"Coordenador da Conferência Nacional sobre Trabalho Decente aponta que processo de organização permite conhecimento da realidade do país sobre o trabalho
Publicado em 31/10/2011, 10:05
São Paulo – A seis meses da Conferência Nacional sobre o Trabalho Decente, o processo está a pleno vapor, avalia o assessor especial para Assuntos Internacionais do Ministério do Trabalho e Emprego, Mario Barbosa, coordenador-geral do evento. "Tivemos uma resposta dos estados que superou as nossas expectativas. A totalidade aderiu e vai realizar conferência até o fim de novembro", conta.
O temário se baseia no Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente, firmado em 2010 e baseado em memorando da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que fixa princípios como erradicação do trabalho infantil e do trabalho escravo, criação de mais e melhores empregos e fortalecimento do sistema tripartite (governo, empregadores e trabalhadores). Para a conferência nacional, que reunirá 1.200 delegados e 300 observadores em maio de 2012, em Brasília, esses princípios foram agrupados em quatro eixos: princípios e direitos; proteção social; trabalho e emprego; e fortalecimento tripartite.
Barbosa afirma que o trabalho decente é um conceito que precisa ser considerado por todos os países no momento de se elaborar políticas de governo. “A questão é garantir como esse tema tenha presença nos fóruns internacionais e tenha tratamento equivalente ao que é dado aos indicadores econômicos”, afirma.
As conferências setoriais são realizadas no país desde 1941, com a primeira edição realizada para discutir diretrizes políticas de saúde. Mas foi a partir de 2003 que se intensificou o ritmo de realização desse tipo de evento, com a inclusão de temas variados – de diversidade sexual à comunicação, passando por direitos humanos e meio ambiente, por exemplo.
O objetivo das conferências é definir diretrizes para políticas públicas e consiste em um dos principais instrumentos para movimentos sociais e organizações não governamentais interferirem, junto ao Estado, na condução desses setores. No caso da conferência sobre trabalho decente, questões como combate ao trabalho análogo à escravidão e a garantia de direitos devem ganhar destaque.
Confira os principais trechos:
É de se esperar que os movimentos sociais participem mais ativamente das conferências estaduais. O senhor observa o mesmo interesse por parte dos representantes empresarais?
Sim, inclusive o processo foi construído junto. O Ministério do Trabalho já coordena um processo tripartite para construção da agenda. Tudo foi feito inteiramente em conjunto, incluindo as centrais e as confederações de empregadores. A própria proposta de conferência também. As conferências realizadas até agora mostra que a bancada dos empregadores está participando ativamente.
As secretarias (
estaduais) têm protagonismo para conversar com bancadas de empresários e trabalhadores. Com isso, a gente constata que a realidade do Brasil não é a de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Isso é um desafio para o próprio processo de conferência. Essa aproximação é muito benéfica para todas as partes, para discutir temas de interesse comum. Esse processo está levando a um melhor conhecimento da realidade nacional. O governo está se relacionando mais com as secretarias de emprego, está mostrando as forças e debilidade de todo o mundo. Mesmo para quem tem experiência anterior, essa conferência é uma grande novidade, tanto do ponto de vista da capacidade do Estado de planejamento e implementação de políticas públicas como para um maior conhecimento de sua própria realidade.
Na semana passada, o escritório da OIT no Brasil divulgou um relatório sobre o trabalho escravo, problema que, apesar dos avanços, ainda é uma mazela nacional.
É um problema que o Brasil reconhece há muito tempo e tem políticas ativas, com avanços reconhecidos nos fóruns internacionais. Ao lado de outros problemas, como trabalho infantil, miséria extrema, informalidade. As ações do Estado também têm a oportunidade de ser avaliadas (
nas conferências). Eu costumo dizer que não se trata apenas uma tarefa de governo, tem de ser vista como um desafio compartilhado. A conferência vai permitir que o plano possa ser aperfeiçoado. Os próprios estados terão oportunidade de aproveitar o resultado das conferências para organizar agendas, planos, para dar mais capacidade de continuar enfrentando esses problemas. Do ponto de vista imediato, o processo de sensibilização para o problema é um ganho. Tem um seguimento pós-conferência sobre aplicação prática das propostas aprovadas, para que na segunda conferência (
prevista para 2016) já possamos ter aprendido muito. Se os próprios autores do mundo do trabalho não estão suficientemente organizados e mobilizados sobre esse tema, a sociedade terá tais dificuldade de entender e atuar nos canais de mobilização. O ex-presidente Lula dizia que o salário mínimo só teria uma política de valorização efetiva quando deixasse de ser um problema de quem ganha salário mínimo e fosse abraçado pela sociedade. É preciso que o carro-chefe do mundo do trabalho esteja mobilizado para que essas pessoas possam se tornar efetivamente atores. Isso também coincide com o lançamento do Plano Brasil sem Miséria. Os planos dialogam. E não deve ser apenas uma agenda de governo, mas de Estado.
A conferência pode agilizar a votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 438, sobre o trabalho escravo?
Creio que sim. O processo da conferência está permitindo um diálogo que não havia antes. A questão da PEC está surgindo em várias conferências estaduais e isso vai permitir que o Brasil possa avançar. A gente não pode olhar unicamente para os resultados imediatos.
O mundo assiste a uma série de manifestações, com ocupações em várias regiões, questionando o atual modelo político-econômico...
Existe hoje uma série de iniciativas e agendas em curso, precipitadas pela crise econômica de 2008. Há uma clara percepção de que foi criado no sistema financeiro e atingiu a economia real, empresas, pessoas, famílias. É preciso buscar uma coerência de políticas, e isso passa por maior regulação do sistema financeiro. Hoje, o trabalho decente não está só na OIT, mas na agenda das Nações Unidas. O G20 (
grupo dos países mais desenvolvidos) incluiu a OIT na qualidade de observador. A questão é garantir como o tema tenha presença nos fóruns internacionais e tenha tratamento equivalente ao que é dado aos indicadores econômicos. A persistência da crise nos países desenvolvidos mantém essa agenda muito presente. Essas ações significam uma percepção maior da sociedade sobre a importância de regulamentar o sistema financeiro, que deve estar a serviço da produção e do emprego. Temos muitas lições a serem aprendidas. Não só a OIT (
deve ser ouvida), mas também a OCDE (
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne apenas países desenvolvidos). O que se propõe é um exercício de coerência, uma consulta cruzada.
O movimento sindical deve considerar essa realidade?
Cada setor tem sua agenda, mas é inegável que há uma convergência e todos esses esforços devem somar em determinada direção. Essas ações não estão desvinculadas. A ideia é de construção de um modelo em que haja trabalho e oportunidades para todos. Acontecimentos como esses, de crise, podem trazer oportunidades.
Com a conferência do trabalho decente, o debate sobre a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais volta à tona?
A jornada de trabalho é um dos itens da conferência e não resta dúvida que, com todo o avanço tecnológico que o mundo conseguiu realizar, a jornada de trabalho não chegou a seu patamar limite. Creio que oportunamente esse processo seguirá se aprofundando. No Brasil, por exemplo, em 1985, 1986, 1987, houve muitas ações e greves reivindicando a redução da jornada de trabalho, que se alcançou na Constituição de 1988 (de 48 para 44 horas semanais). Trata-se de uma luta permanente, e certamente o Brasil conseguirá avançar nesse processo."
Extraído de http://www.redebrasilatual.com.br/temas/trabalho/2011/10/mundo-nao-pode-considerar-apenas-os-indicadores-economicos