"A fábrica de cervejas Ambev, localizada na região serrana de Santa Catarina, foi condenada na Justiça do Trabalho a pagar indenização por dano moral a um trabalhador, por ter alterado fraudulentamente o registro de ponto eletrônico do operário, sonegando-lhe horas trabalhadas.
No processo, ajuizado na 1ª Vara do Trabalho de Lages, ficou provado que a empresa anotava como falta compensatória de banco de horas dias efetivamente trabalhados. O autor da ação alegou na inicial “que os controles de horário de trabalho não refletem a real jornada laborada, eis que são alterados e adulterados pela ré para que não seja registrada jornada de trabalho excessiva” e pediu a condenação da empresa ao pagamento das horas extras decorrentes do excesso de jornada, das horas extras relativas ao intervalo intrajornada, dos dias de folga trabalhados e do adicional noturno.
Na sentença a juíza Patrícia Pereira de Sant'Anna constata que há vários anos são ajuizadas nas VTs do município ações trabalhistas alegando que a mesma ré manipula e frauda os registros de ponto eletrônico, para reduzir a jornada efetivamente trabalhada, “com o fim de compensar um maior número de horas extras e pagar poucas horas suplementares, para diminuir o custo dos produtos da empresa e para cumprir as metas e aumentar os lucros”.
Prova difícil
A alegação, segundo a juíza, foi de difícil comprovação por meio de prova testemunhal. Algumas testemunhas diziam que essa manipulação se dava por meio da redução do número de horas trabalhadas no dia, outras afirmavam que ocorria com o registro de folgas em dias laborados, ou mediante os dois procedimentos. O fato é que as testemunhas convidadas pelos autores informavam que, por mais que prestassem horas extras, por vezes em jornadas de doze horas ou que chegavam a importar dois turnos seguidos, normalmente o saldo positivo de horas a compensar era pequeno ou inexistente.
Pela fragilidade da prova testemunhal, que era produzida quanto à forma como seria procedida a manipulação dos registros de horário, bem como quanto a quem a efetivava, a jornada de trabalho constante dos espelhos de ponto nunca chegou a ser desconsiderada nas sentenças proferidas.
Em outro processo, da 2ª Vara do Trabalho de Lages, foi designada perícia de verificação do ponto eletrônico, para concluir se a manipulação de tal registro era possível. O perito designado, contudo, não apresentou o laudo pericial, apesar de ter sido aguardado o prazo de dez meses, com diversas intimações dirigidas ao mesmo. A juíza observou, ainda, que é comum tais tipos de perícias não serem conclusivas, apresentando somente hipóteses ou possibilidades.
A comprovação da fraude
Em 2010 um advogado constatou que, em vários processos, empregados retiravam equipamentos de proteção individual (EPIs) em dias de folga, em dias em que faltavam ao trabalho e durante as férias. Diante de tais provas documentais, a juíza Patrícia conclui que se o empregado retira o EPI, é porque está trabalhando. Ficou demonstrado nos processos ajuizados contra a ré, que tais fatos ocorriam, em média, duas a três vezes por ano de contratualidade de cada empregado. Para ela, tais fatos levam à conclusão de que os registros de horário são manipulados fraudulentamente, pela diminuição do número de horas trabalhadas em um dia, ou através da inserção de folgas em dias trabalhados.
Crime contra o trabalho, o trabalhador e a Justiça do Trabalho
Entendendo tratar-se de delito contra o trabalho, o trabalhador, a sociedade e a Justiça do Trabalho, a juíza determinou a expedição de ofício, para conhecimento e adoção das medidas cabíveis, ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério Público Federal, à Delegacia Regional do Trabalho e à Delegacia da Polícia Federal.
Para o cálculo do prejuízo causado aos trabalhadores, a juíza aplicou o entendimento jurisprudencial da Súmula nº 338 do TST, considerando verdadeira a jornada de trabalho alegada na inicial. A decisão levou em conta que o cartão de ponto é meio de prova que tem o empregado para demonstrar, em juízo, a jornada efetivamente realizada. Assim, quando o empregador não faz o registro correto do horário de trabalho, impede que o empregado produza prova sobre a jornada de trabalho.
Desconsideração do banco de horas
A magistrada também concluiu que se o registro de jornada feito no ponto eletrônico foi incorreto, não há como considerar que houvesse banco de horas e nem compensação da jornada de trabalho a ser feita. Assim, foram consideradas devidas as horas extras pelo excesso da jornada de trabalho, consideradas as prestadas após a oitava diária, bem como as diferenças do adicional noturno, observando o percentual constante de norma coletiva, a hora noturna reduzida e a prorrogação da jornada noturna prevista no § 5º do art. 73 da CLT. Frente à habitualidade do serviço suplementar prestado, foi reconhecido o direito aos reflexos nos repousos semanais remunerados e, com estes, nas férias, acrescidas de 1/3, no décimo terceiro e nos depósitos do FGTS.
Dano moral
O autor da ação também pediu a condenação da Ambev ao pagamento de indenização por dano moral, pois trabalhava em jornada excessiva e desgastante, tendo usurpadas as suas horas de lazer e de convívio social e familiar. Afirmou, também, que se submeteu à jornada abusiva, para manter o seu emprego, pois dele necessitava para seu sustento e de sua família.
Para a juíza Patrícia, as alegações do autor foram amplamente demonstradas, resultando na condenação da ré a uma indenização de 1/3 do valor bruto apurado, referente à jornada de trabalho e a outros pedidos.
Embargos protelatórios
A empresa entrou com recurso ordinário. Antes, porém, ao propor embargos declaratórios, alegando ter havido omissão quanto a alguns pontos da sentença, teve mais um revés na primeira instância. A magistrada enxergou na medida pretensão meramente protelatória, para ter interrompido o prazo de recurso ordinário, impondo à empresa multa de 1% sobre o valor arbitrado à condenação, nos termos do parágrafo único do art. 538 do CPC.
O recurso da empresa será julgado pelo TRT catarinense."