''Dezembro de 2011. O estopim iniciou com a morte de um companheiro de trabalho, numa cena que recorda o filme espanhol Segunda-Feira ao Sol. O velório estava marcado para as 16 horas e os operários da Vale Fertilizantes foram liberados da unidade da antiga estatal Ultrafértil, localizada em Araucária – na Grande Curitiba. Pouco depois, porém, a chefia já telefonava aos trabalhadores e exigia a volta à fábrica, o que causou indignação. Essa situação foi mais um sinal da relação tensa que os 450 operários da unidade vivem hoje junto à Vale, que controla a unidade em Araucária há dois anos. Na atual campanha salarial, um operário foi demitido, o que se soma à intimidação nos locais de trabalho e a práticas antissindicais.
Desrespeito com os direitos trabalhistas: aí está uma face da megaempresa Vale até então pouco conhecida, em meio a enxurradas de denúncias de crimes ambientais, infrações contra comunidades originárias no Norte e Nordeste do país; poluição dos recursos naturais, etc. Uma lista extensa, que coloca a Vale como uma das transnacionais indicadas ao prêmio Public Eye Award de pior empresa mundial (veja abaixo), isso em pleno período de um projeto ambicioso de duplicação da Estrada de Ferro Carajás, que corta 25 municípios do Maranhão e Pará ao longo de 892 quilômetros.
De volta ao tema trabalhista, a Vale Fertilizantes, no Paraná, é uma das duas unidades de nitrogenados compradas pela megacorporação, onde fica nítido o endurecimento em época de campanha salarial contra o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas do Estado do Paraná (Sindiquímica-PR) e os trabalhadores no chão da fábrica.
O clima de campanha salarial ganha um caráter tenso, a negociação ainda não foi fechada. De acordo com o sindicato, a proposta da empresa prevê a retirada de cláusulas históricas e modificações no plano de saúde, e foi rejeitada em assembleia. A história é conhecida: o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) de 2010 só foi fechado em março de 2011, por meio de abaixo-assinado dos trabalhadores, coagidos pela empresa. Já na sua segunda campanha salarial, os embates prosseguem. No dia 28 de novembro de 2011, o diretor do sindicato, Paulo Roberto Fier, teve a sua entrada barrada na unidade de produção. Não que antes houvesse livre trânsito para os sindicalistas na unidade da Vale Fertilizantes, antiga empresa estatal. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), solicitado junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), junto ao Ministério Público, garantia ao menos a visita uma vez por semana no interior da empresa.
Outras denúncias foram levantadas, inclusive pelo jornal Gazeta do Povo (edição de 12 de janeiro). Entre vários tópicos, temos os seguintes casos narrados pelo sindicato: coação e intimidação dos trabalhadores a ficarem 16 horas no trabalho; demissão de um caldeireiro e advertências a outros três; suspensão das licenças e trocas para uma parte dos trabalhadores; discriminação dos diretores sindicais nos processos de promoção. A tática da Vale, no país, aponta para o desgaste das direções sindicais, mobilizando a categoria contra o sindicato. A não-negociação com o sindicalistas é vista sob essa ótica pelo Sindiquímica-PR. Procurada pela reportagem do Brasil de Fato, que enviou cinco questões à empresa, a Vale Fertilizantes somente encaminhou a nota pública feita sobre o caso, afirmando que houve três reuniões com o sindicato e há ganhos na atual campanha, como cartão alimentação e auxílio-creche. A empresa não mencionou se haverá novas rodadas de negociação com o sindicato do Paraná. Em nota, o sindicato afirma ter convocado reunião na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE-PR), para prosseguir nas negociações, porém “a empresa manteve a mesma proposta e impôs o prazo do dia 19 de dezembro para que fosse aceita. Caso contrário passaria a aplicar a CLT”, diz o Sindiquímica, em nota.
Mão de obra qualificada
A direção do Sindiquímica justifica que a quantidade de horas-extras na empresa devia ser de duas horas no máximo, em respeito à Constituição. Mas o assédio é contínuo para uma jornada de trabalho extensa, que alcança até 16 horas. Um assédio velado, sob o rosto aparente da supervisão. “Há uma mudança nas chefias, que recebem treinamento para serem mais agressivas, com outra política, de intimidação”, afirmam os sindicalistas ao comparar a gestão exercida pela transnacional estadunidense Bunge e o atual controle acionário da Vale Fertilizantes.
Gerson Castellano, da direção do sindicato, afirma que a empresa abdica dos investimentos em Segurança do Trabalho e mecanismos como o Serviço Próprio de Inspeção de Equipamentos (SPIE). Hoje, na voz do sindicato, a empresa já não incentiva os funcionários a tomar parte na Brigada de Emergência para agir em caso de acidentes. “Havia o incentivo da empresa. Todos saíram da brigada, hoje formada por um corpo de funcionários inexperientes”, denuncia. Foi preciso, nesse sentido, que a Câmara Municipal de Araucária interviesse no caso.
