"Não é tarefa simples uma revisão dos controles internos da Eletrobras, uma empresa estatal com várias controladas - ou "descontroladas", na expressão de um ex-presidente da própria companhia, espantado com o grau de autonomia de suas lideradas.
Nesse ambiente muitas vezes politicamente delicado, Itaipu é um caso especial. Apesar de a estatal brasileira ter 50% das ações da maior hidrelétrica do mundo em capacidade de geração e responsável por 16% de toda a energia consumida no país, seu auditor não tem acesso irrestrito aos números.
No balanço de 2009 entregue neste ano ao regulador do mercado de capitais americano, a PwC reporta falta de controles na "unidade de negócio" Itaipu Binacional relacionada à contabilização de ativos. Na época, Itaipu era auditada pela BDO. A PwC quis revisar os controles da usina, mas a administração não aceitou.
Procurada, a PwC não quis se pronunciar. O Valor apurou que a questão foi resolvida por meio de "cartas de conforto" - o que quer dizer que a auditoria continuou sem acesso aos números.
O Tratado de Itaipu - assinado pelo Brasil e o Paraguai em 1973 e que transformou a área da usina numa espécie de protetorado onde nem o Tribunal de Contas da União pode entrar - foi a barreira encontrada pela PwC para coletar dados diretamente na empresa.
A Eletrobras diz que a PwC não aceitou o trabalho da BDO, apesar de essa possibilidade ser prevista pelos reguladores americanos. O fato é que as normas de auditoria mais recentes limitam muito a aceitação, pelo auditor principal, da opinião de outra firma.
A direção de Itaipu e da Eletrobras informam ainda que o veto da direção de Itaipu invocou os termos do tratado, que determina que a usina pertence igualmente aos dois países, significando que ninguém tem o controle.
"Assim, não há relação de hierarquia, como acontece com as subsidiárias da Eletrobras, o que impede de auditores da holding de obterem informações da Binacional", diz a Eletrobras.
Segundo a estatal, desde 2009 os processos operacionais de Itaipu relevantes para o mercado americano são auditados por uma equipe interna de auditoria. Antes, o problema foi contornado porque tanto Itaipu quanto a Eletrobras eram auditadas pela mesma empresa, a BDO Trevisan, "que realizou testes de controles internos pertinentes à lei Sarbanes-Oxley [que estabeleceu a revisão dos controles internos], tanto no Brasil quanto no Paraguai".
O tratado estabelece ainda que a usina não pode gerar lucro ou prejuízo para nenhum dos países. O superávit de Itaipu em 2010 - US$ 466 milhões - é contábil e não serve de base para cálculo de dividendos ou qualquer movimentação financeira.
Com isso os resultados de Itaipu têm impacto zero no resultado consolidado da holding Eletrobras, argumenta a administração da hidrelétrica. "Ainda assim, a PwC insiste em ter acesso aos números de Itaipu por entender que ela deve ser considerada no aspecto do valor de seu ativo, por este ser relevante para a Eletrobras", informa a holding.
Os resultados da usina binacional apurados anualmente são acumulados na rubrica "resultados a compensar", que engloba os déficits e superávits desde o início das operações. O saldo acumulado até 2010 é um déficit de US$ 362 milhões.
"O Tratado de Itaipu prevê o equilíbrio entre as receitas e as despesas da entidade, o qual é respeitado e apresentado na demonstração das contas de exploração e respectivas notas explicativas, que estão disponíveis no site da Itaipu para acesso ao público em geral", informa a direção brasileira de Itaipu. (CS e NN)
Confira a seguir o parecer da PwC sobre os controles internos da Eletrobras:
(I) Falta de um ambiente de controle interno eficaz, considerando que as deficiências de controle interno não foram corrigidos em tempo hábil; a companhia não definiu adequadamente a responsabilidade com relação aos seus controles internos sobre demonstrações financeiras e as linhas de comunicação necessárias em toda a organização; a companhia não fez uma avaliação adequada para identificar riscos de modo a assegurar que controles eficazes foram adequadamente concebidos e implementados de maneira a prevenir e detectar distorções relevantes nas demonstrações financeiras; e a companhia não projetou e manteve adequadamente estratégias de tecnologia de informação eficazes, incluindo aquelas relacionadas à segregação de funções, segurança e permissão e monitoramento de acesso ao seus programas de aplicação financeira e de dados;
(II) Falta de processos eficazes de inspeção e monitoramento e de documentação relativa ao registro de entradas de livro diário recorrentes e não recorrentes;
(III) Falta de controles efetivos para garantir a integridade/precisão dos depósitos judiciais e processos legais, incluindo revisões periódicas/atualizações deles e as perdas esperadas para fins de regime de competência;
(IV) Falta de controles efetivos para garantir a integridade/precisão ou a revisão/acompanhamento dos planos de benefícios pós-aposentadoria (planos de pensão), patrocinados pela companhia, incluindo detalhada revisão das premissas atuariais, reconciliação entre os relatórios de avaliação atuarial e registos contabilísticos, bem como o fluxo de caixa para os pagamentos de contribuição;
(V) Falta de controles eficazes da unidade de negócios Itaipu Binacional com relação à sua contabilização de ativos fixos;
(VI) Falta de controles eficazes para assegurar o adequado exame/acompanhamento relacionados com a preparação das demonstrações financeiras de acordo com os princípios contábeis amplamente aceitos nos Estados Unidos da América (US Gaap) e respectivas divulgações e equipe interna com número insuficiente de pessoas com um nível satisfatório de conhecimentos contábeis em US Gaap."
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