Maximiliano Nagl Garcez
Advogado em Brasília de trabalhadores e entidades sindicais, com ênfase nos Tribunais Superiores, e consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Parlamentares da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Ex-Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br.
1. Audiência pública sobre terceirização, realizada nos dias 4 e 5 de outubro
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho tomou uma excelente iniciativa, alterando seu Regimento Interno a fim de permitir a realização de audiências públicas. Segundo tal modificação, cabe ao Presidente do TST “convocar audiência pública, de ofício ou a requerimento de cada uma das Seções Especializadas ou de suas Subseções, pela maioria de seus integrantes, para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, subjacentes a dissídio de grande repercussão social ou econômica, pendente de julgamento no âmbito do Tribunal.”
Esta louvável medida visa abrir suas portas à sociedade, a fim de construir democraticamente novos marcos jurisprudenciais. Tal iniciativa contribui para a efetivação dos valores constitucionais mais caros à sociedade brasileira, mostrando o compromisso do TST com a democracia e com defesa da dignidade do trabalhador.
A primeira audiência pública, realizada nos últimos dias 4 e 5 de outubro, teve como tema a “Terceirização de Mão de Obra”. Os debates foram riquíssimos, respeitosos e democráticos, e 50 participantes, dentre eles sindicalistas, acadêmicos, empresários, magistrados, membros do Ministério Público e advogados tiveram a oportunidade de expor perante os Ministros do TST seus pontos de vista a respeito da terceirização.
Seguiu-se à risca o que determina o art. 189-A do Regimento Interno do TST: “havendo defensores e opositores relativamente à matéria objeto da audiência, será garantida a participação das diversas correntes de opinião”. Capital e trabalho receberam oportunidades idênticas para a apresentação de seus pontos de vista, e seus representantes foram ouvidos atentamente pelos Ministros que compõem o Tribunal Superior do Trabalho.
2. Da inocorrência de mudança da jurisprudência do TST acerca da terceirização
Surpreendi-me ao ler nesta segunda, dia 24 de outubro de 2011, editorial do jornal Estado de São Paulo, com o título “O TST muda sua jurisprudência”.
Cito a seguir alguns trechos do editorial: “Com base nas audiências públicas, quando mais de 50 técnicos e acadêmicos se manifestaram a respeito da subcontratação de mão de obra, o TST, que até então considerava o call center uma atividade-fim das empresas de telefonia, começou a rever seu entendimento. Invocando argumentos apresentados nas audiências públicas, a 7.ª Turma, por exemplo, autorizou a Oi a terceirizar seu call center. O relator Ives Gandra da Silva Martins Filho alegou que o telemarketing é um instrumento para a venda de serviços e lembrou que as leis que regulamentam os serviços essenciais admitem subcontratação de mão de obra. (...) Elaborada com base numa ampla e inédita consulta aos interessados, essa mudança de entendimento mostra que o TST vem procurando adequar-se à evolução do mercado de trabalho, por causa dos avanços da tecnologia e da diversificação do setor de serviços.” (grifei)
A surpresa se deu pelo fato de que, ao contrário do que afirma o editorial, não ocorreu até o momento modificação na posição do TST acerca da terceirização, desde a realização da audiência pública dos dias 4 e 5 de outubro, o que pode ser notado ao se efetuar pesquisa jurisprudencial no próprio site do Tribunal.
Em sentido semelhante, o jornal Valor Econômico havia publicado na semana passada matéria assim entitulada: “TST começa a rever entendimento sobre terceirização”, referindo-se ao referido julgado da 7ª. Turma.
Há diversos equívocos contidos na matéria. Ao contrário do que afirma o editorial, não ocorreu até o momento modificação na posição do TST acerca da terceirização, desde a realização da audiência pública dos dias 4 e 5 de outubro, conforme pesquisa jurisprudencial que realizei no site do Tribunal.
Semana passada, o jornal Valor Econômico publicou também a matéria “TST começa a rever entendimento sobre terceirização”, referindo-se ao referido julgado da 7ª. Turma.
Como veremos a seguir, não ocorreu até o momento modificação da posição do TST acerca de tal tema, após a realização da audiência pública.