No interior de um ramo de produção marcado pelo risco à saúde do trabalhador, e também ao povo no geral, é necessário cerca de cinco anos para a formação de um operário capacitado, explicam os sindicalistas. Hoje, há o risco latente para toda a cidade de Araucária. Não é força de expressão, uma vez que estão concentradas 10 mil toneladas de amônia no interior da unidade. De acordo com Paulo Roberto Fier, “a pressão a que é submetido um funcionário, nas condições de pressão, gás e temperatura, na fábrica, não se compara sequer a um trabalhador petroleiro”, constata. Houve um trabalhador gravemente acidentado em 2011, com sequelas, e a direção do sindicato denuncia a falta de uma política de segurança devido à demanda de cumprir o baixo orçamento. “A empresa tinha política de prevenção e manutenção para prevenir, e hoje deixa a situação ir até o limite”, explica Fier. “A empresa optou por não ter um quadro adequado. Estamos operando com o quadro mínimo, muitos trabalhadores estão afastados, no setor administrativo. Há uma comunidade a 300 metros da empresa”, acrescenta Castellano.
Propostas
Esse método de negociação da Vale, que ocorre na unidade de produção de nitrogenados, aponta a divisão do setor de produção do Brasil, entre Petrobras e Vale. Às denúncias feitas de monopólio, em 2008, quando a Bunge dominava o setor de fertilizantes, o governo respondeu empurrando a Vale para a empreitada. A Petrobrás, por sua vez, passou a controlar a produção de nitrogenados – à exceção da unidade de Araucária, uma das primeiras tentativas da Vale nesse segmento. Na avaliação do sindicato, a unidade em Araucária devia estar sob controle da Petrobras e não da Vale, devido a essa característica de produção diferenciada entre as empresas, uma vez que a Vale detém a concessão de minas de extração de potássio, ramo no qual detém maior experiência na produção. A produção de nitrogenados é algo novo para a transnacional, apontam os sindicalistas. No ramo de ureia e nitrogenados, por sua vez, investe em projetos no Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. A Vale, por sua vez, explora as minas de fosfato e potássio que antes eram concedidas à Bunge. “Falta definições mais claras do interesse do governo nessa área, que é o nitrogenado, porque, no caso da Vale, o acúmulo dela é a mineração apenas. Isso dificulta o Acordo Coletivo, porque a Vale quer impor um padrão usado na mineração”, afirmam
os sindicalistas.
A comparação é inevitável para os sindicalistas entre o período quando a empresa era estatal, e possuía uma preocupação maior com os equipamentos. Hoje o lucro é o único mote da empresa. Fica a pergunta se a operação até aqui de quebra do monopólio da Bunge pelo governo valeu a pena. E para onde se deve agora caminhar. A demanda continua sendo o retorno a uma configuração estatal.“O ponto positivo foi o governo usar a Vale para quebrar o monopólio da produção de fertilizantes na questão do potássio, a Bunge estava sentada em cima. Então, na mineração, a Vale abraçou a questão do potássio e está ampliando, ampliou a oferta, numa área em que o Brasil é dependente. Mas na questão dos nitrogenados, a Vale traz consigo a precarização dos trabalhadores. A sociedade perde pela repressão no local do trabalho”, afirma Paulo Roberto Fier.
A proposta é que a Petrobras assuma o campo dos nitrogenados, operação que foi sinalizada, em 2011, em notas publicadas pela Vale e pela Petrobras. Como moeda de troca, para entregar a unidade de Araucária, a Vale quer ampliar o direito de exploração sobre mina de canalita, no Sergipe, cuja concessão é da BR, que a “empresta” à Vale. Entretanto,não há uma definição até o momento. “Era importante a Petrobras tivesse a produção desse catalisador de forma a manter o equilibrio do preço no mercado. Já que é uma meta do governo a redução de CO, é preciso uma política de Estado, que o governo tivesse o domínio da produção do catalisador, o que seria seguir o Proncove 7, de redução de CO dos caminhões.”, aponta Fier.
Denúncias contra a transnacional brasileira
• Na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), empreendimento da Vale e da ThyssenKrupp, causa impactos negativos para as cerca de 8 mil famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias residentes em Santa Cruz. Em março de 2008, a TKCSA sofreu embargo pelo Ibama/RJ e foi multada em R$200 mil por ter suprimido áreas de manguezais sem autorização;
• Também foram registrados em um ano 2.860 acidentes ao longo da ferrovia Estrada de Ferro Carajás, segundo a Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT).
• Em abril de 2011, a Justiça Federal condenou a Vale a pagar mensalmente valores fixados entre um e três salários mínimos a 788 famílias quilombolas que residem na localidade de Jambuaçu, situada no município de Moju, a 82 quilômetros de Belém (Pará). Por esse local, passa um mineroduto de 244 quilômetros de extensão da empresa que transporta bauxita de Paragominas, passando por vários municípios até chegar a Barcarena, próximo a Belém, onde funciona a Alumina do Norte do Brasil (Alunorte), subsidiária da Vale.
• Canadá: maior greve da história. A Vale usou a recente crise mundial como justificativa para reduzir salários, aumentar jornadas de trabalho, realizar demissões massivas, e cortar benefícios e outros direitos adquiridos, o que provocou a maior greve da história do Canadá na sua subsidiária Vale-Inco entre os anos de 2009 e 2010: foram 12 meses de greve em Sudbury e Port Colborne, em Ontário, e 18 meses em Voisey’s Bay, na Província de Newfoundland e Labrador, envolvendo mais de 3 mil trabalhadores. (FONTE: Justiça nos Trilhos)''