"O professor Laurence Ball (foto), da Johns Hopkins University, chocou uma plateia formada predominantemente por economistas ortodoxos com um discurso em defesa da flexibilização dos regimes de metas de inflação, em um seminário do Banco Central no Rio há pouco mais de uma semana.
Para ele, países deveriam adotar metas de inflação mais altas, de 4%, em vez do padrão de 2% vigente em várias economias do mundo. Essa seria uma forma de evitar a armadilha que impede que os bancos centrais pratiquem juros reais mais favoráveis para estimular a economia.
Ball também propôs, na palestra de abertura do 15º Seminário Anual de Metas de Inflação do BC, que bancos centrais tenham como meta explícita não só manter a inflação baixa, mas também agir contra o aumento do desemprego, seguindo o modelo de duplo mandato do Federal Reserve.
Ele disse considerar legítimo e importante que banqueiros centrais sejam submetidos à fiscalização e crítica de políticos, que seriam mais sensíveis às reclamações dos cidadãos que sofrem com mazelas econômicas, como o desemprego.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico desta segunda-feira (27), ele explicou como suas propostas poderiam ser adaptadas ao Brasil. "A política econômica deve ser mais sofisticada do que o simples regime ortodoxo de metas de inflação, em que você ajusta os juros com foco apenas numa inflação baixa", afirma.
Ele diz que seria desejável conceder independência legal ao BC, que teria que prestar contas aos políticos. Para ele, numa economia emergente com uma rede de proteção social mais frágil do que a de países desenvolvidos, a preocupação com o desemprego é ainda mais relevante.
A apresentação de Ball provocou comentários reservados de desaprovação, no intervalo do cafezinho, entre economistas presentes no encontro, um fórum sobretudo técnico. Nele, especialistas nacionais e estrangeiros discutem a evolução econômica recente e os novos modelos de projeção do Banco Central.
Para muitos, foi inadequado abrir o seminário com uma leitura que confronta a ortodoxia, quando há dúvidas no mercado financeiro sobre o compromisso do governo em cumprir a meta de inflação. Em anos passados, o BC convidou nomes alinhados à ortodoxia, como o então economista para a América Latina do Fundo Monetário Internacional (FMI), Nicolas Eyzaguirre, e o então presidente do banco central alemão, o Bundesbank, Axel Weber.
Ball é respeitado nos círculos acadêmicos, incluindo diferentes tendências do pensamento econômico. No ano passado, ele participou de um dos mais importantes encontros econômicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Jacques Polak Annual Research Conference.
Valor: Países emergentes, como o Brasil, também deveriam mudar seus regimes de metas de inflação?
Laurence Ball: Diria que sim. A política econômica deve ser mais sofisticada do que o simples regime ortodoxo de metas de inflação, em que você ajusta os juros com foco apenas numa inflação baixa. Talvez isso se aplique mais para economias emergentes do que para os Estados Unidos. Sabíamos muito antes da crise de 2008 que paradas súbitas nos fluxos de capitais podem ser devastadores, então há razões para as autoridades levarem esse fato em consideração. Já adotar uma meta de inflação de 4% em vez de 2% talvez não seja tão relevante para países como o Brasil, que já miram percentuais acima disso.
Valor: Muita gente no Brasil defende uma redução gradual da meta para chegar a 2%, percentual adotado por muitas economias desenvolvidas. Seria uma boa ideia?
Ball: Não, seria uma má ideia. Penso que países que estão em 2% deveriam aumentar a meta. Mas se você está em 4%, baixar a meta não seria uma boa ideia nem no longo prazo.
Valor: Qual seria o melhor percentual para a meta?
Ball: Não sei ao certo. Não está muito claro porque 2% se tornou a norma, nem porque 4% é uma espécie de alternativa. Para mim, uma referência importante é a experiência nos anos 1980. [O então presidente do Federal Reserve, o banco central americano] Paul Volcker estava determinado a domar a inflação, e isso significava baixar a alta de preços para 4%. E a economia parecia funcionar bem com inflação de 4%. Ou seja, até alguém como Paul Volcker, que é muito preocupado com os custos da inflação, pensava que uma inflação de 10% era danosa e que 4% era aceitável. É muito difícil imaginar que voltar para os patamares de inflação de Paul Volcker nos anos 1980 vá minar muito a eficiência da economia.
Valor: O Brasil ainda tem fresca na memória uma experiência negativa com inflação alta. Seria uma boa ideia também ter como meta níveis baixos de desemprego?
