Maximiliano
Nagl Garcez
Advogado
em Brasília de trabalhadores e entidades sindicais e consultor em processo
legislativo. Diretor de Assuntos Legislativos da Associação
Latino-Americana de Advogados Laboralistas (Alal). Mestre em Direito das
Relações Sociais pela UFPR. Ex-bolsista Fulbright e pesquisador-visitante na
Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br.
1. Da manutenção da jurisprudência do TST acerca do tema
Após
a realização de audiência pública pelo TST em 2011, elaborei artigo, publicado
pelo Diap em http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18731:apos-audiencia-publica-tst-reafirma-jurisprudencia-acerca-da-terceirizacao&catid=46&Itemid=207 , que a jurisprudência do Tribunal
sobre o assunto ora discutido continua no mesmo sentido: da ilegalidade de
terceirização de call center por empresas de telecomunicações (e também de
energia e saneamento básico, dentre outros setores). Em tal artigo, mostrei a incorreção de editorial do jornal Estado de São Paulo, com o título "O TST muda sua jurisprudência", que no dia 24 de outubro de 2011 tentava induzir a erro seus eleitores, para que considerassem que teria havido alguma mudança na posição reiterada do TST sobre o assunto.
Agora, em 12 de junho de 2014, o E. TRT da 12ª. Região divulga matéria no mesmo sentido, que divulgo abaixo:
“Terceirização: TST
confirma que atendimento em call center é atividade-fim Ministros
da 6ª Turma do TST mantiveram decisão da juíza Patrícia Andrades Gameiro
Hofstaetter, da 4ª Vara do Trabalho de Joinville, que condenou a Claro S.A.
pela contratação de empregado, por empresa interposta, para prestação de
serviços em atividades de teleatendimento. A magistrada determinou a
retificação da Carteira de Trabalho da autora da ação para constar o vínculo de
emprego diretamente com a telefônica. Além disso, a Claro deve pagar as
diferenças salariais conforme piso da categoria, auxílio-alimentação e
participação nos lucros.
A empresa chegou a alegar que as atividades exercidas pela autora não se
confundem com a atividade-fim da empresa, porque o atendimento a clientes é
atividade acessória.
Mas, para o ministro Augusto César Leite de Carvalho, relator do processo, as
empresas concessionárias da atividade de telefonia se relacionam com seus
usuários por meio dos operadores de call center, sendo evidente a ligação com a
atividade-fim. Ele destacou que a terceirização de serviços tem gerado inúmeros
debates a respeito de sua conveniência e de suas repercussões sociais e
econômicas. Inclusive já foi tema da primeira audiência pública da história do
TST, em outubro de 2011.
“Depoimentos e dados colhidos retratam a
precarização do trabalho terceirizado em vista do aumento desproporcional de
acidentes de trabalho, o desestímulo ao treinamento e à capacitação funcional,
a desigualdade dos salários e a maior rotatividade, além do descolamento da
categoria profissional representada pelo sindicato que congrega os
trabalhadores afetos à atividade-fim, como se as leis de organização sindical
cuidassem da terceirização como uma atividade econômica por si só”, diz a
decisão do TST.
No TRT catarinense,
os membros da 1ª Câmara já haviam mantido a sentença na íntegra. Para a juíza
Patrícia, as funções da autora não podem ser consideradas atividade-meio porque
extrapolaram a mera intermediação e comunicação com clientes, englobando
atividades inerentes à própria telefonia, como recebimento de reclamações,
solução de problemas, bloqueio e desbloqueio de aparelhos e ajuste de faturas,
por exemplo.”2. Da Ilegalidade da terceirização em atividades-fim de empresas de telefonia - Prejuízos aos trabalhadores e à sociedade em decorrência da terceirização.
