''O pior do trauma de Fukushima já passou e a hora é de retomar os esforços para convencer a sociedade das vantagens da energia nuclear. Com esse pensamento, os segmentos ligados ao setor, encabeçados pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), vão esperar a volta das atividades legislativas, após o recesso de fim de ano, para intensificar contatos na Câmara de Deputados e no Senado e agilizar a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que propõe a participação do setor privado no controle de usinas nucleares no Brasil.
Após participar, em setembro, de reunião da World Nuclear Association (WNA), em Londres, o presidente da Abdan, Antonio Müller, disse que o clima tenso provocado pelo terremoto, que danificou a central nuclear de Fukushima Dai-ichi e causou vazamento de material radioativo, já arrefeceu. "Ficou claro que a aceitação da continuidade dos projetos nucleares está subindo novamente", disse.
Müller, que nos 1970 e 1980, quando trabalhava em Furnas , esteve na linha de frente da construção das usinas de Angra 1 e 2, avalia que está na hora de dar continuidade ao trabalho de convencimento iniciado em setembro, aqui no Brasil, com o objetivo restabelecer também no país um clima favorável à energia nuclear.
A Abdan preparou um documento de nove páginas, que está sendo entregue nos principais gabinetes de Brasília, falando das vantagens para o Brasil de usar a energia nuclear na base do seu sistema elétrico e propondo aperfeiçoamentos na legislação.
Além da quebra do monopólio estatal do setor - hoje só o Estado pode construir e operar usinas atômicas no país -, a PEC, concebida e encaminhada pela entidade, que reúne 30 empresas privadas e estatais, a maioria grandes fabricantes de equipamentos, propõe que a aprovação dos locais de construção de novas usinas seja incumbência do Executivo e não da Câmara, como na legislação atual. A justificativa para a mudança é que a tramitação na Câmara torna mais difícil essa definição.
"O setor privado está disposto a colocar dinheiro. Recentemente, uma concessionária francesa nos procurou, perguntando como estava o encaminhamento da PEC, porque ela estava interessada em investir aqui", disse Müller.
Se o Brasil retomar seu programa de construção de usinas nucleares, avalia a Abdan, além de investir em uma modalidade considerada pela associação como limpa e segura - se cercada das devidas precauções de engenharia - para a produção de energia elétrica, estará também abrindo espaço para tornar-se importante fornecedor internacional de equipamentos. "A indústria nuclear mundial necessita de novos fornecedores", argumenta o presidente da entidade.
Fora do âmbito constitucional, há mudanças importantes a serem feitas para desatar o nó do setor, segundo a o presidente da Abdan. Uma das mais importantes é a criação de uma agência reguladora específica para o setor e a consequente redefinição do papel da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).
A comissão é, atualmente, o órgão licenciador e fiscalizador brasileiro e também tem sob seu comando empresas produtoras, como a Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) e a Nuclep (fabricante de equipamentos pesados). "Há anos a Agência Internacional de Energia Atômica (Aeia) vem solicitando à Cnen a desvinculação de qualquer atividade executiva por ela fiscalizada", diz um trecho do documento elaborado pela Abdan.
O Brasil possui duas usinas nucleares, Angra 1 e 2, com capacidade conjunta para gerar aproximadamente 2 mil megawatts (MW) e está construindo Angra 3 (1.350 MW de potência). O planejamento feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para até 2030 prevê a construção de outras quatro usinas de 1.000 MW cada, com possibilidade de mais quatro. O acidente da usina japonesa de Fukushima não mudou formalmente os planos, mas eles entraram em uma fase de banho-maria.''