"Algumas das hidrelétricas licitadas pelo modelo antigo do setor elétrico, que oferecia a concessão de projetos sem licença ambiental prévia, esbarraram em problemas com o Ibama e outros órgãos de licenciamento e se tornaram verdadeiros “micos” para os investidores. Além disso, os leilões davam como vencedor aquele que oferecesse o maior pagamento anual aos cofres da União, a título de Uso do Bem Público (UBP). Hoje, vence quem oferece a menor tarifa final para o consumidor. Assim, mesmo as usinas que conseguem andar com as licenças podem ter maior dificuldade de alcançar competitividade para vender a energia gerada.
Neste ano, por exemplo, a Aneel recomendou ao Ministério de Minas e Energia a extinção do projeto da UHE Baú I, que estava nas mãos da Brookfield, mas foi considerada ambientalmente inviável. Outras que ainda brigam para destravar o licenciamento são as UHEs Pai Querê e Couto Magalhães, que ainda mal possuem licença prévia.
Outras usinas, como a de Itaocara e a de Murta, tiveram que ser divididas em duas para se tornarem viáveis. E, mesmo tendo sido leiloadas há mais de dez anos, ainda não moveram uma única pedra para sair do papel. Tudo ficou parado também neles, os processos de licenciamento ambiental. Mas, ao menos na UHE Itaocara, que pertence à Light e à Cemig, há a expectativa de iniciar obras ainda neste ano, uma vez que a LP acaba de ser emitida.
Outro projeto que esboçou algum avanço esta semana foi a hidrelétrica de Santa Isabel. A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aceitou recurso dos empreendedores e aceitou que o prazo de concessão, de 35 anos, comece a contar somente após a emissão da licença ambiental prévia. A usina, de 1.087MW, foi licitada em 2001 e deveria iniciar a geração de energia em 2009. Mas, onze anos após o leilão, o projeto mal iniciou obras e chegou a ser considerado inviável pelo Ibama, levando os investidores a tentarem, por vezes, desistir do empreendimento.
Prevista para ser construída no rio Araguaia, entre Pará e Tocantins, a planta foi arrematada pelo consórcio Gesai, formado por Billiton Metais, Vale, Camargo Corrêa, Alcoa e Votorantim. Pelo modelo antigo do setor, as empresas ganharam o direito de implantar o projeto em troca do pagamento de R$61 milhões ao ano ao Tesouro Nacional entre o 7º e o 35º ano da concessão, a título de Uso do Bem Público (UBP).
Ao analisar processo referente à usina, o diretor-relator Edvaldo Santana entendeu que o consórcio empreendeu “evidentes esforços” para liberar as licenças e viabilizar a obra. Assim, aprovou também a dispensa de renovação, por parte do grupo, da garantia de fiel cumprimento do contrato de concessão, que também só precisará ser depositada até 30 dias após emissão da licença prévia.
A Aneel ainda recomendou que a Secretaria do Tesouro Nacional não cobre as parcelas do UBP antes de a usina iniciar a operação comercial, até como forma de recompor o equilíbrio econômico-financeiro da hidrelétrica. A agência também acredita que o valor poderia ser congelado, ou seja, não atualizado monetariamente, para não tirar a competitividade do projeto.
Em seu relatório o diretor Edvaldo Santana mostra que as atuais condições tornam quase impossível a viabilização da usina, mesmo que o Ibama resolva liberá-lo. Isso porque, com as regras antigas e o pagamento da UBP, o custo da energia gerada por Santa Isabel chegaria próximo de R$186,34 por MWh – muito abaixo do preço médio dos últimos dez leilões com contratos por quantidade realizados pela Aneel – que é de R$115,27 por MWh. No caso de hidrelétricas, a diferença é maior, uma vez que as últimas usinas têm saído com preços abaixo dos R$100 por MWh.
O consórcio estima um investimento necessário de R$4,6 bilhões para erguer a hidrelétrica, o que, para a Aneel, poderia se tornar mais viável com “a redução do valor e postergação do início de pagamento da UBP e ou sua diluição ao longo do tempo”. O relatório aprovado pela Aneel ressalta que a agência não tem competência para mexer nas cláusulas referentes à UBP, mas aponta que o pleito do grupo é “plenamente justificável”.
Além dos entraves ambientais - o próprio Ministério do Meio Ambiente chegou a dizer que não quer usinas no rio Araguaia e vetou nominalmente o projeto de Santa Isabel em 2009, na gestão de Carlos Minc - a usina tem outra preocupação. A região alagada pode esconder corpos de guerrilheiros mortos durante a Guerrilha do Araguaia, o que cria grande polêmica em torno da liberação."