Maximiliano Nagl Garcez
Advogado de trabalhadores, entidades sindicais e movimentos populares, com ênfase nos Tribunais Superiores; Mestre em Direito das Relação Sociais pela UFPR; ex-bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School
OAB/DF 27.889 e OAB/PR 20.702
1. Síntese da ADI 3749
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3749 está na pauta do Plenário do STF desta quinta, dia 30.06.11. Foi ajuizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e seu Relator é o Ministro Ayres Britto.
O resumo da discussão é o seguinte, e está disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=183201&utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter:
“Ação contra Lei estadual que dispõe, nos termos da Lei Complementar Federal nº 103/2000, sobre o piso salarial no estado. A CNA afirma que, a pretexto de instituir piso salarial para categorias profissionais determinadas, o Estado do Paraná estabeleceu, de forma camuflada, salário-mínimo regional para os empregados da iniciativa privada no Estado.
Em discussão: saber se a norma impugnada invadiu competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho; saber se a norma exorbitou da competência legislativa conferida aos Estados-membros ao dispor sobre piso salarial.
PGR: opina pela procedência do pedido.”
Em discussão: saber se a norma impugnada invadiu competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho; saber se a norma exorbitou da competência legislativa conferida aos Estados-membros ao dispor sobre piso salarial.
PGR: opina pela procedência do pedido.”
2. Possível perda do objeto
Há a possibilidade de o STF não analisar o mérito da ADI 3749, por eventualmente considerar que teria ocorrido a perda do objeto da ação, eis que a Lei Estadual n. 15.118, de 2006, que instituiu o Piso, foi revogada em 2007, quando nova Lei instituiu piso mínimo em novos valores. Destaco que a PGR já apresentou parecer nesse sentido (Parecer Nº 4363-PGR-RG, de 03/05/2011).
Caso tal óbice seja superado, e o mérito venha a ser analisado pelo Plenário do E. STF, espero que a ação seja declarada improcedente. Felizmente, alguns precedentes do STF sobre questões similares indicam que este deve ser o resultado.
O piso mínimo salarial instituído no Paraná (e também em outros Estados) visa proteger as categorias mais frágeis, que possuem sérias dificuldades de organização (como por exemplo os domésticos e os rurícolas, por razões históricas evidentes). Sua importância para os trabalhadores paranaenses (e para toda a economia do Estado) é enorme, como veremos a seguir.
3. Da inexistência de violação ao art. 22, I, da CF
Este breve e superficial artigo não possui a ambição de analisar em profundidade o conteúdo da referida ADI, mas sim tecer comentários sobre a importância do piso mínimo regional para os trabalhadores e para toda a sociedade.
De todo modo, não resisti a tentar rebater rapidamente os 2 argumentos centrais da ADIN...
Argumenta a CNA em sua inicial que os Estados não poderiam legislar em matéria de direito do trabalho, eis que a competência privativa é da União, de acordo com o art. 22, I, da Constituição Federal.
No entanto, tal argumento não se sustenta, por conta do disposto no parágrafo único do próprio art. 22 da CF: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
E foi exatamente o que ocorreu: Lei Complementar (a de n. 103, de 14 de julho de 2000) autorizou os Estados e Distrito Federal a tratar da questão específica do piso mínimo regional. Veja-se a própria ementa da Lei Complementar 103: “Autoriza os Estados e o Distrito Federal a instituir o piso salarial a que se refere o inciso V do art. 7º da Constituição Federal, por aplicação do disposto no parágrafo único do seu art. 22”
Parece simples. E é.
4. Da ausência de violação ao art. 7º, IV, da CF
De acordo com o o art. 7º, IV, da CF, o o salário mínimo deve ser nacionalmente unificado. Utiliza a CNA tal argumento para pleitear a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual paranaense.
No entanto, a Lei Complementar n. 103, de 14 de julho de 2000, prevê a possibilidade dos Estados e do Distrito Federal criarem o piso mínimo regional.
Destaque-se que tal piso mínimo não deve ser confundido com o salário mínimo. A Lei Complementar n. 103 permite instituir o piso mínimo salarial a que se refere o inciso V do art. 7º da Constituição Federal, e não trata do salário minimo previsto no art. 7º., IV. O inciso V se refere ao direito dos trabalhadores a um “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”, e não ao salário mínimo.
Novamente, parece muito simples. E, novamente, é.
5. Da importância do piso mínimo regional para os trabalhadores e para toda a sociedade
Apesar de tal piso ser distinto do salário mínimo, consideramos que sua utilização em Estados em que a renda per capita é mais alta ou próxima da média nacional serve para melhorar a condição de vida dos trabalhadores, fortalece a luta dos sindicatos e deve ser estimulada, sem prejuízo de uma necessária política de aumento do poder de compra do salário mínimo (que vem ocorrendo desde 2003).
