Entrevista - Fernando de Magalhães Furlan, presidente do Cade Fernando de Magalhães Furlan assumiu a presidência do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência com a missão de preparar o "Super Cade", que vai avaliar as fusões e aquisições entre empresas antes do negócio ocorrer. Ele alerta, no entanto, que hoje o Cade "não está preparado" e diz que vai precisar de imediato de "pelo menos 100 novos funcionários", apesar do ajuste fiscal do governo Dilma. "Seria um tiro no pé aprovar uma lei que nós não vamos ter condições de cumprir bem", disse. A seguir trechos da entrevista. Quais são as prioridades da sua gestão no Cade? Minha missão é preparar o novo Cade, que depende da aprovação do projeto de lei que está na Câmara. O texto já passou pelo Senado, mas houve emendas e, por isso, voltou à Câmara. Acreditamos que o PL será aprovado ainda este ano, no primeiro ou segundo semestre. Como o Cade está se preparando para as mudanças? Estamos trabalhando em várias frentes. Foi criada uma comissão para preparar a estrutura para a mudança radical que é análise prévia das operações de fusão e aquisição. Hoje analisamos os casos a posteriori. Com a nova lei, analisaremos os casos antes dos negócios serem fechados, dentro de um prazo de 180 dias. Temos ainda uma comissão responsável pelas mudanças que serão necessárias em portarias e resoluções e outra para motivar os servidores. Vocês vão trocar de sede? Estamos cadastrando possíveis nova sedes. A lei pode ser aprovada em junho, não dá para esperar até lá para começar a olhar lugar. Hoje temos 200 pessoas, contando desde os analistas dos casos até o pessoal da limpeza. Com a fusão com a SDE (Secretaria de Direito Econômico, do ministério da Justiça), seremos 300. O Cade está preparado para a análise prévia das operações? É um desafio grande. Hoje o Cade não está preparado. Temos 30 servidores do mais alto nível que auxiliam os seis conselheiros a analisar os casos. Não é possível fazer o trabalho num prazo curto com o mesmo número de funcionários. O projeto de lei prevê a criação de 200 novos cargos. Vamos precisar de pelo menos metade disso já num primeiro momento. Seria um tiro no pé aprovar uma lei que nós não teremos condições de cumprir bem. Mas o governo Dilma atravessa um ajuste fiscal e não há contratações nos ministérios. O Cade seria uma exceção? O projeto de lei do novo Cade foi incluído no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) dois anos atrás. E o governo já anunciou que os projetos do PAC não estarão nos cortes. Persiste no projeto a ideia de um "homem forte" da defesa da concorrência? A figura do superintendente geral continua, mas houve emendas ao projeto original. Os novos artigos colocam as decisões do superintendente sob o escrutínio do tribunal da concorrência. E continuará existindo a figura do presidente do Cade. Logo, o superintendente será o chefe da investigação, e o presidente do Cade será o primeiro entre os seus pares no tribunal. Vocês já pensaram em nomes para a superintendência? Vinícius Carvalho (ex-conselheiro do Cade) tomou posse na SDE. Se a lei for aprovada em junho, é natural que ele seja o primeiro superintendente geral, a não ser que não queira. Quais grandes casos o Cade deve julgar este ano? Temos vários casos complexos que tem chances de serem julgados este ano. Não posso garantir porque depende dos conselheiros relatores e de suas equipes. Com bases em nossas conversas internas, acredito que tem boas chances de serem julgados este ano os casos Pão de Açúcar e Casas Bahia, Bertin e Friboi, TAM e LAM, Ricardo Eletro e Insinuante. O caso Sadia - Perdigão também está maduro para ser julgado este ano, embora eu não participe das reuniões internas sobre isso. As empresas reclamam que os atrasos do Cade paralisam os negócios. Por que isso ocorre? O tempo econômico é exigente, mas se a análise for rasa pode prejudicar o consumidor e as empresas. A saída é o que estamos fazendo: aprovar a nova lei de análise prévia que trará mais segurança jurídica. As empresas também atrasam os processos quando apresentam muitos pareceres? Infelizmente sim. É natural que as empresas queiram apresentar uma ampla defesa. Só que às vezes a instrução do caso vai num sentido ruim para elas. Quando percebem isso, trazem pareceres complexos e estudos econométricos aprofundados, que demandam tempo de análise. É ruim que as empresas façam isso? Não, é o direito delas. Mas nós temos o direito e o dever de analisar com cautela essas informações. Faz cinco anos que a Anatel avalia a compra da TVA pela Telefônica. Os atrasos da Anatel prejudicam o trabalho do Cade? Efetivamente há alguns casos que ficam bastante tempo na Anatel. Não que outros não fiquem na SDE. Tudo depende da complexidade. A Anatel precisa dar uma anuência prévia. Por que essa anuência prévia não pode ser considerada uma instrução preliminar do ato de concentração? Estamos discutindo isso e vamos levar a ideia para a Anatel. No "Super Cade", os casos de telecomunicações continuarão sendo avaliados pela Anatel? Esse é um ponto polêmico. A princípio, não. Mas não temos nada definido enquanto o PL não for aprovado. O Cade tem convivido bem com as agências reguladoras. A questão é que a análise concorrencial fica no meio de outras avaliações técnicas. Não sou contra a análise das agências, mas tem que ser em um tempo mais apropriado. O Cade aplicou uma multa contra a Ambev, mas a empresa recorreu, e o caso Nestlé-Garato se arrasta há sete anos na Justiça. O atraso do Judiciário prejudica a defesa da concorrência? A relação com o Judiciário é boa e tem melhorado. O Cade tem conseguido demonstrar aos juízes que às vezes as empresas recorrem ao Judiciário para protelar uma decisão. No caso Ambev, o juiz suspendeu a decisão do Cade desde que a empresa depositasse o valor numa conta em juízo ou apresentasse uma carta fiança. Mas se o Judiciário decidir hoje a favor do Cade no caso Nestlé - Garoto, é impossível separar as duas empresas... É por isso que precisamos trabalhar a relação com o Judiciário. Estamos ganhando um espaço institucional. O Cade não tinha reprovado nenhuma operação até o caso Nestlé-Garoto. No ano que vem, o Cade completa 50 anos e a primeira decisão de reprovação ocorreu em 2004. De 2008 até 2010, o Cade já reprovou seis operações. Hoje o Judiciário enxerga mais naturalmente isso. Você foi eleito para presidente com um mandato curto. Isso te incomoda? Não. Com medo de uma insegurança jurídica, que gere questionamentos às decisões do Cade, o governo achou melhor me deixar como presidente só até o fim do meu mandato de conselheiro. Me sinto honrado de terminar o meu tempo no Cade como presidente. Antes de você assumir, o Cade vivia um clima de "guerra civil", com brigas entre os conselheiros e ex-presidente, Arthur Badin. Como isso está sendo sanado? Você vai me permitir não responder essa pergunta. Eu não gostaria de falar sobre o passado, mas sobre o futuro.”
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