"Primeira proposta de Orçamento elaborada pelo atual governo abre espaço para mais gastos em 2012
Depois de defender a austeridade fiscal nos últimos dias, o governo mostrou ontem que seu comprometimento com o equilíbrio das contas públicas ainda não é total. Com uma fatura pesada do aumento do salário mínimo, o primeiro Orçamento elaborado pela presidente Dilma Rousseff, que vigorará em 2012, apresenta dados inflados sobre o crescimento da economia, é contraditório sobre o superavit primário (economia para pagar os juros da dívida) e dá sinais confusos sobre o real interesse do governo de colocar as contas em dia.
O projeto, encaminhado ao Congresso pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, totalizando despesas de R$ 2,1 trilhões, fixou o salário mínimo em R$ 619,21 a partir de janeiro do ano que vem. O aumento será de 13,6% em relação aos atuais R$ 545, seguindo um acordo firmado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as centrais sindicais e chancelado por Dilma. O reajuste foi calculado com base na variação do Produto Interno Bruto (PIB) de 2010, de 7,5%, mais o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) deste ano, previsto para ficar em 6,11%. A correção de R$ 74,21, portanto, representará um peso extra de R$ 22,7 bilhões aos cofres públicos.
Descompasso
O Orçamento mostra ainda que os rescaldos da decisão do governo Lula de acelerar os gastos públicos no ano passado para eleger Dilma continuam a impor obstáculos na tentativa de "arrumar a casa". A peça prevê crescimento das despesas de 9,8%, ritmo mais acelerado do que os 8,9% de receita. Não à toa, o governo diminuiu o superavit primário. A equipe econômica planeja fazer uma economia de R$ 114,2 bilhões, já descontados R$ 25,6 bilhões de investimento previsto no Programa de Aceleração do Crescimento. Já neste ano, o governo programa uma economia de R$ 127,9 bilhões ou de 3,15% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país).
Apesar das evidências dos números, a ministra do Planejamento relutou o quanto pôde em reconhecer que o governo não deverá cumprirá a meta cheia do primário, de R$ 139,8 bilhões (3,08% do PIB) em 2012. Foi preciso muita insistência para que ela admitisse a mudança e que o superavit tenderá a ser menor. "Do ponto de vista da peça orçamentária, (a economia para o pagamento de juros será menor) sim", disse. Miriam assinalou ainda que o Orçamento está com R$ 25,6 bilhões contingenciados. Isso porque qualquer alteração em despesa precisa vir acompanhada de mudanças na receita. Ou seja, o governo precisará retirar de alguma forma esse valor para fazer um primário menor.
Desgaste político
O anúncio prematuro da cifra a ser retida coloca pressão em cima de deputados e senadores que esperam aumentar o valor das emendas individuais, hoje em R$ 13 milhões para cada um dos 594 parlamentares. Petistas já falam em reduzir esse valor porque, até agora, nada foi pago. Ao mandar uma peça orçamentária engessada, o governo pode atrair mais problema político num Congresso conturbado por disputa interna dentro do PMDB e do PP. A ministra do Planejamento evitou se comprometer com qualquer valor para as emendas. "Esse assunto é com o Congresso", disse.
Também entre os economistas do governo não está com a imagem boa. Tanto que Carlos Eduardo Freitas, ex-diretor do Banco Central, considerou um exagero o reajuste do salário mínimo e classificou a redução da meta de superavit um "erro extraordinário". "A decisão tornará a poupança do setor público ainda mais negativa. Com isso, teremos de ficar com uma taxa básica de juros (Selic) elevada ou com uma inflação mais pesada", sentenciou. Mariana Costa, economista-chefe da corretora Link Investimento, ponderou que os dados apresentados são, no mínimo, contraditórios. "Por mais que o governo fale de austeridade, há grande ceticismo no mercado, ainda mais com esses dados apresentados no Orçamento", afirmou.
O primeiro orçamento de Dilma mostra que os investimentos crescerão em um ritmo menor do que a expansão do PIB — chegarão a R$ 165,3 bilhões, um aumento real de 3,5% em relação ao valor disponível para este ano, de R$ 152,5 bilhões. Mas o governo optou pelo otimismo na peça orçamentária e não se curvou às projeções dos analistas de mercado e até pelo Banco Central. A pesquisa Focus realizada pela autoridade monetária perante instituições financeiras prevê inflação de 5,2% para o ano que vem, acima dos 4,8% estimados pelo Planejamento.
Irreal
Para o PIB, a expectativa no Orçamento é de expansão de 5% contra os 3,9% estimados pelo mercado. Quanto aos juros, o Planejamento projetou taxa de básica (Selic) de 12,50% e o BC a reduziu ontem para 12% ao ano. "Não me parecem números realistas. Para não dizer muito, são, no mínimo, esquisitos", avaliou Mariana, da Link. Miriam Belchior defendeu-se, citando, que em 2010, quando analistas estimavam expansão do PIB entre 3% e 4%, o Brasil cresceu 7,5%. "Não dá para fazer as nossas previsões baseadas no mercado. Os nossos dados estão de acordo com o que entendemos ser corretos", afirmou.
Promessas e estimativas
Veja o que prevê o primeiro Orçamento preparado na administração de Dilma Rousseff
Salário mínimo - R$ 619,21 (+13,62%)
Gasto com servidor - R$ 203 bilhões (+1,80%)
Massa salarial - 9,8%
Crescimento do PIB - 5,0%
Inflação (IPCA) - 4,8%
Taxa de juros (Selic) - 12,50% ao ano
Dólar - R$ 1,64
Superavit primário - R$ 114,2 bilhões (2,5% do PIB)
Investimentos - R$ 165,3 bilhões (8,3%)
Gastos com a máquina (OCC) - R$ 763,7 bilhões
Previdência Social (INSS) - R$ 308,6 bilhões
Previdência pública - R$ 74,8 bilhões
Amortização de dívida - R$ 874,2 bilhões"