2.1. Ausência de modificação da posição da 7ª. Turma do E. TST
O referido editorial do Estado de São Paulo afirma, de modo equivocado, que “o TST, que até então considerava o call center uma atividade-fim das empresas de telefonia, começou a rever seu entendimento”, e que “essa mudança de entendimento mostra que o TST vem procurando adequar-se à evolução do mercado de trabalho, por causa dos avanços da tecnologia e da diversificação do setor de serviços.“
Ao contrário do que consta no referido editorial, a posição da 7ª. Turma do E. TST já era, antes da realização da audiência pública, a favor da terceirização de call center de empresas de telefonia. Apesar de ter a E. 7ª. Turma mencionado em julgamento na semana passada algumas questões debatidas na audiência pública, seu posicionamento não se alterou.
Destaco que a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, a quem cabe pacificar a jurisprudência em caso de divergência entre as Turmas, entende majoritariamente não ser admissível tal espécie de terceirização.
Em julgamento realizado em 3 de agosto de 2011 (ou seja, antes da realização da audiência pública), a E. 7ª. Turma já adotava o mesmo posicionamento, sendo Relator também o Ministro Ives Gandra Martins Filho:
“O serviço de -call center-, que não se confunde com a efetiva oferta de telecomunicação, somente pode ser entendido como atividade-meio da concessionária de telefonia, da mesma forma como na estrutura funcional de qualquer outra empresa que dele se utilize, à exceção da própria empresa especializada, afigurando-se, portanto, passível de terceirização.” (TST-RR-840-37.2010.5.03.0006 - Recorrentes CONTAX S.A. e TELEMAR NORTE LESTE S.A.).
Ou seja: não há qualquer razão para alegar que o “o TST, que até então considerava o call center uma atividade-fim das empresas de telefonia, começou a rever seu entendimento”, nem para alegar que houve uma “mudança de entendimento”, pois a E. 7ª. Turma já adotava posição nesse sentido antes da realização da audiência pública.
2.2. Ilegalidade da terceirização em empresas de telefonia – julgamentos realizados após a audiência pública
Após a realização da audiência pública, o TST realizou diversos julgamentos no sentido da ilicitude de terceirizações praticadas por empresas de telefonia, reiterando sua jurisprudência. Analisaremos alguns:
a) Terceirização ilegal praticada pela Telemar – acórdão da 8ª. Turma
Veja-se, por exemplo, decisão da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. Ao contrário do que foi narrado no Valor Econômico e no editorial do Estadão, a decisão reafirma o entendimento majoritário do TST, adotando uma visão restritiva quanto à possibilidade de terceirização.
Neste caso, o TST entendeu que a terceirização da atividade de instalação e manutenção de linha telefônica empreendida pela empresa Telemar por meio de empresa interposta é ilegal, pois conforme prescreve a própria Lei Geral das Telecomunicações, tais serviços são essenciais à atividade econômica exercida por aquela empresa, sendo por isso vedada a terceirização.
Neste sentido, importante destacar o seguinte excerto desta decisão, prolatada nos autos de número TST-RR-111600-25.2007.5.03.0114:
“Esta Corte tem entendido que o art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 - Lei Geral das Telecomunicações -, ao autorizar a contratação de terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço não se refere à atividade fim da empresa, mas apenas autoriza a terceirização das atividades meio. Ademais, considerando que o serviço de telecomunicações, consoante o art. 60, § 1º, da supracitada lei, é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações por intermédio de transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, as atividades desempenhadas pelo Reclamante - instalação e manutenção de linha telefônica - estão inseridas nas atividades essenciais da empresa, o que impossibilita a terceirização desses serviços”. (Destacou-se)
Aliás, cite-se também a ementa de tal julgado: “RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. SERVIÇOS DE TELEFONIA. INSTALAÇÃO E MANUTENÇÃO DE LINHAS TELEFÔNICAS. ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A TOMADORA. A contratação de empregado por empresa interposta para prestar serviços ligados à atividade fim da empresa, no caso, instalação e manutenção de linhas telefônicas, configura terceirização ilícita, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego diretamente com a tomadora dos serviços - Telemar. Decisão em consonância com a Súmula 331, I, do TST. Recurso de Revista não conhecido”. (Destacou-se)
Ressalto que tal entendimento se deu em julgamento ocorrido no dia 19 de outubro de 2011, em decisão publicada no dia 21 do mesmo mês. Foi portanto posterior à audiência pública sobre terceirização no TST, que se deu nos dias 4 e 5 de outubro deste ano.
