O Supremo Tribunal Federal (STF) definirá em breve se os dias e os horários de concursos públicos podem ser alterados para garantir a liberdade religiosa. Em respeito aos dias que consideram sagrados, seguidores de algumas crenças - como judeus, adventistas e testemunhas de Jeová - começaram a entrar na Justiça para pedir a adequação das datas de concursos públicos, provas, vestibular, ou da jornada de trabalho. O debate ronda o Judiciário em centenas de ações, que ainda dividem os tribunais. Mas poderá ser pacificado em breve pelo STF, no julgamento de um processo de um integrante da Igreja Adventista envolvendo um concurso público do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. Geismario Silva dos Santos se inscreveu em 2007 no concurso para técnico judiciário em segurança e transporte. Na primeira etapa, foi aprovado em primeiro lugar. Mas para a avaliação física, sua prova foi marcada para o sábado. Como este é um dia sagrado para os adventistas, Geismario pediu transferência para o domingo - quando um outro grupo faria a mesma avaliação. Os organizadores do concurso negaram o pedido. Ele entrou na Justiça e conseguiu uma decisão favorável no próprio TRF. Com isso, conseguiu fazer as provas de aptidão física no domingo - e foi novamente classificado em primeiro lugar. Mas a União recorreu ao STF, e Geismario ficou impedido de assumir o cargo. O posicionamento da Corte suprema gera expectativa para outros religiosos, pelo fato de os ministros terem aplicado ao caso a repercussão geral e o resultado do julgamento servir de orientação para os juízes e tribunais das instâncias inferiores. "A realização das provas em data e horário diferentes do estabelecido no edital fere o princípio da igualdade entre os candidatos", argumenta Grace Mendonça, secretária-geral de contencioso da Advocacia Geral da União (AGU). De acordo com ela, a partir do momento em que um edital é publicado, ele se torna lei e deve ser respeitado. Grace também afirma que o Estado é laico - portanto não poderia condicionar seus atos a crenças religiosas. Para ela, a administração pública teria dificuldade de criar horários especiais para cada crença, e um precedente permitindo isso poderia gerar questionamentos dos outros candidatos. Geismario, por outro lado, diz que limitar a possibilidade de prestar o concurso ao sábado fere seu direito de liberdade de crença religiosa, assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal. "Não é que os adventistas e judeus (que também guardam os sábados) queiram atrapalhar o governo ou prejudicar suas finanças", diz o advogado Luigi Braga, diretor jurídico da Igreja Adventista para a América do Sul. Ele lembra que, no caso de Geismario, não haveria necessidade de se criar um dia extra de provas. "O que pedimos em geral não é a mudança de data, mas uma prestação alternativa", afirma Braga. A solução que muitos candidatos adventistas propõem, se a prova tem que ser feita no sábado, é que comecem a prestá-la após o por-do-sol - quando termina o período sagrado. Para evitar fraude, eles entram numa sala fechada no mesmo momento em que os outros candidatos, mas aguardam o fim da tarde para iniciar os trabalhos. Braga conta que já moveu centenas de ações semelhantes em nome de adventistas e judeus. Em Sergipe, por exemplo, estudantes pertencentes à Igreja Adventista conseguiram decisões favoráveis, na Justiça Federal, para deixar de cursar matérias nos sábados na Universidade Tiradentes (Unit). A instituição foi obrigada a oferecer alternativas de horário e abonar as faltas dos alunos. O próprio STF já enfrentou a questão, num processo do Centro de Educação Religiosa Judaica, de Minas Gerais. Um grupo de 22 estudantes pedia para prestar o Enem em data alternativa ao sábado, fazendo uma prova com mesmo nível de dificuldade. O STF rejeitou a possibilidade da data diferente, entendendo que isso geraria questionamentos de outros candidatos. Mas os ministros consideraram razoável a possibilidade da prova ser feita no próprio sábado, após o por-do-sol, desde que os candidatos permaneçam isolados e incomunicáveis até esse horário. O Inep já adotou essa alternativa. No ano passado, 18 mil estudantes religiosos só começaram as provas do Enem no fim da tarde de sábado. Algumas universidades também passaram a admitir opções especiais para os religiosos. Em São Paulo, a Lei Estadual nº 12.142, de 2005, permite que candidatos religiosos realizem provas de concursos e vestibulares após as 18h, quando o exame for no sábado. Empresas privadas também estão se tornando mais flexíveis para respeitar minorias. Com os três sócios adventistas, o escritório Martins & Alves Advogados Associados optou por fechar as portas toda sexta-feira antes do por-do-sol - quando começa o sábado sagrado. O escritório defende adventistas e judeus em cerca de 30 processos envolvendo datas para concursos. Segundo o advogado Ricardo Gentil, um dos sócios da banca, o Judiciário tem se posicionado favoravelmente, desde que os pedidos não prejudiquem outros candidatos. "É verdade que nosso país é laico", diz Gentil. "Mas laico não quer dizer ateu".”
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