"O princípio da conexão – que em resumo invoca a realidade dos fatos em lugar da realidade dos autos - foi empregado pela primeira vez, no dia 25 de abril deste ano, na 8ª Região. Durante o julgamento de um mandado de segurança que impugnava uma penhora eletrônica de dinheiro (salário), o desembargador do Trabalho José Maria Quadros de Alencar, que presidia a Seção Especializada II, ao prolatar o Acórdão TRT SE II/MS 0000027-82.2013.5.08.0000, que teve como litisconsortes Alessandra Corrêa Albuquerque de Souza, Alunorte - Alumina do Norte do Brasil S.A. e Labgen Comércio Distribuição e Serviços de Limpeza Ltda., suscitou uma questão preliminar de extinção do processo sem resolução do mérito, por perda superveniente do objeto, pois o impetrante fizera acordo com a litisconsorte (reclamante-exequente).
Ocorre que, mesmo tendo as partes conciliado, o reclamante esquecera de desistir do mandado de segurança. A questão preliminar foi suscitada durante a sessão, mas rejeitada pelo relator, que alegou não ser dever da Sessão Especializada examinar a tramitação do processo. Foi então que o presidente da sessão invocou o princípio da conexão. O relator ficou vencido e o acórdão foi prolatado, sendo o primeiro da 8ª Região em que se adota expressamente o princípio da conexão, uma contribuição para o Direito do Trabalho do Desembargador do Trabalho José Eduardo de Resende Chaves Júnior, do TRT da 3ª Região (Minas Gerais).
Em um determinado trecho do acórdão, o prolator, Desembargador do Trabalho José Maria Quadros de Alencar, ressalta que “conforme se constata com o simples exame da tramitação em consulta feita ao portal eletrônico deste Egrégio Tribunal Regional do Trabalho, iniciativa que tem apoio no novo princípio da conexão, que torna o processo mais inquisitivo. Dessa consulta resulta a constatação que a reclamante até mesmo destituiu a sua advogada, a juíza jurou suspeição e foi designado outro juiz para atuar no processo”. Assim, de acordo com o desembargador, fica certo que a celebração de acordo, qualquer que seja o resultado dele, é ato incompatível com a vontade de impetrar mandado de segurança, inclusive porque a reclamante, por seu novo advogado, concordou com a devolução do dinheiro ao impetrante e este ofereceu seus salários em garantia do acordo.
E adiante: “Ademais, há perda superveniente de objeto porque o impetrante, na condição de titular da reclamada, conciliou nos autos da reclamação trabalhista...”. “Em suma, o acordo celebrado pelo impetrante de mandado de segurança nos autos da reclamação trabalhista onde foi feita a penhora eletrônica de dinheiro provoca a perda superveniente do objeto e, desta, resulta a inadmissibilidade do mandado de segurança e sua consequente extinção sem resolução de mérito”.
Ao destacar que “o simples exame da tramitação em consulta feita ao portal eletrônico deste Egrégio Tribunal Regional do Trabalho” resulta em constatação capaz de mudar o rumo do julgamento, o Desembargador José Eduardo de Resende Chaves Junior reconhece a mudança de um princípio tradicional do Direito processual, em voga desde o Direito canônico do século XIII, que é o princípio da escritura, sintetizado na máxima latina "quod non est in actis non est in mundo" (o que não está nos autos não está no mundo), conforme explica o próprio desembargador da 3ª Região, sobre o princípio da escritura: “Não importa o que está no mundo, na realidade da vida, mas, sim, o que está formalizado e escrito dentro dos autos. Por esse motivo é conhecido como princípio da escritura”.