Em 2006, quando a Lei Estadual paranaense foi aprovada, o DIEESE estimava que o piso atenderia “190 mil trabalhadores diretamente e outros 600 mil indiretamente, promovendo a injeção de R$ 46 milhões a R$ 66 milhões mensais na economia do Estado”. (http://www.vermelho.org.br/ prosapoesiaearte/ noticia.php?id_noticia=1713&id_secao=2)
Louvo a iniciativa dos Executivos e Legislativos Estaduais que obtiveram a aprovação de Leis Estaduais prevendo pisos mínimos regionais acima do salário mínimo, como é o caso do Rio Grande do Sul, durante o Governo Olívio Dutra (que foi precursor na criação do piso), bem como do Paraná e do Rio de Janeiro. São Paulo e Santa Catarina somente vieram a instituí-lo recentemente. O Governo de Minas Gerais, há muitos anos nas mãos do PSDB, até hoje não o instituiu, apesar da luta dos combativos sindicalistas mineiros.
Atualmente, segundo o site http://www.salariominimo.net/salario/salario-minimo-regional/, os seguintes Estados possuem piso mínimo regional:
· São Paulo – R$ 600,00 a R$ 630,00 (veja as faixas)
· Rio de Janeiro – R$ 607,88 a R$ 1630,89 (veja as faixas no Artigo 1º da Lei)
· Paraná – R$ 708,74 a R$ 817,78 (veja grupos no Artigo 1º da Lei)
· Rio Grande do Sul - R$ 610,00 a R$ 663,40. Faixas no Artigo 1º da Lei)
· Santa Catarina – R$ 630,00 a R$ 730,00 (Faixas no Artigo 1º da Lei)
No entanto, diversos Estados com renda per capita superior ou próxima à média nacional não instituíram tal piso (conforme tabela disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_estados_do_Brasil_por_PIB_per_capita, que por sua vez obteve os dados em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2008/comentarios.pdf).
O piso mínimo regional serve como parâmetro para a negociação coletiva de diversas categorias profissionais. Sua instituição e contínua elevação tende a fortalecer também o aumento dos pisos salariais previstos em convenções e acordos coletivos.
Tendo em vista o perfil do mercado de trabalho brasileiro, caracterizado por alta concentração de empregos com salários infelizmente baixos, a instituição do piso regional possui um papel relevante para a economia, para a sustentação do crescimento econômico, para a redução da miséria e para a elevação da participação dos rendimentos oriundos do trabalho no PIB nacional.
1. 6.“Salvando o capitalismo dos capitalistas”
Finalizo ressaltando que a instituição do piso mínimo regional, especialmente nos Estados que possuem um PIB per capita superior ou próximo à média nacional, beneficia não somente os trabalhadores e a sociedade, mas os próprios empresários, como defendeu em 2006, durante os debates ocorridos na Assembléia Legislativa do Paraná, o presidente da Associação Paranaense de Supermercados (Apras), Everton Mufatto: “Num primeiro momento, a curto prazo, é preocupante para o setor empresarial, mas acredito que a médio e longo prazos será muito bom para todos, porque vai aumentar o poder de consumo da população” (http://www.vermelho.org.br/prosapoesiaearte/ noticia.php?id_noticia=1713&id_secao=2).
Os setores mais retrógrados do empresariado nacional parecem não compreender que a existência de uma sólida rede de proteção social (da qual faz parte, ainda que de modo secundário, o instituto do piso mínimo regional) interessa também a eles próprios. Convém mencionar em tal sentido estudo do IPEA, disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories /PDFs/politicas_sociais/bps_18_completo.pdf, que sintetiza a questão adequadamente por meio do pensamento de uma das maiores economistas de nosso País: “Especificamente sobre as políticas sociais, a professora Conceição Tavares foi enfática ao ressaltar a importância estratégica da montagem do núcleo duro de um Estado de Seguridade Social, em um momento de superação de crise econômica, destacando que políticas públicas de proteção social estruturadas e financiadas como políticas de Estado são decisivas”. (grifos nosso).
Os impactos positivos do piso mínimo regional nos Estados que o instituíram são evidentes, e citamos apenas alguns: aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores; aumento no consumo, e consequentemente na arrecadação de impostos, no faturamento de inúmeras empresas, e maior circulação de dinheiro na economia local; e acesso a alimentação de melhor qualidade pelos trabalhadores, e consequentemente diminuição dos custos do sistema público de saúde.
Por coincidência, os benefícios do piso mínimo regional para os Estados que tiveram a possibilidade, a sabedoria e a decência de institui-lo foram ainda mais importantes em virtude da crise financeira internacional de 2008. Marcio Pochmann tem descrito com clareza em diversos artigos e palestras a importância que o crescimento da massa salarial dos segmentos de mais baixa renda (e por consequência do aumento no consumo) teve para que o Brasil sofresse impactos significativamente menores após a crise de 2008 do que os países mais desenvolvidos (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15555).
Ironicamente, novamente coube aos sindicalistas e defensores dos direitos dos trabalhadores “salvar o capitalismo dos capitalistas” ...
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