disposto em lei." (NR)
Art. 12. A prevalência das convenções e acordos coletivos trabalhistas sobre as disposições legais, consoante a redação dada pelo art. 11 ao art. 611 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, aplica-se somente aos instrumentos negociais coletivos posteriores à publicação desta Lei e não prejudica a execução daqueles em andamento e os direitos adquiridos em razão da lei, de contrato ou de convenções e acordos coletivos anteriores."
<![if !supportLists]>3.   <![endif]>O que significa a proposta
O objetivo da proposição é simples: na prática (e em especial em épocas de crise, em que os sindicatos estão mais fracos) visa permitir que os direitos previstos na CLT e em leis esparsas sejam desrespeitados pelos empregadores - bastando tal precarização constar em convenção ou acordo coletivo. E em épocas de desemprego crescente, quando o trabalhador é frequentemente acossado pelo empregador com a ameaça de demissões (individuais ou em massa), a chance de tal precarização ocorrer seria significativa.
O Direito do Trabalho ficar restrito aos "direitos mínimos" do trabalhador presentes na Constituição Federal. 
Mas inúmeros direitos trabalhistas não estão previstos na Constituição Federal. E mesmo diversos que estão na CF não são detalhados ou não estão regulamentados. Por isso, tais "direitos mínimos" que estariam garantidos são "bem menos significativos do que parece", como já havia alertado Carlos Freitas, quando atuava como assessor da bancada do PT na Câmara dos Deputados, durante a tramitação do PL 5483.
As palavras de Freitas em 2001, publicadas no site do Diap, se aplicam integralmente também para o negociado sobre o legislado previsto no relatório do dep. Daniel Vilela à MP 680: "o depósito do FGTS, que hoje é de 8% ao mês, poderia ser reduzido para 0,5%, por exemplo, se assim for acordado em negociação coletiva. Outra hipótese: o 13º salário, sempre pago no final do ano, poderia ser fragmentado e repartido em doze parcelas mensais, o que definharia o seu significado e valor. Isso poderia ocorrer também com as férias, se assim determinasse a convenção ou o acordo coletivo de trabalho. (...) além dos direitos previstos na convenção ou acordo coletivo, os "direitos mínimos" poderiam estar resumidos em: aviso-prévio de 30 dias, férias anuais com abono de um terço, remuneração da hora extra a 50% da hora normal, descanso semanal remunerado, jornada de 44 horas semanais. Quanto às condições de pagamento do 13º salário, do FGTS e aos adicionais noturno, de insalubridade, de periculosidade e de penosidade, restaria uma absoluta indefinição." http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6007:criticas-iniciais-ao-projeto-de-lei-n-5483-de-2001-do-poder-executivo
<![if !supportLists]>4.  <![endif]>Da semelhança de tal proposta com o P.L. 5.483/01, apresentado por FHC
Em 2001 o Governo FHC tentou implementar um dos maiores golpes na classe trabalhadora nas últimas décadas. Trata-se do Projeto de Lei n. 5.483/01, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 4 de dezembro de 2001 por 264 votos favoráveis, 213 contrários e duas abstenções, em votações em que sindicalistas foram impedidos de ingressar na Câmara – tendo até mesmo que obter habeas corpus no STF para poder nela ingressar (como ocorreu este ano com a votação do PL da terceirização).
As alterações propostas pelo Relator em 23.9.2015 são bastante parecidas com o precarizante PL 5483, cujo texto segue abaixo:
"Art. 1º O art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 618 Na ausência de convenção ou acordo coletivo firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho.
§ 1º A convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as Leis nº 6.321, de 14 de abril de 1976, e nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, a legislação tributária, a previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem como as normas de segurança e saúde do trabalho.
§ 2º Os sindicatos poderão solicitar o apoio e o acompanhamento da central sindical, da confederação ou federação a que estiverem filiados quando da negociação de convenção ou acordo coletivo previstos no presente artigo."(NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação e tem vigência de dois anos."
O cerne das 2 propostas é o mesmo: rasgar a CLT, ao dizer que as "condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre o disposto em lei" (no jabuti da MP 680), ou que  "na ausência de convenção ou acordo coletivo firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho" (PL 5483).
Ou seja: a negociação coletiva poderia abrir mão, por meio de negociação coletiva, de quaisquer direitos dos trabalhadores previsto na CLT e em leis esparsas.
Felizmente, o ex-Presidente Lula enviou ao Congresso Nacional, logo nos primeiros meses de seu mandato, Mensagem visando a retirada do Projeto de Lei n. 5.483, que era oriundo do Poder Executivo, na gestão FHC.
<![if !supportLists]>5.  <![endif]>Motivos pelos quais o negociado pelo legislado precisa ser rejeitado
a) Ausência de discussão com a sociedade civil organizada, e com as entidades representativas dos trabalhadores e empregadores. A tentativa de incorporar tal "jabuti" pelo Relator diretamente em MP que trata de outro tema, de surpresa e sem qualquer debate, precisa ser devidamente criticada pela sociedade brasileira.

b) Inconstitucionalidade do P.L. A proposta do governo FHC de submeter o legislado ao negociado, e agora reapresentada pelo Deputado Daniel Vilela na MP do PPE, tem como objetivo reduzir significativamente o patrimônio jurídico do trabalhador.

