sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Precarização em Curitiba - Gafisa “importa” operários do Nordeste e os mantêm em condições subumanas (Fonte: CUT)

“ Escrito por: Leonardo Wexell Severo 

“Grandes ideias para viver bem”. Este é o lema da Gafisa, “uma das empresas líderes do mercado de incorporação e construção no Brasil”, que tem até número de telefone especial para investidores made in USA. Entre os objetivos da empresa, de propriedade de Gary Robert Garrabant, diz o seu site, está o de “produzir resultados crescentes e duradouros para nossos acionistas”, com a prática de “atrair, reter e manter as melhores pessoas”, por meio de um “rígido controle de custos em busca de maior lucratividade”. 


Em visita a capital paranaense, pudemos trocar em miúdos o que isso significa no cotidiano dos operários que erguem as majestosas torres, com seus amplos e luxuosos apartamentos. Nos vários empreendimentos de “alto padrão” da Gafisa, que visitamos ao lado de dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Curitiba e Região (Sintracon), assim como nos seus “alojamentos” improvisados, constatamos a precarização concreta das condições de trabalho da mão-de-obra, em boa parte subcontratada. Assim, num único empreendimento, 18 empreiteiras se revezam, com pedreiros e serventes “importados” do Nordeste, a mais de três mil quilômetros de distância, em meio a uns poucos funcionários próprios, da Gafisa, quase sempre engenheiros ou administradores. 


Abandonados a mais de três mil quilômetros de casa 
Num destes empreendimentos, no bairro Portão, trabalhavam 18 operários, vindos do Maranhão, Piauí e Bahia, oficialmente das 7 às 17 horas, usados até o bagaço e posteriormente abandonados pela Empreiteira VIJ desde o dia 3 de outubro. A VIJ presta serviço para a Gafisa. O alojamento que abriga a todos fica no bairro Santa Quitéria, de onde tinham de se deslocar cerca de dois quilômetros e meio. Ali, em meio ao caos e à saudade, aguardam a audiência na Justiça, no próximo dia 4, onde a Gafisa responderá por "responsabilidade solidária". O objetivo de todos – amparados desde o primeiro minuto pelo Sindicato local - é garantir que recebam os atrasados (o gato sumiu com o pagamento de meses, além de falsificar holerites e desaparecer com a carteira funcional de alguns deles). A alimentação e a estadia destes companheiros vêm sendo assegurada pela ação sindical, que cobrou a Gafisa, caso contrário estariam passando fome e um sem número de necessidades. 

PROMESSAS E DESILUSÕES 


Com apenas 20 anos, o servente Fábio Santos Reis, veio de Barreirinhas a 260 quilômetros de São Luís, no Maranhão (mais de 3.300 km da capital paranaense), com a promessa – estampada na carteira, mas nunca cumprida – de receber R$ 829 como piso salarial. “Mas eu trabalhava sábado, domingo e feriado, às vezes à noite. Fiz empréstimo, parcelei a viagem. Na hora da empresa acertar, nada”, revelou, com a desilusão marcando a ferro e fogo já no primeiro emprego. 


Mais experiente, o pedreiro José Hamilton Pereira da Silva, veio de Jaguarari, “a umas seis horas de carro de Salvador”. “O mês de setembro eu não recebi, nem os 22 dias de outubro. Na carteira era R$ 917,40, mas pagavam R$ 700,00. O holerite não correspondia à realidade: dizia uma coisa e o salário era outro. Ficaram de acertar, antes de sumir”, informou Silva, que antes de chegar a Curitiba passou por obras da VIJ em São Paulo. Casado e pai de quatro meninas (Magna, Maisa, Carolina e Carina), ele telefona periodicamente para a mulher, Vera Lúcia. “Tá atrasado o mercado, a conta de água e de luz também. E a empreiteira me abandonou aqui. Encontro força nos companheiros. O drama é o mesmo”. 


Também baiano, de Caldeirão Grande, o servente Manoel de Oliveira chegou no frio de julho em Curitiba, depois de trabalhar sete meses em Mauá, na Grande São Paulo. “O empreiteiro me deixou aqui e fugiu. Não dá notícia para nada. Para completar, sumiu com a minha carteira e com todo meu histórico. É uma situação difícil”. 


APERTAR O CERCO 


Como tragédia, a situação se repete, forçando o Sintraconst a apertar o cerco nas obras e ampliar a cobrança em relação à fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, particularmente nas grandes obras. De acordo com Domingos de Oliveira David, presidente do Sindicato e diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e da Madeira (Conticom/CUT), a situação é de descalabro, com algumas grandes construtoras mantendo uma política de contratação que empurra para a terceirização e a quarteirização de mão-de-obra trazida de fora, o que sempre dificulta a denúncia – e obviamente a fiscalização. A terceirização na atividade-fim é proibida por lei. 