Considero que a terceirização desenfreada e ilegal pelas empresas do setor de telecomunicações no Brasil traz inúmeros prejuízos não somente aos trabalhadores e aos sindicatos, mas também a toda sociedade. Elenco a seguir algumas:
- prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de telefonia, serviços bancários, energia, água e saneamento; na área de telecomunicações, são notórios os sérios problemas na qualidade dos serviços (extremamente caros, diga-se de passagem) prestados aos consumidores da telefonia fixa e móvel; a terceirização (e até a quarteirização, lamentavelmente também uma realidade no setor) é sem dúvida uma das responsáveis pela baixíssima qualidade de tais serviços ofertados à sociedade brasileira;
- a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, gerando, segundo o TST, "o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores" (E-RR-586.341/1999.4); apesar de tal julgado ter sido proferido em processo discutindo a terceirização no setor elétrico, creio que tal argumento também pode ser aplicado é aplicável às demais categorias;
- impactos negativos na receita da Previdência Social e do FGTS, tendo em vista que os salários médios dos trabalhadores terceirizados e quarteirizados (ou até mesmo "quinteirizados" e "sexteirizados", como já foi constatado no setor petroleiro) são menores que os trabalhadores com contrato de trabalho por prazo indeterminado. Assim, o trabalho terceirizado reduz o volume de remuneração dos trabalhadores, e substitui a modalidade contratual típica, transformando o emprego em subemprego, diminuindo o poder aquisitivo dos empregados e a arrecadação da Previdência Social, bem como os montantes depositados no FGTS (usados primordialmente para saneamento básico e habitação);
- precarização do trabalho e o desemprego. A alegada "geração de novos postos de trabalho" pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por "sub-empregados". Vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90, que implementaram reformas em sua legislação trabalhista, com ênfase na terceirização e no trabalho temporário. Tais países instituíram em seus ordenamentos jurídicos diversas formas de precarização das condições de trabalho e redução dos seus custos; seus resultados foram um incremento radical da rotatividade de mão de obra e uma substituição da modalidade contratual de tempo indeterminado pela temporária e precarizada. Tais mudanças implementadas não serviram para gerar empregos. Enquanto o desemprego continuou aumentando, cresceu também a desqualificação da mão-de-obra, com prejuízos à produtividade, à arrecadação de impostos e a toda sociedade. Ou seja, persistiram as altas taxas de desemprego, mesmo às custas da redução de direitos trabalhistas;
- aumento do número de acidentes do trabalho (sendo muitos fatais) envolvendo trabalhadores terceirizados, como diversos especialistas e sindicalistas demonstraram durante a referida audiência pública;
- criação de empresas de prestação de serviços de fachada, com posterior falência, ou mero desaparecimento do dia para a noite, deixando desamparados seus trabalhadores, e causando prejuízos a toda sociedade, em decorrência do inadimplemento de contribuições ao INSS e ao FGTS;
- existência de diferenciação ilegal entre aquele empregado por tempo indeterminado, e aquele "terceirizado": salários mais baixos, jornadas mais longas, e precarização das demais condições de trabalho;
- prejuízos sociais da terceirização e quarteirização indiscriminada. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a presença de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda sociedade, corroendo as relações sociais e degradando o trabalho: "Com as novas regras da livre concorrência, a insegurança da vida sentimental se estendeu à vida profissional. Qualquer parceria se tornou precária. A presença do outro não mais suscita apelo à colaboração, mas sim desejo de instrumentalização. Tornamo-nos uma multidão anônima, sem rosto, raízes ou futuro comum. E, se tido é provisório, se tudo foi despojado da dignidade que nos fazia queres agir corretamente, quem ou o que pode apreciar o "caráter moral" de quem quer que seja? Na cultura da "flexibilidade", como reza o jargão neoliberal, ou fingimos acreditar em valores que não mais existem ou acreditamos, verdadeiramente, em miragens - e a alienação é ainda maior. Isolados do público, pela paixão dos interesses privados, e dos mais próximos afetivamente, pela degradação do trabalho e pela volubilidade sentimental, erramos em direção ao nada ou a qualquer coisa." (COSTA, Jurandir Freire. Descaminhos do caráter. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 1999. Caderno Mais!, p. 3);
- a própria dignidade do trabalhador terceirizado ou quarteirizado acaba por ser violada, em um contexto social tão degradado, desgastando o tecido social e impedindo a construção de uma sociedade mais justa e democrática: "Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável." (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
3. Conclusão - importância do combate às terceirizações ilegais
Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitória e descartável. A luta contra a terceirização na área de telecomunicações deve também lembrar à sociedade:
a) os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana e do trabalho, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal;
b) a necessidade de proteger a coisa pública e os interesses coletivos;
c) a importância de garantir a qualidade dos serviços e produtos essenciais ao bem-estar da população.