"Projeto que regulamenta a terceirização e implantam o Simples Trabalhista foram duramente criticados em audiência pública realizada na CDH do Senado
O senador Paulo Paim presidiu na manhã desta quinta-feira a terceira audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa esta semana, desta vez para discutir a precarização do trabalho no Brasil, enfocando projetos sobre regulamentação da terceirização de mão de obra, a implementação do Simples Trabalhista e a reforma da CLT.
Os projetos em questão são o PL 4330/2004, de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB/GO) e o PL 951/2001, conhecido como Simples Trabalhista. A opinião geral dos convidados – sindicalistas, juízes, advogados, procuradores – é de que os projetos são muito ruins para os trabalhadores e sinônimos de precarização de direitos.
O Sinait acompanha a tramitação destes e de dezenas de outros projetos e nesta audiência foi representado pelo diretor Marco Aurélio Gonsalves.
Carlos Eduardo Azevedo Lima, da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, ressaltou que o PL 4330 é, dos três em discussão, o mais avançado, e traz uma perspectiva de precarização cada vez maior. Segundo ele são mais de 10 milhões de trabalhadores terceirizados no país, que trabalham mais, ganham menos, são mais sujeitos a rotatividade e acidentes de trabalho. Em cada dez acidentes, oito acontecem com trabalhadores terceirizados, e em 80% dos casos, eles são fatais. O PL abre possibilidade de terceirizar atividades finalísticas e para a recontratação indefinidamente, o que, na opinião do Produrador, precariza os direitos e a qualidade dos serviços prestados. Abre também brechas para as quarteirizações, que já acontecem, há muito tempo, por exemplo, na cadeia produtiva do setor têxtil de São Paulo, no qual muitos casos de trabalho análogo à escravidão são constatados por Auditores-Fiscais do Trabalho.
Para Lima, é preciso prever a responsabilização solidária do tomador de serviços e não apenas a responsabilidade subsidiária, como propõe o PL 4330, para aumentar a vigilância da empresa tomadora sobre o cumprimento dos direitos trabalhistas do empregado e melhorar as condições de trabalho. Também é preciso prever o tratamento isonômico entre os trabalhadores dentro de uma mesma empresa, pois já há entendimento jurídico consolidado contra a diferenciação entre trabalhadores. A liberdade e a organização sindicais também devem ser garantidas.
Quanto ao Simples trabalhista, a opinião de Carlos Eduardo é de que cria trabalhadores de segunda e terceira categorias. Trabalhadores de pequenas e micro empresas terão menos direitos como a redução da alíquota do FGTS para 2% e a divisão do pagamento do 13º em até seis parcelas, manutenção da jornada de trabalho normal durante o aviso prévio, dispensa de assessoria jurídica ou sindical na hora da rescisão do contrato de trabalho e fracionamento das férias em três períodos.
O Código do Trabalho, para o Procurador, deve continuar adormecido, mas manter a vigilância é importante. O PL revoga 36 diplomas legais e mais de 400 artigos da CLT, sempre usando o discurso de que criará mais empregos. Não foi discutido com a sociedade, com os trabalhadores nem com os Auditores-Fiscais do Trabalho, observou Lima.
Governo “deixa a banda tocar”
Para Germano Siqueira,Diretor Legislativo da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – Anamatra, o trabalho precário e projetos precarizantes só existem porque há condicionantes políticos para que isso. “O Estado assistencial para os ricos voltou aos salões”, disse, citando o filósofo Zygmunt Bauman, o que significa que o “Estado do bem-estar social” não é mais para os trabalhadores, mas para uma elite. “É uma modesta advertência, porque trabalho precário não é nada além de uma decorrência de postura política e não há disposição de luta do atual governo contra esses projetos precarizantes. O governo está ‘deixando a banda tocar”, afirmou.
Para exemplificar a lógica perversa da terceirização pratica comumente no país, ele citou o caso de um trabalhador terceirizado no setor elétrico desde 2004 que prestou um concurso público para preencher a vaga que ele ocupa como terceirizado. Ele fez a prova e passou. Mas a companhia nunca o chamou, alegando não ter vaga. Mas ele continua trabalhando como terceiro na vaga e agora reclama na Justiça o direito de ser convocado para ocupar a vaga definitivamente. Este exemplo indica que deve haver um custo interessante para a empresa manter o trabalhador nessas condições, porque, do contrário, não há qualquer racionalidade no processo. O alegado critério da especialização, para o juiz, é falso e há outros indicativos de fraudes, inclusive no PL 4330, quando permite a recontratação continuada. Ele disse também que não faz sentido não responsabilizar o setor público pelas irregularidades praticadas como determina a Justiça hoje.
O Simples Trabalhista foi classificado por Germano Siqueira como um apartheid social, sob o qual há trabalhadores com direito a toda proteção e outro grupo sem direito algum. “É um sistema injusto e inconstitucional. Na mesma empresa um trabalhador pode ter direito a piso salarial e outro trabalhador não tem, fazendo a mesma coisa, violando o princípio da isonomia constitucional e legal. Que política de administração de empresas considera razoável esse tipo de projeto? É impróprio”, concluiu.