Com diretores atuantes, o Sindicato acaba descobrindo os casos e também os “alojamentos” onde esses operários vão sendo amontoados, muitos deles em condições de higiene mais do que precárias. 


“A Norma Regulamentadora 18 (NR 18) disciplina estas questões. Há regras também para os alojamentos, e mesmo normas insuficientes como de um chuveiro por 10 trabalhadores e um sanitário por 20, e a necessidade de área de lazer e de convivência. Mas se nem o salário e direitos básicos como a hora extra são respeitados, o que dizer destes locais?”, questiona Domingos. 


AMPLIAR A FISCALIZAÇÃO 


Na sua avaliação, é fundamental a abertura de concurso público para multiplicarmos imediatamente o número de auditores fiscais do trabalho. “No Paraná, se fala na existência de 120 fiscais, quando precisaríamos, no mínimo, de uns 300. Sem uma maior atuação e uma mudança na lei, com multas mais pesadas por falta de registro em carteira, e ainda maior quando houver reincidência, fica difícil acabar com a informalidade no setor. É verdade que diminuiu pela ação sindical e pela colaboração dos fiscais no último período, mas enquanto não ficar bem caro para as empresas, elas não vão colocar as barbas de molho”, acrescentou. 



Em outro empreendimento caríssimo da Gafisa, com apartamentos de quatro quartos e mais de 140 metros quadrados em bairro nobre, o servente Alessandro Lima, vindo da cidade de Campestre, em Alagoas, mostra as pernas inflamadas, inteiramente cobertas por picadas de pulga. “Somos 16 pessoas no alojamento. Além do pulgueiro, ouvimos ratos à noite, na parte debaixo da casa. Vim pensando que era uma coisa e é outra. Peguei dinheiro emprestado para vir de avião, porque tinha prazo para me apresentar”. 
A assessoria de imprensa da Gafisa foi questionada sobre qual a política de contratação da empresa em relação às empreiteiras e como costuma proceder em relação a este tipo de gente. Se há um cadastro nacional junto ao Ministério do Trabalho ou outra jurisdição que macule o nome das empreiteiras e de seus sócios, para que novos trabalhadores não sejam lesados. Se há uma proposta para resolver o nó, já que casos como este, em virtude da carência de mão-de-obra no Sul, podem se repetir. 


A Gafisa informou que, “imediatamente após tomar conhecimento do evento relacionado à VIJ, empreiteira contratada para prestar serviços em Curitiba, providenciou o pagamento das despesas relacionadas à alimentação e assegurou a manutenção da moradia oferecida aos 18 funcionários prejudicados, mediante desconto nas medições devidas à VIJ. A companhia também fará gestão dos pagamentos devidos pela empreiteira aos funcionários, cujos valores serão definidos em audiência de conciliação, em data a ser agendada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção de Curitiba”. Por fim, a Gafisa esclareceu que “mantém rígidas auditorias para garantir que todos os seus fornecedores adotem práticas de excelência na gestão dos empreendimentos sob sua responsabilidade”. 


Sobre os baixos valores pagos – e não pagos - aos operários pelas empreiteiras ou a medidas punitivas de grosso calibre, já que várias delas já fazem parte de um submundo de precarização, que acaba praticando – e estimulando – concorrência desleal com empresas idôneas, aguardamos retorno. 


Do ponto de vista estritamente econômico, de Norte a Sul do Brasil, o número de empregos cresce, com a criação de mais de 200 mil vagas no setor da construção em 2010. A projeção é que o PIB do setor supere a expectativa inicial dos 9% e chegue aos 12%. 
Conforme o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscon-PR), de janeiro a junho foram abertas só no Paraná mais de 15 mil vagas, 208% a mais do que em 2009. 


Graças à ação sindical, os salários do setor também estão turbinados. Em Curitiba, o piso salarial do servente é de R$ 719,00; R$ 781,00 - meio profissional, R$ 1.01420 – profissional; R$ 1.122,00 – contra mestre e R$ 1.504,90 – mestre. Todos também têm direito a um vale mercado, de mais R$ 180,00. “Agora, precisamos fortalecer o lado social, ampliando a fiscalização para reduzir o número de acidentes no trabalho, lesões, mutilações e mortes, fortalecendo também a formação e a qualificação profissional e os investimentos na melhoria das condições de trabalho”, destacou Domingos. 


“Diferente do pesadelo do período neoliberal, de privatização e desmonte do Estado”, revelou o sindicalista, “hoje o trabalhador pensa o Brasil para frente, com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com o Minha Casa, Minhas Vida, com crédito mais barato, com redução de impostos para a construção, com as novas perspectivas abertas para o transporte urbano, o saneamento e a infraestrutura, a partir das obras da Copa”. 


Por isso, concluiu, “pensamos na continuidade do governo democrático e popular com uma atenção especial para potencializar no plano social as conquistas que estamos tendo no econômico”.”