"Um relatório de fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acusa a Eletrobras de "apropriação indevida" de receitas do fundo setorial que administra. A agência afirma que a empresa usou dinheiro de juros e amortizações de empréstimos da Reserva Global de Reversão (RGR) para engordar a conta de recursos próprios e suspeita que ele serviu para cobrir "despesas correntes", como folha de pagamento e aluguéis. Em decisão inédita, a Aneel determinou que a estatal devolva R$ 2,037 bilhões.
A Eletrobras é acusada ainda de ter devolvido parte dos recursos à RGR pelos valores históricos sem a atualização monetária, além de ter se apropriado desta diferença. Estes procedimentos, segundo a Aneel, reduziram a disponibilidade de recursos do fundo e descaracterizaram a finalidade de sua aplicação, enquanto a Eletrobras aproveitou a condição de gestora para gerar "receita extra" em benefício próprio.
A Eletrobras recorreu administrativamente da decisão e disse estar disposta a tomar medidas judiciais para "obter o reconhecimento de que os procedimentos adotados na gestão do fundo estão adequados", segundo comunicado à Comissão de Valores Mobiliários.
Aneel avalia punições severas a Eletrobras
O relatório de fiscalização que levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a adotar uma decisão sem precedentes contra a Eletrobras acusa a estatal de energia de "apropriação indevida" de receitas do fundo setorial que administra. A agência afirma que a empresa usou dinheiro de juros e amortizações de empréstimos da Reserva Global de Reversão (RGR) para engordar a conta de recursos próprios, sob o rico de ter coberto "despesas correntes", como folha de pagamento e aluguéis.
A Eletrobras é acusada ainda de ter devolvido parte dos recursos à RGR pelos valores históricos sem a atualização monetária, além de ter se apropriado desta diferença. Estes procedimentos, segundo a Aneel, reduziram a disponibilidade de recursos do fundo e descaracterizou a finalidade de sua aplicação, enquanto a Eletrobras aproveitou a condição de gestora para gerar "receita extra" em benefício próprio.
Algumas irregularidades foram sanadas ao longo dos anos de fiscalização. Entre elas, o repasse não realizado de recursos da RGR, em 2007 e 2008, ao Ministério de Minas e Energia para custear estudos e pesquisas de planejamento da expansão do sistema. Em 2011, o dinheiro foi entregue ao ministério, atualizado em R$ 32,2 milhões. Na mesma época, a Eletrobras teve que padronizar as cláusulas de contrato de financiamento por determinação da Aneel. Isso porque foi constatado que recursos foram liberados em "condições mais privilegiadas" às empresas do grupo com déficit operacional.
Outras práticas reconhecidas como legítimas pela Eletrobras, mas questionadas pela Aneel, levaram à publicação de despacho obrigando a estatal a devolver R$ 2,037 bilhões em janeiro. Quando a decisão foi publicada no Diário Oficial da União, a agência explicou tratar-se de "amortização do saldo devedor de financiamentos pelos agentes que não foram transferidos à RGR". A prática de não corrigir os valores repassados à RGR durou de, pelo menos, 1998 a 2011. No entanto, o relatório de fiscalização a que o Valor teve acesso desenha uma situação que pode ficar ainda mais complicada, com punições severas à estatal.
Ao determinar a devolução, a medida seguinte a ser adotada pelos fiscais envolveria a punição pela "imprudência na administração dos recursos". Mas nos relatórios fica demonstrado que a agência tem dificuldade de aplicar sanções à Eletrobras, pois as normas do órgão não preveem pena administrativa para o uso inapropriado de recursos da RGR. Está sendo cogitada, então, outro tipo de pena. A equipe de fiscalização remeteu à diretoria da Aneel a nota técnica em que julga prudente que se "promova uma punição" à estatal "ante a gravidade da situação" de modo a considerar "se os fatos relacionados não estariam enquadrados dentre as penalidades previstas na lei de improbidade administrativa, sem prejuízo das sanções penal, civil e administrativa".
A RGR é um fundo criado no final da década de 1950 a partir de contribuições do setor elétrico. Sua finalidade durante todo esse tempo foi financiar a expansão do setor e pagar indenização às empresas ao fim dos contratos por investimentos ainda não remunerados. Mais recentemente, o fundo passou a financiar programas sociais de energia, como o Luz para Todos. A Eletrobras é o agente do governo que administra o dinheiro. A RGR tradicionalmente faz empréstimos às empresas do setor e quando pagos, esses recursos são devolvidos ao fundo. Para isso, a estatal recebe uma taxa de administração de 1,5% ao ano.
A descrição dos fiscais da Aneel mostra que, dentro dos R$ 2,037 bilhões a serem devolvidos, está o montante de R$ 412 milhões em benefício fiscal gerado em favor do fundo. Trata-se do valor retido pelo Imposto de Renda correspondente a 20% dos rendimentos das operações de financiamento da RGR entre 1998 e 2011, mas que não chegaram a ser depositados na conta. O dinheiro ficou a estatal.
Também em relação ao reembolso exigido em janeiro, a Aneel diz que houve a apropriação de R$ 389 milhões de juros e mais R$ 1,12 bilhão de amortizações feitas pelas empresas que tomaram financiamentos junto à RGR. Foi de posse destes recursos que a Eletrobras teria gerado, segundo a agência, "receita extra" com juros de mora, multa e comissão de créditos que totalizaram R$ 113 milhões. Desses recursos não houve nenhum centavo transferido. Ficou definido que todo o valor deverá ser devolvido com atualização até meados de fevereiro.
Depois de exigida a devolução, a Eletrobras recorreu administrativamente da decisão e disse estar disposta a tomar medidas judiciais "a fim de obter o reconhecimento de que os procedimentos adotados na gestão do fundo estão adequados", conforme comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Questionada pela reportagem doValor, a estatal informou que "tais valores estão reconhecidos no passivo da Eletrobras, exceto quanto aos R$ 113 milhões, por entender não ser devido pela companhia".
O alarde causado pela decisão da Aneel de enquadrar a Eletrobras levou a CVM a cobrar explicações, uma vez que a empresa tem ações negociadas em bolsas de valores. A autarquia não dá detalhes se agirá de forma mais incisiva, diz apenas que está acompanhando o desdobramento do assunto, podendo "adotar as medidas cabíveis quando necessário".
Nas alegações apresentadas à Aneel, a Eletrobras informou que o dinheiro não é devido porque a empresa tem assumido o risco das operações, além de não haver qualquer apropriação indevida ou uso da RGR para cobrir despesa ordinária. O risco a que a estatal se refere está relacionado à operação financeira, realizada em 1998, que garantiu a compra, com recursos da RGR, de ações das distribuidoras federalizadas. Na transação, a estatal antecipou o pagamento das dívidas de todos os financiamentos até então realizados, assumindo o risco de inadimplência. Em contrapartida, houve o repasse de recebíveis, no valor de R$ 8,2 bilhões, do empréstimo para a construção de Itaipu. Para a Aneel, no entanto, a estatal não tem o direito de receber as amortizações posteriores à data de celebração do contrato, mesmo que não houvesse dinheiro suficiente para concluir a compra das distribuidoras (Ceal, Cepisa, Ceron, Eletroacre e Ceam).
A pressão exercida pela Aneel sobre a Eletrobras entra na lista de desafios a serem enfrentados pelo presidente da companhia, José da Costa Carvalho Neto. O grupo estatal não vive seu melhor momento financeiro, ainda tentado se adaptar ao corte na receita ocorrido na renovação das concessões. Além disso, busca uma saída para eliminar o peso financeiro das distribuidoras deficitárias que foram federalizadas."