b) Julgado da 7ª. Turma, em caso de terceirização de atividade-fim da Telemar Norte Leste
No último dia 11 de outubro, a 7ª. Turma do TST, em acórdão relatado pela Ministra Delaíde Miranda Arantes, manifestou-se do seguinte modo: “No que concerne à responsabilidade subsidiária o Tribunal Regional, com base na prova dos autos, consignou que a responsabilidade da reclamada decorria da sua culpa na escolha da prestadora de serviços, que não cumpriu suas obrigações trabalhistas, e sua omissão na fiscalização quanto ao adimplemento dessas obrigações. Ademais, não há de se falar em contrariedade à Orientação Jurisprudencial 191 do TST, pois não se trata da hipótese de dono da obra, mas, sim, de terceirização de serviços ligados à atividade-fim da reclamada.” (TST-AIRR-6740-72.2004.5.05.0194 - Agravante TELEMAR NORTE LESTE S.A.)
c) Julgado da 8ª. Turma, tratando de terceirização na Brasil Telecom
No último dia 11 de outubro, a 8ª. Turma, por unanimidade, em acórdão de lavra da Ministra Dora Maria da Costa, aplicou a Súmula 331, IV, que trata da responsabilidade subsidiária:
“ A recorrente insiste na tese da configuração de contrato de empreitada, sustentando, dessa forma, a inaplicabilidade da Súmula nº 331, inciso IV, do TST. Alega que o reclamante jamais trabalhou na atividade-fim da empresa, que pertence ao ramo das telecomunicações, e que não se trata de terceirização de mão de obra, mas da contratação de uma empresa especializada para a realização de uma atividade específica. Invoca a previsão dos arts. 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97, 188 do CCB e 175 da CF e aponta violação dos arts. 5º, II, da CF e 455 da CLT. Transcreve jurisprudência a confronto. Constata-se que o Regional manteve a condenação subsidiária da segunda reclamada por entender que ela era a beneficiária direta dos serviços prestados pelo reclamante. Tal premissa, insuscetível de reexame nesta instância extraordinária, a teor da Súmula nº 126 do TST, amolda-se à diretriz da Súmula nº 331, IV, do TST (com redação alterada pela Resolução nº 174, de 24/5/2011), que dispõe, in verbis: -IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.- Assim, estando a decisão em consonância com a Súmula nº 331, IV, do TST, descabe cogitar de violações, contrariedades ou divergência jurisprudencial, a teor do art. 896, §§ 4º e 5º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST.” (TST-AIRR-10100-32.2010.5.04.0000).
3. TST reafirma sua jurisprudência acerca das terceirizações
Cabe ao movimento sindical esclarecer a sociedade e a comunidade jurídica de que, ao contrário do que consta nas referidas reportagens, não houve até o momento uma modificação de entendimento pelo TST, no que tange à terceirização.
Reportagens em jornais de grande circulação, ainda que contenham equívocos, possuem frequentemente o condão de induzir em erro os operadores jurídicos, que seriam levados a crer que teria havido tal mudança de entendimento pelo TST.
Para isso, a fim de evitar que tais profecias, ainda que equivocadas, tenham o dom de se auto-concretizarem (prática utilizada na comunicação política pelos chamados spin doctors), divulgamos a seguir outros julgados do TST, realizados após a audiência pública, mantendo a posição do Tribunal acerca da terceirização.
a) Reiteração da Súmula 331 - decisão da 3ª. Turma do TST
Nos autos TST-RR-403-88.2010.5.03.0040, julgou-se recurso em face de decisão do TRT da 3ª. Região, de Minas Gerais, que havia adotado a seguinte conclusão: “... utilizar a terceirização de mão de obra para o único fim de reduzir custos é desrespeitar os princípios constitucionais fundamentais da pessoa humana, sobremodo os princípios de tutela do direito do trabalho. Não se pode esquecer, ademais, que o princípio básico da nossa ordem econômica é a valorização do trabalho humano, o que também ocorre com a nossa ordem social (arts. 170 e 193 da CR/88).”