Continua o Desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior: “Este princípio da escritura, na verdade, é um princípio que separa os autos judiciais do mundo da vida. Em outras palavras, opera-se aqui com uma lógica de desconexão autos-mundo”, e completa citando como os processos eletrônicos e virtuais, que dependem da internet, acabarão por mudar o Direito. “Com o processo eletrônico, virtual, conetado à internet, os autos eletrônicos, virtuais, não estão separados, mas ao contrário, estão conectados ao mundo. Em resumo, o princípio da conexão diz respeito ao processo judicial em rede”, garante José Eduardo de Resende Chaves Júnior.
Para o desembargador da 3ª Região, o princípio da conexão pode ser usado para que o juiz se torne mais proativo, e para que busque mais a verdade real (rectius: a verdade-virtual da rede). “Além de conectar os autos ao mundo, o juiz em rede, deixa de ser um juiz excessivamente individualista, e passa a ser um juiz beneficiário da inteligência coletiva da rede, o que aumenta, em muito, a sua capacidade de ser mais justo”, recomenda José Eduardo de Resende Chaves Junior, que também cita Pierre Lévy: “O grande pensador da internet, que nunca escreveu nada sobre o mundo jurídico, tem uma frase que cai como luva para os juízes: 'Os justos só são eficazes, só conseguem manter a existência de uma comunidade, constituindo uma inteligência coletiva'.”
MEIO E MENSAGEM
Mas será possível que a simples utilização do meio virtual nos processos judiciais leve a alterações no Direito? Ou seja, a forma irá influenciar no conteúdo? Para o Desembargador José Maria Quadros de Alencar a resposta é sim. “Desde McLuhan [Herbert Marshall McLuhan, 1911-1980, teórico da Comunicação], o meio é a mensagem. O meio interfere na mensagem, vale dizer, no seu conteúdo”, e completa: “Direito é parte da superestrutura ideológica e é também linguagem. É meio e sendo meio é mensagem. Por isso uma alteração de forma altera o conteúdo. McLuhan não imaginaria onde poderíamos chegar com as tecnologias da informação e comunicação, mas sua Aldeia Global é, agora, esse mundão de relações mediadas por tecnologias da informação e comunicação que encolheram o espaço e o tempo, deixando tudo - ou quase tudo - ao alcance de um clic de mouse. Por isso o direito, que se manteve quase imóvel apesar dos avanços da semiótica no Século XX, agora parece que não pode mais resistir e vai ter que se reinventar ou ser reinventado. Se essa reinvenção não acontecer, pior para ele, que tornar-se-á apenas irrelevante no decorrer deste novo século”.
Para o desembargador do TRT 8, se os juristas deixarem, nosso cotidiano logo estará repleto de casos em que o princípio da conexão será aplicável, já que as informações estarão disponíveis além dos autos, em ambiente virtual. “A medida em que esse mundão virtual crescer e se agigantar, abarcando tudo ou quase tudo, a conexão vai ser a regra e não a exceção. Produzir ou encontrar provas na Web vai ser tão rotineiro quanto a juntada de um documento atualmente”, disse o Desembargador José Maria Quadros de Alencar, que completa: “Eu mesmo já não consulto repertórios físicos de jurisprudência. Também não consulto mais legislação impressa”. Para o desembargador, logo o vade mecum servirá apenas para uso nos Exames de Ordem e nos concursos públicos. “E como a boa doutrina - e a que conta - vai estar na Web também, deixaremos de consultar livros e publicações impressas. Bancos de dados cada vez mais abrangentes e acessíveis vão nos dispensar de exigir provas como, por exemplo, a composição societária de uma empresa (os juízes teremos que aceitar a mera indicação de um link). O direito processual contemporâneo vai ter que ser reinventado para dar conta dessa nova realidade.”
Portanto, a tendência, explica o Desembargador José Maria Quadros de Alencar, é legitimação e a aplicação generalizada do princípio da conexão na 8ª e em todas as demais Regiões da Justiça do Trabalho, “sempre rendendo tributo à Terceira Região, berço do princípio da conexão, e ao Desembargador do Trabalho José Eduardo Resende, seu principal formulador”."
Fonte: TRT 8ª Região
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