"Em 2010, dois funcionários morreram em Guarapuava. Em 2012, mais um funcionário morreu em Curitiba. E agora, outro sanepariano foi vítima de um acidente de trabalho ocasionado pela falta de segurança nas obras da Sanepar.
Segundo informações do site G1, "um homem morreu e outro ficou gravemente ferido em um acidente de trabalho por volta das 11h30 desta segunda-feira (22), no bairro Jardim Independência, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. Uma vala desmoronou e dois funcionários foram soterrados. Um deles, que tinha 35 anos, morreu no local e outro, de 40 anos, foi levado em estado grave para um hospital do município".
Quantos funcionários mais teremos que perder para que as condições de segurança no trabalho sejam revistas e aprimoradas? Quantas vezes mais a Sanepar vai tentar se eximir da culpa jogando-a em cima das empreiteiras?
Queremos manifestar nossos sentimentos à família deste sanepariano e expressar nossa indignação com toda essa situação que é um completo absurdo.
Aproveitamos também para expor abaixo o parecer feito pelo Dr. Maximiliano Nagl Garcez, que aborda a terceirização, tema que tem relação direta com esses acidentes de trabalho que vitimam os saneparianos. Vale a leitura:
TRT-PR decide que ampliação de sistema de esgoto é de responsabilidade da Sanepar
1 – Terceirização em obras de ampliação de sistema de esgoto – Ilicitude da terceirização pela Sanepar
Em decisão publicada no dia 01.03.2013, o TRT-PR analisou o tema da terceirização de obras de ampliação de sistema de esgoto pela Sanepar do seguinte modo: “os serviços tomados pela Sanepar não se revestem de transitoriedade, tratando-se de contratação de prestação de serviços de obras de ampliação de sistema de esgoto, sendo essenciais à consecução de sua atividade fim, razão pela qual responde de forma subsidiária pelas obrigações da empresa contratada em relação aos empregados por ela contratados para a execução dos serviços.” A empresa terceirizada e a Sanepar foram condenadas a pagar ao trabalhador diferenças salariais, vale-alimentação e outras verbas, incluindo indenização por uso de veículo: “infere-se da prova testemunhal que restou comprovado que o reclamante deixou o seu veículo à disposição das rés para uso nas obras.”
Transcrevemos os seguintes trechos do acórdão:
TERCEIRIZAÇÃO – AMPLIAÇÃO DE SISTEMAS DE ESGOTO: “Insta acrescer que os serviços tomados pela Sanepar não se revestem de transitoriedade, tratando-se de contratação de prestação de serviços de obras de ampliação de sistema de esgoto, sendo essenciais à consecução de sua atividade fim, razão pela qual responde de forma subsidiária pelas obrigações da empresa contratada em relação aos empregados por ela contratados para a execução dos serviços. Desta feita, descabe cogitar de situação análoga a de dona-da-obra da segunda ré, porque no conceito de "obra" evidentemente não se enquadram as atividades de ampliação de sistema de esgoto, na medida em que envolvem a atividade-fim da segunda ré, razão pela qual inaplicável ao caso o entendimento da OJ nº191 da SDI-I do E. TST.
Já no que pertine ao seu alcance, vale mencionar que a responsabilidade subsidiária da recorrente engloba todas as verbas que foram objeto da condenação, vez que os créditos da presente ação trabalhista, não adimplidos na época oportuna, decorrem diretamente da relação de trabalho e devem ser satisfeitos em sua integralidade, conforme se observa pela seguinte ementa:
"RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ABRANGÊNCIA. O responsável subsidiário responde pelo adimplemento integral da condenação, da forma como devida pelo devedor principal, não lhe sendo lícito pretender a aplicação de prerrogativas pessoais para apuração do quantum debeatur, nem para afastar a incidência de parcelas indenizatórias e/ou sancionatórias. Recurso ordinário da 2ª Reclamada conhecido e não provido." (TRT 9ª R. - RO-02306-2007-652-09-00-4. Rel. Des. LUIZ CELSO NAPP. Publicado em : 26.08.2008)
Naturalmente, todas as verbas deferidas dirigem-se à primeira ré. Porém, como a recorrente foi considerada responsável subsidiária pelos débitos decorrentes do contrato de trabalho mantido entre a prestadora de serviços e o autor, inexiste qualquer fundamento lógico para se perquirir a natureza jurídica de cada parcela integrante desse débito.”
INDENIZAÇÃO PELO USO DE VEÍCULO “A r. sentença deferiu o pagamento de R$ 400,00 mensais no período de julho a dezembro de 2011 a título de indenização pelo uso de veículo particular por entender que a prova oral comprovou que reclamante deixou veículo de sua propriedade a disposição da reclamada para uso na obra e que ficou ajustado o pagamento de R$ 400,00 mensais a título de ressarcimento das despesas com a utilização do referido veículo, bem como por não haver comprovação do pagamento de tal ressarcimento de despesas nos meses de julho a dezembro de 2011. Recorre a ré, afirmando que "improcede todo e qualquer pleito inerente a suposto aluguel de veículo do reclamante, eis que não logrou êxito o reclamante por igual, em fazer prova do alegado, a teor do art. 333, I do Código de Processo Civil e art. 818 da CLT, além de não juntou qualquer documento que corroborasse para tal" (fl. 385). Sustenta que não houve prova cabal apta a sustentar tal alegação. Pugna pela reforma da r. sentença.
