Na mensagem enviada, o reclamante, que foi demitido por justa causa, acusado de fornecer informações sigilosas da empresa em que trabalhava, remeteu todo o conteúdo do seminário, expondo “todas as três fases do processo de preparação do creme”. Ele admitiu que celebrou contrato de sigilo com a reclamada e que, quando o assinou, entendeu do que se tratava, “mas que, com o passar dos anos, acabou se esquecendo dos seus termos”. Sofreu um processo administrativo e até representação criminal feita ao Ministério Público Federal. Houve, inclusive, instauração de um termo circunstanciado para apurar o crime previsto no artigo 154, do Código Penal (“Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”).
No que se refere às alegações de proporcionalidade, imediatidade e presença de efetivos prejuízos à empresa, o juízo de origem observou que “a farta prova oral e documental coligida nos autos, em especial o próprio depoimento do reclamante, revelou o ato de improbidade por este praticado. Ao fazer uso de informações técnicas confidenciais, bem como a quebra da fidúcia inerente ao contrato de trabalho, motivou o ato, tornando legítima a dispensa por justa causa”.
No recurso, o trabalhador pediu a reversão da justa causa e o pagamento de indenização por danos morais. O relator do acórdão da 6ª Câmara do TRT, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, afirmou que é “inválida a prova produzida nos autos a fim de comprovar a justa causa aplicada ao obreiro, isso porque a prova é fruto da invasão da privacidade do reclamante – fato esse que vicia as ulteriores provas produzidas nos autos –, bem maior a ser tutelado, e tenho como inadmissível a possibilidade de controle do e-mail corporativo pelo empregador”. O magistrado ressaltou ainda que, “como agravante, no caso concreto, não há prova robusta de que o autor foi devidamente cientificado – e especificamente – da possibilidade do monitoramento, e em que condições isso ocorreria, o que menciono fazendo abstração do fato de que, a meu aviso, nem que tal houvesse acontecido, seria possível a devassa”.
Apesar de ser comum se discutir atualmente se um empregador tem ou não o direito de monitorar o e-mail corporativo de seus empregados, o acórdão reconheceu que é “praticamente inviável discutir e tentar tirar um posicionamento, se um empregador pode ou não monitorar os e-mails que passa e recebe um seu empregado, pelo seu correio corporativo, sem uma alusão, brevíssima que seja, às mudanças que a sociedade informática introduz no comportamento humano”. Para tanto, citou alguns juristas modernos, como Liliana Minardi Paesani, para quem “a importância do fenômeno – liberdade informática – no desenvolvimento democrático das sociedades contemporâneas está sintetizada de forma positiva na recomendação nº 854, emitida pelo Parlamento Europeu de 1979, que enuncia: ‘Somente uma sociedade informatizada pode ser uma sociedade democrática’”. No que se refere a e-mail, o acórdão reproduziu parte da lição de Daniela Alves Gomes, para quem “a mensagem eletrônica pode ser identificada como uma correspondência, que está protegida pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XII, como uma modalidade de comunicação”, entendimento compartilhado por Luiz Manoel Gomes Junior, que defende a inviolabilidade da correspondência no caso do e-mail, já que “em nenhum momento o texto constitucional especifica que somente mensagens através de papel são protegidas pelo preceito. Aplica-se na hipótese velha regra de hermenêutica: onde a lei não distingue, é vedado ao intérprete fazê-lo”.
O acórdão da 6ª Câmara ainda observou que a informática contribui para a evolução da sociedade no mundo atual, propiciando, entre outros avanços, a interligação de pessoas em todo o mundo, auxílio para que sejam desvendados crimes, redução de acidentes do trabalho (mas, aqui, dependendo de outros fatores, “mais humanos”), além das facilidades na e para a obtenção de informação, em tempo real.
A decisão colegiada ressaltou, também, que “todo esse progresso, provocado pela sociedade de informação em que vivemos, uns mais intensamente do que outros, mas todos por ela envolvidos, está, primordialmente, a serviço da empresa e do investimento, o que provoca a desconfiança de alguns estudiosos quanto ao que realmente esperar desses progressos, em termos de benefícios para todos”. E salientou que “sob a perspectiva social não basta o avanço tecnológico, é preciso o avanço humano, no sentido de fazer com que o resultado que esse avanço tecnológico provoca seja revertido em benefício de todos, dos empregados inclusive”.
