Direito e Saúde: acidentes, adoecimentos e sofrimentos do mundo do trabalho.
CARTA DE SÃO PAULO
O
IV Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e
Saúde, que reuniu pessoas de vários países da América Latina, ocorre em um momento crucial para o Brasil. A
última etapa do impeachment da
Presidenta eleita Dilma teve início nesta semana. Consensual quanto à gravidade
da situação, polêmico na sociedade quanto à sua legalidade, para os
participantes deste evento, representa um processo político de interrupção
institucional cujas consequências poderão ser devastadoras para os
trabalhadores e suas famílias.
A
investida contra as conquistas da Constituição Federal tem sido avassaladora e
direitos humanos fundamentais estão ameaçados.
Sob
o falso pretexto de um país falido, economistas neoliberais têm propalado como
única saída uma alternativa econômica fundamentada no acúmulo do superávit
primário, na diminuição do que chamam de gastos (e não investimentos) públicos
e novamente na penalização dos setores
menos privilegiados da sociedade, sem que sejam sequer cogitadas quaisquer mudanças
do sistema econômico dominado pelos rentistas ou do sistema tributário que
penaliza os pequenos.
As
propostas do governo interino e da elite econômica caminham para uma redução
brutal dos investimentos públicos nas áreas sociais. Nesse chamado ajuste
fiscal serão sacrificados, entre outros direitos, o Bolsa Família, os reajustes
de salário mínimo, o direito universal à saúde, à educação e ao trabalho digno.
Vamos aos fatos.
A
Proposta de Emenda Constitucional 241 (PEC 241) apresentada pelo governo
federal interino em 15 de junho deste ano, determina que, por 20 anos, os
investimentos públicos deverão ser congelados, tendo como referência os gastos
de 2016, com atualização anual pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor). Preconizada por colunistas econômicos de plantão permanente, a PEC
241, se efetivada, terá efeitos diretos nas áreas caras à maioria da população.
Os investimentos públicos representarão a cada ano um percentual menor do
Produto Interno Bruto (PIB). Estima-se que, os atuais 20% do PIB passariam em
20 anos para 12,5%. E isso representará a redução de ações estatais de
redistribuição de renda, piora e maior precarização de serviços públicos
universais como saúde, educação e assistência social e deterioração da
infraestrutura.[1] É um verdadeiro atentando contra os direitos humanos.
A PEC 87/2015, aprovada pela Câmara
Federal na madrugada de 02/06/2016, prorroga para 2023 a DRU – Desvinculação
das Receitas da União, que vigorou até 31/12/2015, e ainda aumenta o percentual
de 20 para 30%! A DRU permite ao governo federal usar livremente essa
porcentagem de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou
despesas. Na prática, permite que o governo desvie os recursos destinados a
áreas como educação, saúde e previdência social para a formação de superávit primário,
para qualquer despesa considerada prioritária, possibilitando mais ainda o
manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública, nunca auditada,
mas que, nem por isso deixa de consumir valores que deveriam ser aplicados em
políticas sociais e aprimoramento da máquina pública.
A
terceirização para quaisquer atividades, como prevê o projeto de lei da Câmara
30 (PLC 30), representará uma total desregulamentação e precarização das
relações de trabalho em nosso país, com
repercussões diretas sobre a sua segurança e saúde.
O
negociado sobre o legislado significa mais um ataque nos direitos trabalhistas.
O que prevalecerá será o acordado entre duas partes com poder incomparavelmente
desiguais, empregadores e trabalhadores e não a lei. Aumento da jornada de
trabalho, flexibilização das horas de almoço e das férias são algumas das
propostas divulgadas por representantes de entidade patronais.
No
âmbito da seguridade social, com a falácia do rombo da previdência, ganham força várias propostas, como o aumento
da idade para aposentadoria e restrições cada vez maiores ao acesso e
manutenção dos direitos previdenciários. Cronicamente subfinanciado, o Sistema
Único de Saúde (SUS), tem sofrido diversos revezes, entre os quais, a aprovação
da lei federal 13.097, que permite a participação do capital estrangeiro nas
ações de saúde. A proposta de planos populares de saúde é abertamente defendida
pelo atual Ministro da Saúde, cuja campanha para deputado federal teve doação
significativa de planos de saúde privados.
Os
participantes do IV Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio
Ambiente, Direito e Saúde se colocam ao lado daqueles que lutam contra qualquer
retrocesso referente a direitos constitucionais, conclamando a sociedade a se
manifestar nas ruas, junto aos deputados e senadores, junto aos Ministérios
Públicos e ao judiciário.
Todos
devemos assumir o papel de esclarecer amigos, parentes, colegas, vizinhos,
alunos, professores, colegas de trabalho sobre os perigos que corremos. E às
entidades sociais, colocamos a premência de união e construção de um vigoroso,
planejado e efetivo plano de comunicação de massas. Se por um lado temos pouco
acesso aos grandes meios de comunicação, por outro, temos o meio virtual, que
nos possibilita atingir ilimitadas parcelas da população de forma qualificada.
Temos que ter claro que há uma tentativa sistemática da mídia hegemônica de nos
desqualificar e nos desmoralizar, outorgando para si, o papel de fonte
fidedigna de informação e análise, isenta e imparcial, quando na verdade
representa os interesses de menos de 10 grupos econômicos vinculados a
interesses do grande capital.
Não
podemos aceitar que criminalizem o exercício da política e as manifestações de
opiniões, como se fossem ações indignas. Gerações de brasileiros lutaram pela
liberdade de expressão sobre quaisquer aspectos que afetam nossas vidas, desde
as agressões cotidianas à natureza, aos povos mais vulneráveis como os indígenas
e quilombolas, até as discriminações de qualquer espécie, além das questões já
mencionadas.
A voz uníssona do povo brasileiro em um
poderoso NÃO deve se unir aos irmãos de todos os continentes, em particular dos
países latino-americanos. NÃO a um mundo que se submeta à lógica do mercado e
do grande capital e SIM, a uma sociedade em que haja equidade e justiça social,
na qual possamos viver de forma solidária e verdadeiramente humana.
São
Paulo, 26 de agosto de 2016.
ALAL
– Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas
[1]
PERES, UD; SANTOS, FP. PEC 241: um teto para a despesa, sem limites para a
desigualdade. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2016/PEC-241-um-teto-para-a-despesa-sem-limites-para-a-desigualdade1
> acesso em 24/08/2016.