A proposta viola o disposto no caput do art. 7º da CF ("são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social ... "). A Constituição não elimina outras fontes do Direito do Trabalho ("... outros que visem à melhoria de sua condição social ..."). A redução e a extinção de direitos trabalhistas, incluindo aqueles regularmente previstos em leis, caracterizam-se como precarização do trabalho, de modo contrário à CF.

A crítica do então presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Hugo Cavalcanti Melo Filho (hoje diretor da Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho) ao PL 5483 continua atual: "Quando o Estado se exonera das relações de trabalho, a exploração se instala. A ausência de lei escraviza".

Sem dúvida consideramos que cabem aos próprios sindicatos exercer a autonomia e a liberdade sindicais. No entanto, o atual contexto das relações de trabalho caracteriza-se pela "desestruturação do mercado de trabalho, com a prática contínua de medidas precarizantes, como a terceirização", como já alertava Freitas. E o desemprego que aumenta neste momento coloca o movimento sindical em posição de fraqueza frente aos patrões, inexistindo paridade de armas entre as entidades de trabalhadores e de empregadores.

A utilização pura e simples da lógica do mercado na análise do mundo do trabalho, como fez Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos (e como parte considerável do Congresso Nacional ainda defende em 2015), traz em seu bojo o risco de retrocesso nos avanços democráticos e republicanos e comprova o caráter nefasto do projeto neoliberal (que ainda encontra eco em setores conservadores de nossa sociedade, apesar dos trágicos resultados que trouxe para a América Latina nos anos 90, e que agora são sofridos pela Europa).

O que pretende o negociado sobre o legislado é eliminar a proteção do Estado no campo laboral, de modo a permitir que a lógica do salve-se quem puder impere.

c) A flexibilização dos direitos trabalhistas não gera empregos


O mecanismo apresentado pelos defensores do cerceamento dos direitos trabalhistas no Parlamento brasileiro reside na apresentação de um falso dilema: o binômio defesa dos direitos trabalhistas, e, em conseqüência, o suposto recrudescimento do desemprego versus a flexibilização e supressão dos direitos trabalhistas, que trariam o desenvolvimento econômico, o aumento da competitividade e a geração de empregos.

O que vimos nos últimos anos em nosso país é exatamente o contrário. Por exemplo: a política de aumentos reais do salário mínimo serviu para incrementar o consumo das famílias e por conseguinte acelerar o desempenho da economia, gerando mais empregos.

Não há qualquer estudo que demonstre a correlação entre flexibilização de direitos laborais e aumento no número de postos de trabalho. O exemplo histórico de países como a Argentina, Espanha e Brasil, que implementaram reformas precarizantes em sua legislação trabalhista nos anos 90, com ênfase no trabalho temporário e com o enfraquecimento da lei trabalhista, é evidência do contrário. Tais países instituíram em seus ordenamentos jurídicos diversas formas de precarização das condições de trabalho e redução dos seus custos; seus resultados foram um incremento radical da rotatividade de mão de obra e uma substituição da modalidade contratual de tempo indeterminado pela temporária, com diminuição no consumo e da atividade econômica e com aumento nos gastos sociais do Estado. Tais medidas fracassaram e a taxa de desemprego manteve-se num patamar próximo dos 20%.

<![if !supportLists]>6.  <![endif]>Conclusão

Como vimos acima, a proposta do negociado pelo legislado:
- foi apresentada de modo pouco transparente e sem o devido debate pelo Relator da MP 680;
- viola de modo flagrante a Constituição Federal;
- criaria enorme quantidade de trabalhadores precarizados e descartáveis;
-  aumentaria a desigualdade social; 
- diminuiria o consumo;
-  é altamente prejudicial aos trabalhadores e ao conjunto da sociedade brasileira, pois prejudicaria a produtividade e a economia, ao destruir o sistema de proteção social que hoje temos;
- e é bastante semelhante ao nefasto PL 5483, de 2001, de FHC, que felizmente foi arquivado. É neste lugar - nos arquivos de um capítulo triste de nossa história - que deve remanescer também a emenda precarizante apresentada na MP 680, pois o negociado sobre o legislado ataca os direitos dos trabalhadores de modo comparável com o terrível PLC 30, de 2015, sobre a terceirização.


* Autorizada a publicação parcial ou integral, desde que citado o autor