"O contrato especial de atleta profissional, regido pela Lei 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, é essencialmente solene, isto é, para que seja válido, deve obedecer às formalidades previstas em lei. Daí requerer a forma escrita. Mas, no caso de o contrato ter sido celebrado verbalmente, o atleta seria considerado amador, em virtude da relação trabalhista informal? A juíza Clarice Santos Castro respondeu a esse questionamento ao julgar uma ação ajuizada perante a Vara do Trabalho de São Sebastião do Paraíso, na qual um jogador de basquete pediu o reconhecimento do seu vínculo de emprego com o Paraíso Basquetebol Ltda. A julgadora solucionou o conflito trabalhista aplicando ao caso o princípio da primazia da realidade, segundo o qual a realidade vivenciada pelas partes deve prevalecer sobre os documentos e formalidades. Ou seja, nas palavras da magistrada, o julgador deve "apurar os fatos e dar-lhes a devida qualificação jurídica, sem se importar com o figurino que lhes tenha revestido ou faltado".
O reclamante relatou que foi contratado como atleta profissional, para integrar a equipe de basquete mantida pelo clube. Em defesa, o clube reclamado negou o contrato especial de trabalho desportivo, apesar de reconhecer que o atleta praticava regularmente o basquete a convite e sob supervisão do próprio reclamado. Ao contestar o pedido de reconhecimento da relação de emprego, o clube insistiu no caráter amador dessa atividade do reclamante. Na visão da juíza, o fato de ter ocorrido a contratação verbal não significa que não possa ter existido um autêntico contrato de trabalho entre as partes. Antes de tudo, a magistrada observou que o reclamado é uma sociedade empresária com uma atividade econômica organizada buscando a obtenção de lucro. De acordo com as ponderações da julgadora, não combina com um ente que tem finalidade lucrativa realizar as atividades que compõem o seu objeto social sem nenhum proveito econômico, nem mesmo se o fizer a pretexto de engajamento comunitário. Só por isso a magistrada já descartou a tese de que a finalidade do clube esportivo seria apenas o ensino de esportes. Afinal de contas, qualificar um clube esportivo como empresa sem fins lucrativos é uma ideia totalmente contraditória, no modo de ver da julgadora. Ela explicou que o moderno clube-empresa não é o instrumento adequado para se prestar assistência social por meio do esporte. Para isso, existem as associações e as fundações.
Ao examinar os fatos e as provas, a magistrada identificou a presença de todos os elementos caracterizadores da relação de emprego. A pessoalidade está presente, como destacou a juíza, tendo em vista que o clube confirmou que o reclamante jogou pelo time de basquete que o representava, em competições organizadas por federações estaduais daquele esporte. A magistrada presume que existiu pessoalidade na participação do atleta, mesmo sendo usual a substituição nos jogos e treinamentos, a critério do próprio clube. O próprio jogador não podia se fazer substituir por outra pessoa, por sua própria iniciativa. Observou a juíza que a onerosidade está presente no pagamento mensal recebido pelo atleta. Os valores, confirmados por testemunhas, variaram de R$ 800,00 a R$ 2.000,00. O clube confirmou a regularidade dos treinos, que ocorriam de segunda a sexta-feira e, eventualmente, também aos sábados, o que indica a existência de não-eventualidade, outro requisito caracterizador da relação de emprego. De acordo com a testemunha indicada pelo reclamante, os jogadores reportavam-se ao técnico, cumprindo todas as determinações do clube, o que, conforme destacou a juíza, é característica marcante do contrato do atleta profissional, um trabalhador subordinado por natureza, a quem não é permitido escolher os adversários, os horários dos treinamentos e dos jogos, o uniforme e as oportunidades em que serão titulares ou reservas. Pelos depoimentos das testemunhas, a julgadora pôde constatar o poder disciplinar do clube, autorizado a efetuar desconto salarial por ausência em treinos e jogos. Dessa forma, ficou caracterizada a subordinação jurídica.
Outro detalhe relevante destacado pela magistrada é o fato de que as competições promovidas pelas federações Mineira e Paulista de Basquetebol têm caráter profissional, da forma como dispõe a Lei Pelé. Portanto, o clube reclamado identifica-se com as entidades de prática desportiva, e as federações, com as ligas profissionais regionais. Ao finalizar, a julgadora questionou: "Como negar a condição de profissional do atleta que defenda um clube-empresa numa competição promovida por uma liga profissional? E, mais ainda, quando demonstrado que o fazia na presença de todos os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego? Em verdade, não se nega. Declara-se". Com essas considerações, a juíza sentenciante reconheceu o vínculo de emprego que existiu entre as partes, em dois contratos sucessivos, condenando o clube reclamado a providenciar as anotações dos contratos na CTPS do jogador de basquete, além de cumprir as obrigações típicas dos contratos de atleta profissional, pagando ao reclamante as verbas rescisórias pertinentes. O TRT-MG confirmou a sentença."