O E. TST, por meio da 3ª. Turma, em julgado do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, decidiu no último dia 11 de outubro do seguinte modo:
“O Tribunal Regional concluiu, com esteio nos elementos probatórios dos autos, pela existência de vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços, consignando que o Reclamante executava a atividade laboral com pessoalidade e subordinação direta à Recorrente. Ressaltou, ainda, que não restaram verificadas as hipóteses ensejadoras da contratação temporária. Inafastável, portanto, a aplicação da Súmula 331, I, do TST: -A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n° 6.019, de 3.1.1974).- Estando a v. decisão recorrida em sintonia com Súmula do TST, o conhecimento do recurso de revista encontra óbice no artigo 896, § 4º, da CLT e na Súmula 333/TST, não havendo que se falar em divergência jurisprudencial.”
b) Terceirização praticada por instituição financeira – acórdão da 4ª. Turma
A 4ª. Turma do TST, no último dia 11 de outubro, em acórdão de lavra do Ministro Fernando Eizo Ono, decidiu do seguinte modo:
“1. O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo Reclamante e manteve a sentença, na qual se rejeitou o pedido de enquadramento na categoria dos financiários e, consequentemente, o pagamento da 7ª e da 8ª horas como extras. Entendeu que o objeto social do segundo Reclamado (BGN Mercantil e Serviços Ltda.) não se amolda às atividades próprias de instituições financeiras descritas no art. 17 da Lei nº 4.595/64. Todavia, registrou que ele executa serviços de atendimento e formalização de contratos de financiamento em nome do primeiro Reclamado (Banco BGN S.A.). 2. Extrai-se da referência feita pela Corte de origem que as atividades desenvolvidas pelo segundo Reclamado (BGN Mercantil e Serviços Ltda.) identificam-se ao disposto no art. 17 da Lei nº 4.595/64, que prevê a intermediação de recursos financeiros próprios ou de terceiros como atividade típica de instituição financeira. Nesse contexto, reconhecida a condição de instituição financeira do segundo Reclamado (BGN Mercantil e Serviços Ltda.), impõe-se o enquadramento do Reclamante na categoria dos financiários e, consequentemente, a observância da jornada de 6 horas prevista no art. 224 da CLT, conforme o entendimento preconizado na Súmula nº 55 desta Corte. Recurso de revista a que se dá provimento. (TST-RR-12100-10.2007.5.03.0106).
c) Aplicação da responsabilidade solidária pela 1ª. Turma
Vejamos a seguinte decisão da 1ª. Turma, por unanimidade, em julgamento ocorrido no último dia 11 de outubro, de lavra do Ministro Vieira de Mello Filho, no qual se aplicou a responsabilidade solidária, ao invés da subsidiária, em caso de culpa das empresas envolvidas no contrato de terceirização, tendo ocorrido acidente de trabalho. Tais circunstâncias justificaram a aplicação de posicionamento ainda mais avançado do que o já contido na Súmula 331:
“A exegese dos arts. 927, caput, e 942 do Código Civil autoriza a conclusão de que, demonstrada a culpa das empresas envolvidas no contrato de terceirização de serviços, estas devem responder solidariamente pela reparação civil dos danos sofridos pelo trabalhador em decorrência de acidente de trabalho. Não há dúvidas de que a empresa tomadora de serviços, no caso de terceirização, tem o dever de cautela, seja na eleição da empresa prestadora de serviços, seja na fiscalização de suas atividades, eis que elege e celebra contrato com terceiro que intermedia, em seu proveito, a mão de obra necessária ao desenvolvimento de suas atividades econômicas. No caso concreto, a recorrente era tomadora de serviços do reclamante, que lhe prestava serviços mediante empresa interposta (a primeira-reclamada), nas suas dependências, quando sofreu acidente de trabalho. Porque configurada a culpa de ambas as reclamadas pelo dano suportado pelo reclamante, já que foi constatada pelo Tribunal Regional a negligência na manutenção de um ambiente de trabalho seguro e no fornecimento de equipamentos de proteção individual, emerge a coparticipação das reclamadas no infortúnio que vitimou o trabalhador, a autorizar a responsabilização solidária da segunda-reclamada. Precedentes.” (TST-RR-369600-06.2005.5.15.0135)
d) Terceirização de atividade-fim por instituição financeira
No último dia 11 de outubro, a 8ª. Turma, por unanimidade, em acórdão de lavra do Desembargador Convocado Sebastião Geraldo de Oliveira, decidiu do seguinte modo, em processo que se discutia a terceirização de atividade-fim de instituição financeira:
“ Mantenho a decisão agravada por seus próprios e jurídicos fundamentos, in verbis: -VÍNCULO EMPREGATÍCIO O reconhecimento do vínculo empregatício está fundamentado na existência de fraude na intermediação de mão-de-obra. Incidência das Súmulas 126 e 331, I, ambas do C. TST. (...)
