"Os golpes protagonizados pelas empresas terceirizadas na Esplanada dos Ministérios estão saindo do controle. Há uma reclamação por dia útil na Justiça do Trabalho contra as prestadoras de serviços, que recebem dinheiro do governo e fogem com os recursos que deveriam ser transferidos para os funcionários contratados. Apenas nos primeiros quatro meses de 2014, foram instaurados 107 inquéritos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para investigar o setor, número próximo aos 168 registrados em todo o ano passado. Nem o próprio órgão escapou do golpe, pois a sua contratada, a Remember, deixou um grupo de empregados na mão e uma dívida de R$ 43 mil.
"O total de denúncias é alarmante. Há todo tipo de irregularidade. Funcionários que nunca tiram férias por não completarem um ano de empresa, salários atrasados, benefícios sociais que não são pagos", diz o procurador do Trabalho Carlos Eduardo Carvalho Brisolla. Ele reconhece que essa farra — na qual a ponta mais frágil, a dos trabalhadores, paga a conta — é estimulada pela falha na fiscalização dos órgãos públicos, que não dão à devida atenção aos contratos. No entender dele, o único caminho para se reduzir as fraudes é o Congresso Nacional modificar a Lei 8.666, das Licitações.
Para Brisolla, quanto mais o país protelar as mudanças na legislação, mais trabalhadores serão prejudicados. "Os ministérios não têm estruturas adequadas para fiscalizar os prestadores de serviço, ainda mais quando se trata de empresas de outros estados. É um problema sistemático da nossa legislação, que permite os frequentes golpes", ressalta, coberto de razão.
Como grande parte das contratações é feita por meio de pregão eletrônico, não se sabe qual a real capacidade das firmas vencedoras de cumprirem os contratos. Ciente das falhas dos sistemas, e que sempre prevalecerá o preço mínimo e não a capacitação, as firmas fazem a festa. Parte dos problemas poderia ser evitada, contudo, se os servidores responsáveis pela gestão dos contratos fossem mais empenhados e não fizessem vista grossa.
Pressões
A gritaria dos trabalhadores é grande. Na semana passada, 150 funcionários da central de atendimento (call center) do Banco do Brasil cruzaram os braços e fizeram uma paralisação de 24 horas. Eles reivindicam às prestadoras de serviços BS Service e AC Serviços, contratadas por meio da BB Tecnologia e Serviços — novo nome da Cobra Tecnologia —, 26 questões trabalhistas não cumpridas. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do DF (Sinttel-DF), os grevistas foram pressionados pelos supervisores, por mensagem de celular, para voltarem ao trabalho.
Outro caso que escancara a omissão de órgãos públicos em relação às empresas terceirizadas ocorre na Receita Federal, vinculada ao Ministério da Fazenda. A Telco do Brasil, firma de call center, atua no órgão apesar de não ter conseguido honrar um contrato com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em março deste ano. O Sinttel-DF já informou à Receita sobre os problemas trabalhistas, mas nada foi feito até o momento.
O Fisco informa que "todas as denúncias serão apuradas e, caso sejam procedentes, serão tomadas as medidas legais cabíveis". O Ministério da Fazenda, por sua vez, justificou, por meio de nota, que "é impossível prever que a empresa que cumpriu todos os requisitos de habilitação (durante o processo de contratação) descumprirá as cláusulas contratuais". A Telco garante que não há registros de reclamações de seus trabalhadores.
Na Anatel, a Telco teve o contrato cancelado por não recolher adequadamente o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos funcionários, atrasar os salários e o vale-refeição. O Sinttel-DF havia informado antecipadamente à agência sobre os problemas trabalhistas, mas nada foi feito. Hoje, o sindicato possui 200 ações trabalhistas contra o órgão regulador. "A Anatel não foi pega de surpresa. Ela foi cega, surda e muda. Simplesmente nada fez", diz diretor do Sinttel Fernando Diniz. Em nota, a Anatel garante que "fiscaliza os contratos de prestação de serviço mensalmente, sendo a empresa obrigada a apresentar certidões de regularidade fiscal e previdenciária, além de comprovantes de recolhimento de verbas trabalhistas".
A Telco alega que tomou a iniciativa do cancelar o contrato com a agência de telecomunicações porque o negócio começou a dar prejuízo. "Nós acionamos o sindicato para informar à Anatel sobre nossas condições", justifica Marco Saad, diretor da companhia. Ele ressalta que o órgão público pediu a antecipação do pagamento de duas multas que foram aplicadas à terceirizada — os processos ainda tramitam na Justiça — e que isso quebrou a empresa.
Conhecedor profundo do setor de terceirizadas, que movimenta R$ 8 bilhões por ano na Esplanada dos Ministérios, José Gomes, diretor da Real JG, define bem o que o Ministério Público do Trabalho está enfrentando. "Esse é um mercado prostituído", enfatiza.
Problemas
na UnB
Funcionários terceirizados da Universidade Federal de Brasília (UnB) reclamam de falta de cumprimento dos contratos por parte das prestadoras de serviços PH, líder em contratos na Esplanada dos Ministérios, Ágil, Apecê e Planalto. Na semana passada, houve uma manifestação no câmpus, conforme o presidente da comissão dos trabalhadores terceirizados da UnB, Francisco José Targino, que organiza novo protesto. "A PH não cumpre o pagamento dos valores que constam no contrato. A Apecê tem mais de 800 funcionários na área de limpeza e a metade deles está sem férias há sete, oito anos porque o contrato é emergencial, sempre renovado. A Ágil retirou o pagamento de insalubridade para trabalhadores que operam máquinas e venenos de jardinagem", enumerou. Mais de 2 mil trabalhadores são terceirizados na UnB. Procurada, a universidade não se manifestou."