Discriminação
Para Maria das Graças Costa, diretora de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores – CUT, o PL 4330 é uma discriminação contundente entre trabalhadores permanentes e terceirizados, que têm, em média, remuneração 27% menor e, o mais grave é o número de mortes e adoecimentos. 46% não contribuem para a Previdência Social, o que configura uma sonegação e prejuízo futuro para a aposentadoria. Isso, para a sindicalista, é uma imoralidade e redução fraudulenta dos custos.
“Aprovar o Simples Trabalhista é rasgar a Constituição”, disse Maria das Graças, num momento em que a discussão sobre o trabalho decente se aprofunda no país.
Aproveitando a presença de representantes de várias categorias de servidores públicos no plenário, a diretora da CUT disse que a entidade quer a revogação do Decreto 7777/2012, que autoriza a substituição de servidores em greve, e pede à presidente Dilma Rousseff que negocie com os setores que estão em campanha.
Falta de consenso
O representante da Central dos Trabalhadores Brasileiros – CTB, Joilso,n Barbosa, lembrou que não há consenso sobre os temas discutidos entre as centrais sindicais. O único consenso é que todas são contra a precarização. Ele contestou o conceito de empresa tomadora e empresa prestadora de serviço e afirmou que não é razoável aceitar a terceirização na atividade fim.
A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, em sua opinião, é um “barbante” que sustenta toneladas e pode cair a qualquer instante, derrubando as tênues garantias que ainda existem quanto aos direitos dos trabalhadores terceirizados.
Retrocesso
Os projetos em discussão, segundo a economista e Pesquisadora do Centro de Estudos sobre Sindicalismo e Relações do Trabalho da Unicamp, Marilane Oliveira Teixeira, são entulhos da década de 1990, depois de várias avanços. Ou seja, é um retrocesso, pois já está provado que os dispositivos criados com a alegação de que gerariam empregos não surtiram este efeito. Ela se referia ao Banco de Horas e a diferentes tipos de contratos de trabalho criados. Terceirização, na opinião dela, só precariza e reduz custos para os empresários. Todas as pesquisas – CNI, por exemplo, mostram que a motivação é apenas redução de custos. É um mito que precisa ser derrubado.
Marilane ressaltou que há grandes diferenças entre trabalhadores permanentes e terceirizados, nas condições de trabalho, nas estatísticas de acidentes, nos salários, nas gratificações, nas instalações para refeições, nos treinamento, nas relações de pertencimento no local de trabalho, na organização sindical, etc. Especialização, atividade fim e atividade meio, para ela, são conceitos que devem ser abandonados. O importante é o ambiente de trabalho, que dá identidade ao trabalhador.
O PL 4330 ou o substitutivo aprovado, segundo ela, legalizam e universalizam práticas de terceirização. “O que existe hoje pelo menos resguarda a atividade fim e é instrumento para que o trabalhador possa recorrer quando se sente lesado. O PL tem contradições internas, na formulação. O PL do Ministério do Trabalho e Emprego deve ser recuperado porque é o que melhor regulamenta a terceirização protegendo o trabalhador”, disse a pesquisadora da Unicamp.
Fraudes
A visão do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Diap foi apresentada por Hélio Stefani Gherardi, assessor da entidade. Segundo ele, o Diap está preocupado com as pretensões do setor econômico, que não são de hoje e estão mais aprimoradas. Princípios constitucionais estão sendo violados no PL que regulamenta a terceirização de mão de obra. Os exemplos concretos do mercado de trabalho mostram o quanto a realidade é perversa. No setor elétrico, por exemplo, terceirizados são “passados” de empresa para empresa, pois a tomadora muda as contratadas para reduzir custos, mas apresenta a lista dos trabalhadores que ela quer que continuem trabalhando.
O Diap considera o Simples Trabalhista um projeto tendencioso que objetiva clara e cristalinamente a fraude legal e que considera indispensável negociação direta entre empregado e empregador. “O trabalhador não consegue nada. Em categorias bem organizadas, como metalúrgicos, isso pode dar certo. Mas na maioria das pequenas empresas não há condição de sucesso”.
Aluguel de pessoas
A Associação Latinoamericana de Advogados Laboralistas – Alal, representada por Maximiliano Garcez, comunga com as críticas feitas ao PL da terceirização. O contexto atual, de acordo com ele, é uma guerra contra os sindicatos dos setores privados e públicos, que tem conseguido apoio da mídia a este tipo de ataque. Os projetos em discussão tentam criminalizar os movimentos populares e sindicais e isso é um movimento internacional, uma tendência mundial.
Para desmitificar o conceito da especialização que justifica a terceirização, apenas 2% dos casos se encaixam nesta alegação. “Nos demais, é apenas “aluguel de pessoas”. O PL é, na verdade, uma ampla reforma trabalhista – a empresa não vai mais precisar ter empregados – terceiriza, quarteiriza. Vai pulverizar sindicatos e enfraquecer trabalhadores. É uma porta aberta para o assédio moral, trabalho escravo e infantil, para a burla ao concurso público, amedronta, favorece o nepotismo. Muitos casos de acidentes de trabalho deveriam ser tratados como crime, são assassinatos e as maiores vítimas são os trabalhadores terceirizados”, acusou."
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