"A Proposta de Emenda à Constituição 15/2011, que agiliza o sistema recursal brasileiro, pôs em lados opostos advogados e juízes. Em audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) na manhã desta quinta-feira (15), o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Coêlho, e o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Nelson Calandra, divergiram sobre a proposta que, na prática, limita a apresentação de sucessivos recursos para atrasar o cumprimento de decisões judiciais.
Para o representante da OAB, a chamada PEC dos Recursos é uma medida que fere o princípio da presunção da inocência e o direito à ampla defesa. Além disso, é uma questão que já está sendo discutida no âmbito da reforma do Código de Processo Civil, que já passou no Senado e agora está sendo avaliada pela Câmara dos Deputados.
– Não se pode alterar a Constituição a todo e qualquer momento. Vivemos um período de estabilidade constitucional nestes últimos 25 anos. Isto deve ser discutido no âmbito do CPC, que voltará ao Senado no mês que vem. Seria mais adequado implantar o CPC, pôr em efetividade, se ele não der conta, poderemos analisar alteração na Constituição – opinou.
Segundo o presidente da Ordem, há uma cobrança muito grande sobre o Legislativo quanto à celeridade processual na Justiça, mas o Judiciário precisa fazer sua parte. Segundo Coêlho, o Poder Judiciário precisa se organizar e espalhar seus recursos, concentrados na cúpula, para as pequenas comarcas.
– Joga-se para o Legislativo toda uma responsabilidade, e o Judiciário não faz a parte dele. O dinheiro que vai para o Judiciário é mal aplicado, fica encastelado nos tribunais, gastos absurdos na cúpula dos tribunais e o dinheiro não é espalhado onde a população se encontra, nas varas e comarcas – afirmou.
O representante da OAB criticou também a postura da advocacia pública, que “recorre de tudo”, e a existência dos “juízes QTTs”, que só trabalham às terças, quartas e quintas, nas pequenas comarcas do interior do país.
- É preciso mudanças culturais, estruturais e jurídica. Esta virá com a reforma do CPC, sem tirar do cidadão, principalmente em matéria penal, o direito a recurso. Não há bem maior que a liberdade. Somos um país que acredita na liberdade da pessoa – argumentou.
Pelo fim da impunidade
O presidente da AMB, por sua vez, afirmou que a magistratura é a favor do fim da impunidade. Para ele, que defendeu a PEC, o Senado pode resolver o problema da violência no Brasil. Segundo Calandra, as manifestações populares indicam que o Brasil precisa mudar a lentidão na Justiça. Ele citou exemplos de crimes de grandes repercussões, cujos mandantes ainda não foram julgados e continuam soltos.
– Ninguém quer ser testemunha num processo em que o bandido mata o juiz, pica um jornalista e sai pela porta da frente do tribunal. Um culpado deixa de ser encarcerado dá passe livre para que outros cometam crimes. A magistratura é favor do fim da impunidade. Não se pode um país ter cinco juízes mortos e todos os mandantes soltos. O Senado brasileiro pode ministrar o remédio de que o povo brasileiro precisa para cessar violência incontida – defendeu.
O autor da PEC, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), lembrou que em nenhum país civilizado do mundo tem um Judiciário com quatro instâncias, como ocorre no Brasil.
– Até 1988, havia três [instâncias]. Depois criaram mais uma, o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Agora, o Brasil é o único a ter quatro níveis de julgamento – destacou.
Entenda a PEC
A PEC 15/11 tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e tem como relator o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Originalmente, a proposta transformava os recursos extraordinário e especial – interpostos, respectivamente, ao STF e ao STJ – em ações rescisórias. Ou seja, em vez do direito aos recursos, haveria o trânsito em julgado, e à parte interessada restaria apenas uma ação rescisória, que é uma ação autônoma, com o objetivo de desfazer os efeitos de sentença já transitada em julgado.
O substitutivo elaborado pelo senador Aloysio Nunes mantém o direito aos recursos, mas diz que os mesmos não impedem o trânsito em julgado da sentença. Este ponto foi também muito criticado pelo presidente da OAB:
– Ora, trânsito em julgado significa que não cabe mais recurso. A Constituição não pode mudar a natureza das coisas. Não pode dizer que num pote de sal tem açúcar. Há coisas que não podem ser mudadas. Portanto, se comporta recursos, não há trânsito em julgado – afirmou."