Acresça-se, ainda, que o TRT decidiu em perfeita sintonia com a jurisprudência notória, iterativa e atual do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciada na Súmula nº 331, I, do TST, haja vista ter consignado que -...os serviços executados pelo reclamante estavam diretamente ligados à atividade-fim da primeira reclamada, ora recorrente - instituição de crédito financeiro e investimento, pois que o reclamante angariava clientes para realizar empréstimos na reclamada.- (fl. 1264). Desse modo, o acolhimento das razões da parte e a consequente reforma da decisão regional demandaria o reexame de fatos e provas, ato defeso nesta fase recursal, por aplicação da Súmula n.º 126 do TST.” (TST-AIRR-6500-58.2007.5.15.0143).
4. Discurso do Ministro João Oreste Dalazen na abertura da audiência pública
Convém lembrar algumas das corajosas palavras do Presidente do TST, Ministro João Oreste Dalazen, proferidas na abertura da audiência pública acerca da terceirização (disponíveis em http://www.tst.jus.br/ASCS/ arquivos/audiencia_publica_dalazen.pdf). Tal manifestação consiste em contundente e qualificada análise dos sérios problemas que a terceirização pode trazer aos trabalhadores e aos sindicatos:
“Não se pode negar que o fatiamento das atividades empresariais quebra o vínculo de solidariedade que nasce com a própria conceituação de categoria profissional. Outrora, a reunião de todos os operários no mesmo ambiente da fábrica enriquecida a troca de ideias e possibilitava a mobilização e a resistência em face ao mesmo empregador. Sob o novo modelo, ainda que se reúnam num mesmo ambiente físico, o que se torna cada vez mais raro, os trabalhadores não terão um empregador comum contra o qual se mobilizar. Uns trabalham para o tomador, outros, para o prestador.
Daí que a terceirização tende a enfraquecer os sindicatos e a empobrecer os trabalhadores, pois mínguam as categorias, sem representação ativa, legítima e forte.
Comumente se vê um mesmo grupo de trabalhadores, sob unívoco comando e trabalhando em prol do mesmo empreendimento, cada qual com diferentes direitos oriundos de distintas convenções coletivas a que estão submetidos: piso salarial diverso, adicionais de horas extras diferentes, garantia ou falta de garantia no emprego, cesta básica, auxílio alimentação etc.
Ora, que melhoria de sua condição social podem alcançar categorias enfraquecidas?”
5. Prejuízos aos trabalhadores e à sociedade em decorrência da terceirização.
Saio brevemente do tema principal deste artigo (análise da jurisprudência do TST acerca da terceirização após a audiência pública) para apresentar brevemente algumas opiniões pessoais acerca dos efeitos da terceirização.