Ball: Sim, porque desemprego é muito importante. No Brasil, dado seu histórico, é importante fixar a ideia de que não irá voltar para patamares de inflação de 30% por mês. Mas também é tremendamente importante tentar minimizar desemprego. Desemprego impõe um grande sofrimento às pessoas. Ainda mais considerando que, em países emergentes, a rede de proteção social é menos generosa do que em economias avançadas. Perder o emprego é algo devastador em qualquer situação, mas acho que é ainda mais devastador num país como o Brasil. Às vezes as autoridades deixam de perceber isso, ao focar apenas com o pensamento único na inflação baixa.
Valor: Os Estados Unidos estariam numa situação melhor do que a Europa, por exemplo, ao ter um mandato duplo de inflação e desemprego baixos?
Ball: Da adoção do euro para cá, o desemprego tem sido mais baixo nos Estados Unidos do que na maior parte da Europa. Um fator importante é que o Federal Reserve está adotando uma estratégia mais equilibrada e se empenhando mais, ainda que na minha opinião não esteja trabalhando tão duro quanto deveria, para baixar o desemprego do que a Europa. Frankfurt, onde fica o Banco Central Europeu (BCE), é a Roma da Igreja Católica em termos de preocupação com a inflação. Parte disso é uma estratégia para construir uma credibilidade. O Fed administrado por Alan Greenspan foi bem sucedido em construir uma credibilidade, por isso poucos acham que a inflação vá sair de controle no longo prazo nos Estados Unidos porque os juros baixaram para lidar com uma desaceleração econômica.
Valor: O Sr. defende que os políticos têm legitimidade para fazer pressão sobre os banqueiros centrais. A receita serviria para países com instituições mais fracas, como o Brasil, em que o BC não é formalmente independente?
Ball: Em geral penso que uma boa dose de independência legal é uma coisa boa. O Federal Reserve não está muito distante do sistema ótimo, com sua independência. O presidente não pode se aborrecer e demitir Ben Bernanke. Mesmo assim, há suficiente fiscalização, não muito pelo presidente, mas sim pelo Congresso. O presidente do Fed tem que depor no Congresso e ouvir seus pontos de vista, frequentemente críticos. Isso é saudável.
Acredito que o Fed seja consciente de que sua independência é algo que o Congresso concedeu, não é algo que está na Constituição. Muito do pensamento ortodoxo é que, quanto maior a independência, melhor. Qualquer ação de políticos seria pouco saudável, com motivações políticas e excessivamente inflacionária.
Valor: Por que as intervenções dos políticos seriam desejáveis?
Ball: Nos Estados Unidos e em outros países, há frequentemente uma relação muito próxima entre o governo e setores da economia. Gente que deixa o Fed arruma empregos em Wall Street. Tem gente que tira conclusões cruéis e sinistras dessas relações, mas eu não acredito nisso. As pessoas do governo são como todas as outras. Interagem com pessoas do mercado financeiro que se preocupam muito com a inflação. E também com acadêmicos, que são pessoas muito inteligentes, mas nem sempre muito sensíveis ao que acontece no mundo real. Não se encontram com frequência com pessoas que perderam o emprego ou as suas casas. Os políticos estão mais em contato com essas pessoas.
Valor: Seria bom o BC ter metas explícitas para o câmbio?
Ball: Não tenho uma resposta nítida sobre isso porque há muito o que ser estudado no tema para determinar quais são as ferramentas ideais para cada objetivo. Certamente, os banqueiros centrais devem se preocupar com a taxa de câmbio, fluxos de capitais e competitividade da indústria. Talvez eles não queiram ter uma meta de câmbio porque é muito difícil mirar a inflação e o câmbio ao mesmo tempo quando há forças empurrando os dois para direções opostas. Também porque movimentos na taxa de câmbio refletem forças de mercado, e você deve deixar os mercado, em algum grau, determiná-la. Mas, ao mesmo tempo, não acho que todos os movimentos na taxa de câmbio sejam eficientes. Há volatilidade. Mercados financeiros, de forma geral, podem ter grandes flutuações, seja em preços de ativos ou câmbio.
Valor: O BC não teria prejuízos à sua credibilidade ao adotar várias metas?
Ball: Há um preço a pagar se o Banco Central passa a focar, além de inflação, também em desemprego, fluxos de capitais e outras coisas. Sempre é possível escrever um modelo econômico teórico no qual um instrumento vai controlar a inflação, outro vai focar na estabilidade financeira e assim por diante. Mas, se você passa a prestar atenção nesses outros objetivos, de certa forma pode comprometer seu objetivo de manter inflação estável dentro de sua banda de tolerância. Poderia significar maior incerteza sobre a inflação em ambientes como mercado financeiro. Mas não são efeitos horríveis, catastróficos. E, repito, desemprego é algo tão importante que vale a pena sacrificar um pouco de sua credibilidade, caso haja mais incerteza sobre a inflação, para estabilizar o desemprego."
Fonte: Bancários PB
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