quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

"Juros: a superação da última anomalia", por Cristiano Romero (Fonte: Valor Econômico)

“Coube ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho, introduzir, no governo Lula, agenda para a criação de estímulos ao alongamento tanto da poupança quanto do crédito privado de longo prazo. As primeiras medidas devem ser anunciadas amanhã. Coutinho está convencido de que o Brasil tem pela frente oportunidade para superar uma anomalia histórica – os juros altos – e, assim, completar o processo de estabilização da economia iniciado há 16 anos.

Apesar de todas as conquistas dos últimos anos, o país ainda convive com aberrações, como uma taxa básica de juros (Selic) excessivamente elevada. Coutinho atribui o problema ao processo histórico. Durante as quase três décadas de superinflação, o governo, para evitar a dolarização da economia, ofereceu títulos públicos remunerados a juros altíssimos.

“Não foram só taxas altas, mas atributos normalmente inconciliáveis, como pronta liquidez e alta rentabilidade. Segurança, liquidez e rentabilidade combinadas num circuito de dívida pública que terminou por fixar uma estrutura de termo de taxa de juros muito alta e muito curta e frequentemente perversa”, disse o presidente no BNDES durante seminário na Febraban.

Essa estrutura acabou provocando a segmentação do mercado de crédito – o de longo prazo ficou a cargo dos bancos públicos, especialmente o BNDES, que têm acesso a fontes institucionais de recursos (FAT, FGTS etc.); e o de curto prazo, que baseou suas taxas nos juros fixados pelo Banco Central (BC) para regular o mercado interbancário.

“Estabeleceu-se uma confusão intrínseca entre a taxa de juros de curto prazo interbancária, a chamada policy rate, que em qualquer economia regula a liquidez no mercado interbancário e a relação entre o BC e o mercado de reservas bancárias, e a estrutura de remuneração de todo o conjunto de títulos de dívida pública”, explicou Coutinho. “Essa integração da estrutura de dívida pública com o mercado de curto prazo torna a própria operação da política [monetária] no Brasil sui generis.”

A consequência mais visível foi o retardamento do desenvolvimento do crédito bancário. Nesse quesito, o Brasil perde inclusive na comparação com economias menos desenvolvidas da América Latina. A limitação não impediu, entretanto, que o sistema bancário sobrevivesse ao fim do período hiperinflacionário. “O sistema bancário brasileiro é hígido, sofisticado, gerenciado de forma competente, e está perfeitamente capacitado, dentro de um sistema de regulação eficiente, para que possamos fazer um movimento novo”, disse Coutinho.

O presidente do BNDES não vê a limitação do sistema financeiro de forma isolada. Sua visão é sistêmica. Em primeiro lugar, ele acredita que o país tem, neste momento, condições para consolidar a situação fiscal, mantendo a “trajetória virtuosa” de redução da dívida pública bruta e líquida como proporção do PIB. Esta é uma precondição para a redução da taxa Selic.

Coutinho vê um quadro internacional ainda difícil em termos de crescimento das economias desenvolvidas, mas aposta na sustentação da expansão global puxada pelo mundo em desenvolvimento, principalmente os países asiáticos. Num quadro em que as tensões inflacionárias internacionais não são expressivas, observou ele, o Brasil pode retomar, “ao seu devido tempo e circunstância”, a trajetória de queda dos juros.

“Obviamente, a capacidade e a autonomia do BC para conduzir o processo de expectativas e manter a inflação sob controle são e devem ser sempre um fundamento imprescindível. Mas, nesse contexto, podemos superar o último dos entraves que sobraram do período de altíssima inflação do país.”

Nos últimos meses, Coutinho debateu com representantes do sistema financeiro propostas para o desenvolvimento da poupança e do crédito de longo prazo. O alongamento dos prazos vale tanto para o crédito bancário quanto para os instrumentos de dívida corporativa. É preciso superar a vinculação “indesejável”, disse o presidente do BNDES, entre a taxa de juros da política monetária e as taxas de remuneração dos ativos financeiros. O sucesso dessa agenda depende da evolução do quadro macroeconômico, por isso, ele enfatizou a necessidade de o país retomar o caminho da austeridade fiscal, um compromisso assumido pela presidente eleita, Dilma Rousseff.

Coutinho tem urgência porque vê o Brasil vivendo um ciclo econômico promissor. A escala de Formação Bruta de Capital Fixo está em ascensão – cresceu quase 27% no segundo trimestre – e sua evolução é fundamental para sustentar um ciclo poderoso de investimento e formação de capital. Esse processo requer a emissão de papéis e/ou a contração de dívidas pelo setor privado.

“Isso representa para o setor financeiro uma oportunidade de migrar da massa de papéis estacionados no circuito de dívida pública para novos papéis privados que lhes ofereçam rentabilidade e novas opções, inclusive, de diversificação de suas carteiras de ativos. Pode ser um processo virtuoso porque ancorado efetivamente num ciclo de expansão da economia”, afiançou o presidente do BNDES.

Jorge Gerdau conversa com a equipe de transição de governo sobre a adoção de uma agenda de competitividade. O diálogo não envolve convite para o ministério.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.

E-mail cristiano.romero@valor.com.br”

 

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