Considero que a terceirização desenfreada e ilegal traz inúmeros prejuízos não somente aos trabalhadores e aos sindicatos, mas também a toda sociedade. Elenco a seguir algumas:
- a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, gerando, segundo o TST, “o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores” (E-RR-586.341/1999.4); apesar de tal julgado ter sido proferido em processo discutindo a terceirização no setor elétrico, creio que tal argumento também pode ser aplicado é aplicável às demais categorias;
- impactos negativos na receita da Previdência Social e do FGTS, tendo em vista que os salários médios dos trabalhadores terceirizados e quarteirizados (ou até mesmo “quinteirizados” e “sexteirizados”, como já foi constatado no setor petroleiro) são menores que os trabalhadores com contrato de trabalho por prazo indeterminado. Assim, o trabalho terceirizado reduz o volume de remuneração dos trabalhadores, e substitui a modalidade contratual típica, transformando o emprego em subemprego, diminuindo o poder aquisitivo dos empregados e a arrecadação da Previdência Social, bem como os montantes depositados no FGTS (usados primordialmente para saneamento básico e habitação);
- precarização do trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de trabalho” pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados”. Vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90, que implementaram reformas em sua legislação trabalhista, com ênfase na terceirização e no trabalho temporário. Tais países instituíram em seus ordenamentos jurídicos diversas formas de precarização das condições de trabalho e redução dos seus custos; seus resultados foram um incremento radical da rotatividade de mão de obra e uma substituição da modalidade contratual de tempo indeterminado pela temporária e precarizada. Tais mudanças implementadas não serviram para gerar empregos. Enquanto o desemprego continuou aumentando, cresceu também a desqualificação da mão-de-obra, com prejuízos à produtividade, à arrecadação de impostos e a toda sociedade. Ou seja, persistiram as altas taxas de desemprego, mesmo às custas da redução de direitos trabalhistas;
- aumento do número de acidentes do trabalho (sendo muitos fatais) envolvendo trabalhadores terceirizados, como diversos especialistas e sindicalistas demonstraram durante a referida audiência pública;
- prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de telefonia, serviços bancários, energia, água e saneamento (conforme devidamente atestado por diversos painelistas durante a audiência pública);
- criação de empresas de prestação de serviços de fachada, com posterior falência, ou mero desaparecimento do dia para a noite, deixando desamparados seus trabalhadores, e causando prejuízos a toda sociedade, em decorrência do inadimplemento de contribuições ao INSS e ao FGTS;
- existência de diferenciação ilegal entre aquele empregado por tempo indeterminado, e aquele “terceirizado”: salários mais baixos, jornadas mais longas, e precarização das demais condições de trabalho;
- prejuízos sociais da terceirização e quarteirização indiscriminada. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a presença de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda sociedade, corroendo as relações sociais e degradando o trabalho: “Com as novas regras da livre concorrência, a insegurança da vida sentimental se estendeu à vida profissional. Qualquer parceria se tornou precária. A presença do outro não mais suscita apelo à colaboração, mas sim desejo de instrumentalização. Tornamo-nos uma multidão anônima, sem rosto, raízes ou futuro comum. E, se tido é provisório, se tudo foi despojado da dignidade que nos fazia queres agir corretamente, quem ou o que pode apreciar o "caráter moral" de quem quer que seja? Na cultura da "flexibilidade", como reza o jargão neoliberal, ou fingimos acreditar em valores que não mais existem ou acreditamos, verdadeiramente, em miragens - e a alienação é ainda maior. Isolados do público, pela paixão dos interesses privados, e dos mais próximos afetivamente, pela degradação do trabalho e pela volubilidade sentimental, erramos em direção ao nada ou a qualquer coisa.” (COSTA, Jurandir Freire. Descaminhos do caráter. Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 1999. Caderno Mais!, p. 3);
- a própria dignidade do trabalhador terceirizado ou quarteirizado acaba por ser violada, em um contexto social tão degradado, desgastando o tecido social e impedindo a construção de uma sociedade mais justa e democrática: “Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
6. Conclusões
6.1. Consequências da audiência pública
Por óbvio, os ricos debates ocorridos na audiência pública terão futuramente repercussões na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Não seria razoável considerar que um evento de tal magnitude não surtiria resultados.
No entanto, não se verifica, nos julgados proferidos pelo TST desde o último dia 5 de outubro, qualquer tendência em permitir o aumento do escopo da terceirização, ao contrário do que consta nas reportagens supracitadas.
Pelo contrário: diversas decisões recentes reiteram a posição do TST de aceitar a terceirização em hipóteses restritas, que não impliquem na delegação da atividade-fim de uma empresa a outra empresa interposta, e privilegiando a proteção do trabalhador em lugar da maximização dos lucros do empregador a qualquer custo.
E uma leitura atenta do belo discurso do Presidente do TST permite até mesmo especular que, quando modificações ocorrerem, estas podem muito bem se dar no sentido de fortalecer a proteção dos trabalhadores e restringir o uso abusivo das terceirizações, e não para aumentar seu escopo.
6.2. Importância do combate às terceirizações ilegais
Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitória e descartável. A luta contra a terceirização deve também lembrar à sociedade:
a) os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana e do trabalho, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal;
b) a necessidade de proteger a coisa pública e os interesses coletivos;
c) a importância de garantir a qualidade dos serviços e produtos essenciais ao bem-estar da população.