"Em média cada funcionário do setor de desossa tem de limpar (retirar a pele) de três peitos de frango a cada 45 s
Em torno de 200 trabalhadores da Seara/Marfrig, aproximadamente 10% do seu quadro de funcionários, estão temporariamente incapacitados para o trabalho, “encostados”, recebendo da Previdência Social. No grupo, muitos tiveram sequelas que os incapacitam de vez para qualquer trabalho, que envolva esforço físico por menor que ainda seja uma tarefa doméstica, como lavar uma louça.
Ganhando entre R$ 620 e R$ 860,00, os funcionários perdem a cobertura do plano de saúde da empresa, enfrentam dificuldades para equilibrar o orçamento, comprometido pelas despesas com o tratamento (consultas, exames, medicamentos). A maioria está recorrendo à Justiça para cobrar indenização por danos morais e materiais, além de exigir da empresa o recolhimento do Fundo de Garantia e o direito à Unimed.
Neste ano três trabalhadores da Seara já asseguraram judicialmente aposentaria por invalidez. Um deles, Jorge Alves de Souza, se aposentou com 38 anos, após 15 de empresa, dos quais sete, de licença, recebendo pelo INSS.
Depois de duas cirurgias nos ombros, dores intensas na coluna conseguiram a aposentaria que lhe assegura R$ 873,00, dinheiro insuficiente para cobrir o orçamento doméstico e as despesas com tratamento médico. Dados da agência de Sidrolândia do INSS mostram que nos primeiros oito meses de 2011 foram concedidos 396 auxílios- doença, crescimento de 45% em relação a igual período de 2010,quando foram emitidos 272.
Há pelo menos 44 ações tramitando na Justiça em que trabalhadores cobram desde o restabelecimento do recolhimento do FGTS, suspenso depois de algum tempo de licença, o pagamento da contrapartida patronal do plano de saúde (Unimed), além de indenizações por danos morais ou danos materiais.
Esta autêntica epidemia de doenças profissionais (tendinite, bursite, rompimento dos tendões problemas de coluna, dores nos braços, antebraços e ombros), entre os funcionários da Seara/Marfrig, é consequência, segundo especialistas da longa exposição à baixa temperada (7 horas e 22 minutos ), além do ritmo frenético de trabalho que lhes é imposto.
Em média cada funcionário do setor de desossa tem de limpar (retirar a pele) de três peitos de frango a cada 45 segundos e cortar quatro coxas por minuto. Sônia Aparecida de Freitas, 32 anos, há 12 trabalhando na Seara, sofre com tendinite nos dois ombros adquirida na sala de cortes, detalha a rotina de quem trabalha como balanceira, mesma função que era exercida por Jorge Alves aposentado por invalidez.
“Peso os frangos de dois quilos e coloco nos pacotinhos. Temos também os pacotes de sete quilos e meio. Precisamos encher a bacia e por na balança. Outra pessoa abre o saco e eu coloco as aves dentro. Faz uns cinco anos que a dor vem forte, começa a arder os ombros e a coluna. Então tomo remédio. Às vezes melhora, mas já no outro dia continuamos trabalhando na mesma função e temos de cumprir a meta. Não tem jeito”, desabafa Sônia.
“Pagamos 30% do plano médico da Unimed, mas as dez sessões de fisioterapia vão sair do meu bolso”. As dores nas articulações e nos braços estão impedindo Flávia Marion da Rocha (foto) de 28 anos, 10 de Seara, de fazer os serviços domésticos e segurar no colo seu filho de poucos meses.
“Eu fujo dele para não segurá-lo no colo. Não agüento nem o peso dele sem sentir dor”, informa. Afastada da empresa desde novembro, quando entrou de licença maternidade, Flávia entrou na Justiça para cobrar indenização da empresa. Seu salário de R$ 870,00 é insuficiente para cobrir as despesas domésticas e o tratamento de saúde.
“Pago todo mês R$ 150,00, de Unimed, para não depender do SUS. Só de lotação chego a gastar R$ 140,00 por mês, em duas viagens por semana a Campo Grande, para consultar os médicos e fazer os exames”. Personagem de uma matéria do jornalista da CUT que esteve na cidade, Antônio Martins Santana, que trabalha desde 2004 na empresa, denuncia que foi “abandonado pela Seara”.
“Estou com rompimento nos tendões do braço, tendinite e bursite. Como possuo crédito consignado pego uns R$ 450,00 por mês. O médico me pediu a cirurgia a laser e receitou uma medicação de R$ 200,00 para o braço, além de R$ 29,00 para a coluna, sem contar a fisioterapia que também sai do meu bolso. Fiz o pedido da cirurgia na Unimed da Seara em Campo Grande e eles mandaram para a matriz em Santa Catarina. Não pude fazer a cirurgia, não foi liberada”, denunciou.
“O médico me falou que vou morrer com esse problema. Tenho 39 anos e sempre acordo a noite para colocar pedra de gelo amarrada nos braços para a tendinite e uma bolsa de água quente na coluna e nas costas. A ressonância apurou o rompimento nos tendões dos dois braços e o desgaste da cabeça do osso. Sem a redução da carga horária e do ritmo, o número de mutilados não vai parar de aumentar. É muito puxado, muito penoso, muita gente fica com sequela”, acrescentou.
Outro recordista de licença médica é Claudinei Reginaldo, que há sete anos está ”encostado” pelo INSS, ganhando um salário mínimo, R$ 545,00. Ele sofre com dores no braço, nas articulações, além de hérnia de disco. Sem o apoio da mulher não teria condições financeiras de pagar o tratamento médico, que inclui sessões de fisioterapia.
Ele tenta se aposentar por invalidez, porque praticamente perdeu o movimento de um dos braços, seqüela de um acidente de trabalho que a Seara não reconhece. Há quatro anos e quatro meses afastado da empresa, encostado pelo INSS ganhando R$ 895,00, Valdeci Ferreira de Oliveira, entrou na Justiça contra a empresa e conseguiu (em primeira instância) uma indenização de R$ 30 mil (metade por danos morais e o restante por danos materiais).
A Seara foi “condenada” também a restabelecer o recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e pagar a sua contrapartida da Unimed. A Justiça o livrou de uma armadilha, que segundo os trabalhadores doentes, estão sujeitas ao passarem pelos médicos do trabalho da Seara que tentam descaracterizar suas enfermidades como “doença profissional”, código 31.
A Previdência Social tem dois códigos de doença profissional: o 91, que garante estabilidade, obrigando a empresa a recolher o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ao ser reconhecida como doença ocupacional do trabalho; e o 31, que pode ser qualquer doença, não vinculando a enfermidade à atividade profissional desenvolvida. Fácil entender porque a empresa prefere esta classificação."
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