"Natal – A Companhia Energética do Rio Grande do Norte (Cosern) foi condenada por violação sistemática da legislação trabalhista e de normas de saúde e segurança do trabalho. A condenação decorre de recurso do Ministério Público do Trabalho no RN (MPT/RN) junto ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em ação civil pública ajuizada contra a empresa, pertencente ao grupo Neoenergia. Segundo a decisão da 1ª Turma do TRT, a Cosern também terá que pagar multa de R$ 5 mil, calculada pelo número de empregados atingidos, em caso de descumprimento das obrigações determinadas judicialmente.
Apesar de a decisão de segunda instância ter reconhecido as irregularidades praticadas pela empresa, em violação aos direitos de uma coletividade de trabalhadores, o pedido de indenização por dano moral coletivo não foi acatado pela Corte Regional. Dessa forma, o MPT/RN ingressou com recurso junto ao Tribunal Superior do Trabalho com a finalidade de reformar a decisão neste ponto, para reparar o dano causado à coletividade, obrigando a empresa ao pagamento estimado em R$ 9,8 milhões.
Os empregados da área de manutenção, atendimento e fiscalização de fraudes da rede elétrica no estado eram submetidos a jornadas excessivas para atingir elevadas metas e eram obrigados a registrar pessoalmente boletins de ocorrência dos furtos de energia por eles constatados. Além disso, a Consern usava um registro fraudulento de ponto e não concedia intervalos para refeição e descanso.
Jornada abusiva - De acordo com a ação, Havia pressão dos patrões para que os empregados alcançasse metas de seis atendimentos diários de produção, quando a média é de 4,5. Por esse motivo, a jornada era de até 18 horas por dia, sem repousos e intervalos. Além de manipular os horários, a Consern não pagava horas extras, mas mesmo assim extrapolava com frequência o limite de duas horas extraordinárias diárias, sem justificativa legal e em atividades de risco. Em determinados casos havia mais de 190 horas extras durante o mês.
A empresa também não concedia intervalo mínimo dentro de uma mesma jornada e entre duas jornadas, oferecia condições de trabalho inseguras e prejudiciais à saúde e à segurança dos empregados que fiscalizam as fraudes de energia nas instalações prediais. Estes fiscais de fraude trabalhavam em situações de estresse, com risco de agressão dos usuários que estão sendo fiscalizados, uma vez que atuam desacompanhados.
“Tais condições de trabalho são indignas e inaceitáveis, com evidentes prejuízos físicos e psíquicos para os trabalhadores, expostos a graves riscos de acidentes e adoecimento”, ressalta o procurador regional do Trabalho Xisto Tiago de Medeiros Neto, que assina a ação.
Recusa - Antes de mover o processo, o MPT/RN propôs à Cosern a assinatura de um termo de ajustamento de conduta, mas a empresa recusou acordo. Para demonstrar as condutas apontadas, a ação teve como base três relatórios de fiscalizações da Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego, realizados em períodos distintos, além de 12 autos de infração registrados em tais ocasiões.
A decisão de segunda instância reconheceu os argumentos apresentados pelo MPT/RN e rejeitou a alegação da defesa de que é irrisório o número de casos de violações. “Um único caso não é justificável apenas por esse argumento,” esclarece a desembargadora trabalhista Maria de Lourdes Alves Leite, que assina o voto aprovado pela maioria da 1ª Turma do TRT. Para a desembargadora, o procedimento de fiscalização é realizado por amostragem, e a identificação de trabalhadores serve para demonstração concreta dos fatos verificados durante atuação fiscal.
Boletim de ocorrência - Também foi reconhecida a acusação de que os empregados tinham que registrar boletim de ocorrência em nome próprio, bem como prestar depoimento e comparecer às audiências decorrentes dos furtos de energia verificados na fiscalização, sem sequer acompanhamento de advogado da empresa.
Diante das irregularidades demonstradas, o TRT/RN determinou à Cosern uma série de medidas a serem adotadas para garantir o controle de jornada e os devidos repousos, em conformidade com a legislação trabalhista, além de fixar a obrigação de não exigir, nem permitir que os empregados compareçam a Delegacias de Polícia e a audiências judiciais desacompanhados de advogado da empresa, ainda que não trabalhem mais para a Cosern.
Segundo o TRT/RN, a empresa também deve realizar a cada seis meses uma avaliação física e psicológica dos empregados do setor de fiscalização de fraudes, e assegurar que os serviços de fiscalização sejam efetuados por pelo menos dois empregados, a fim de diminuir os riscos de agressão constatados.
O valor indicado de R$ 9,8 milhões por dano moral coletivo teve por base a gravidade, a natureza, a abrangência e a repercussão das condutas ilícitas denunciadas; a grandeza econômico-financeira da empresa e o grau de reprovabilidade social das violações. De acordo com Xisto Tiago de Medeiros Neto, que também assina o recurso, a conduta da empresa não pode ser tolerada ou contemporizada em um sistema de justiça social, rendendo ensejo a uma reparação devida,” ressalta."