Examina-se. Não há como prosperar o pedido de reforma, pois a segunda reclamada não enfrentou adequadamente os fundamentos trazidos pelo Juízo de origem, limitando-se a alegar que não há prova do alegado.
Ademais, infere-se da prova testemunhal que restou comprovado que o reclamante deixou o seu veículo à disposição das rés para uso nas obras, tendo sido ajustado o valor de R$400,00 mensais para ressarcimento de despesas com este, senão vejamos.
A primeira testemunha ouvida a convite do autor, Marcos Cesar Pereira, disse: "[...] que além disso o reclamante colocou seu veículo à disposição da reclamada para uso nas obras, tendo sido ajustado o valor de R$ 400,00 mensais para ressarcimento das despesas com o mesmo;[...]".
Por sua vez, a segunda testemunha ouvida a convite da ré, Sr. Sergio Fidel, afirmou: "[...] que o depoente possuía uma máquina que estava locada para a primeira reclamada no período de 2010 até o início de 2011; que o depoente visitava as obras onde o reclamante trabalhava sabendo que o mesmo tinha seu carro a disposição na obra."
Assim, inexistindo prova de pagamento do ressarcimento de despesas no período alegado na inicial, escorreita a r. sentença ao reconhecer devido o pagamento da indenização por uso de veículo.” (0000795-24.2012.5.09.0094)
2 - Ilegalidade da terceirização em atividade-fim pela Sanepar
O fenômeno da terceirização é permitido por nosso ordenamento jurídico somente quanto ao trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de vigilantes (Lei 7.102/83) e de serviços de limpeza e conservação (conforme a Súmula 331 do TST).
Tal súmula sabiamente considera ilegal a terceirização da atividade-fim da empresa. Ou seja, qualquer descentralização de atividades deverá estar restrita a serviços auxiliares e periféricos à atividade principal da empresa.
Uma adequada interpretação da Constituição Federal também permite colocar sérios limites ao fenômeno da terceirização, por meio da utilização dos princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade humana.
No setor urbanitário, a admissibilidade da terceirização é ainda mais restrita: somente pode ocorrer nos serviços de segurança e de higiene e conservação. As atividades de energia elétrica, saneamento e água são serviços públicos, e não mera atividade econômica. São típicas de Estado, essenciais à manutenção da ordem pública, e certamente de interesse público.
E é esse interesse público, e não a busca desenfreada do lucro a qualquer custo, que deve determinar como tais serviços devem ser prestados. Assim já decidiu a Justiça do Trabalho, em outro processo tratando da terceirização pela Sanepar, do Paraná: “O serviço executado pela SANEPAR é tipicamente público, pois sem saneamento básico a população não sobreviveria nas cidades e em qualquer aglomeramento de pessoas. É evidente que cabe ao poder público a atuação direta nas comunidades para instalar redes de água e esgoto, bem como para fazer a manutenção e os reparos nelas, quando necessário. Ao decidir "terceirizar" tal atividade, a Requerida burla a lei, pois deixa de realizar concurso público, forma democrática para o acesso a cargos e empregos públicos, ambicionados por grande parte da população.”
3 - Prejuízos da terceirização aos trabalhadores e à sociedade
A terceirização no ramo urbanitário gera:
a) a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, gerando, segundo o TST, “o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores” (E-RR-586.341/1999.4);
b) baixos salários e o desrespeito aos direitos trabalhistas, com impactos negativos na receita da Previdência Social e do FGTS (usado primordialmente para saneamento básico e habitação), com prejuízos a todos; apesar de tal julgado ter sido proferido em processo discutindo a terceirização no setor elétrico, creio que tal argumento também pode ser facilmente aplicado às demais categorias;
c) precarização do trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de trabalho” pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados” (vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90);
d) aumento do número de acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores terceirizados, como já atestou o TST no julgado supracitado;
e) prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de energia, água e saneamento;
f) prejuízos sociais profundos. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a existência de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica a sociedade como um todo, degradando o trabalho e corroendo as relações sociais: “Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego” (Richard SENNETT).
4 - Conclusão
Não se pode tratar o urbanitário como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitório e descartável quando não se presta mais à sua finalidade. A luta contra a terceirização no setor elétrico, de água e saneamento deve também lembrar à sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal, e a necessidade de proteger a coisa pública e a qualidade de tais serviços, essenciais para o bem-estar da população"
Maximiliano Nagl Garcez - Advogado e consultor de entidades sindicais em Curitiba e Brasília. Diretor para Assuntos Legislativos da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Email: max@advocaciagarcez.adv.br