Além disso, o acórdão destacou como problema muito sério a falta de segurança na internet, que “não oferece uma garantia de privacidade à altura das vantagens de comunicação que proporciona”, e lembrou que “tamanha é a invasão à privacidade, pelos meios e com os instrumentos os mais variados, que acabamos por nos habituar com isso, achando tudo normal e próprio de nossa época”. O acórdão também levantou a questão de que, se em troca de uma suposta maior disponibilidade de informação, a sociedade terá de, necessariamente, sacrificar a privacidade. Para tanto, fundamentou-se em juristas como Fábio Ulhoa Coelho, Cynthia Semíramis Machado Vianna, Regina Linden Ruaro, Eugênio Hainzenreder Júnior e Roberto Senise Lisboa.
Especificamente quanto à possibilidade de monitoramento do e-mail corporativo do empregado pelo empregador, o acórdão destacou que “os que entendem que isso é possível, lembram que os computadores, os provedores e tudo o mais para o acesso, para que os obreiros possam navegar e passar e receber e-mails, são de propriedade do dador de serviço, ao que acrescentam que, se o trabalhador enviar uma mensagem indevida, isso pode acarretar consequências ao empregador, além do que, a produtividade do empregado, quer visitando sites, quer enviando e recebendo e-mails estranhos ao serviço, poderá diminuir, além do que a rede ficará sobrecarregada, e o risco de vírus infestando os aparelhos será grande”. Para os defensores desse posicionamento, acrescenta o acórdão que isso faz parte do “poder diretivo do empregador”. Entretanto, sublinhou a decisão colegiada, nem todos pensam assim. “Há os que defendem que uma tal postura acaba por magoar a dignidade do trabalhador”, rebate o acórdão, destacando que, “antes de ser um empregado”, ele é um cidadão, e tem o direito fundamental à sua privacidade, à sua intimidade de cidadão-trabalhador, mesmo porque, como observado pelo Grupo de Protecção de Dados, instituído pelo artigo 29 da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995: “Os trabalhadores não abandonam o seu direito à privacidade e à proteção dos dados, todas as manhãs, à porta do trabalho”.
O acórdão reconheceu que “a disputa é acirrada, com argumentos de peso de ambos os lados”, porém, apesar de deixar claro que não defende a “irresponsabilidade obreira no uso do e-mail corporativo”, posicionou-se no sentido de que “não há ser tolerado monitore o empregador o e-mail corporativo de seus empregados (o pessoal, então, nem pensar, é algo totalmente fora de propósito!), pois tenho que, conquanto o dador de serviço tenha todo o direito de disciplinar a questão da utilização do e-mail no ambiente de trabalho, visando salvaguardar seus interesses, isso não lhe confere o direito de vasculhar a correspondência eletrônica de seus empregados. Disciplinar é uma coisa; vasculhar, outra, por óbvio. Aquela é lícita; esta, absolutamente não!”.
O acórdão salientou que “ao tempo da vigência do contrato de trabalho, a reclamada monitorava os e-mails dos empregados, do reclamante inclusive”. A decisão observou ainda que os demais trabalhadores da empresa tomaram conhecimento das acusações dirigidas ao reclamante e que a reclamada “deu publicidade à atual empregadora do autor dos fatos que envolveram a sua despedida”. Por isso concluiu que “o procedimento da empregadora atingiu duramente o moral do empregado, lesando-o psicologicamente”.
Em conclusão, a 6ª Câmara decidiu “afastar a justa causa, considerar a dispensa como imotivada e condenar a reclamada no pagamento das verbas rescisórias, além de indenização por dano moral no valor de R$ 40 mil (correspondente a, aproximadamente, 10 salários do obreiro, que percebia, à época da rescisão, R$ 4.053,59), valor considerado pelo acórdão como “razoável e de acordo com o dano experimentado”. E ainda ressaltou que, “questões jesuíticas à parte”, é “mister colocarmo-nos na, passe a pobreza do vocábulo, ‘pele’ desse alguém, para, com os olhos e demais sentidos imaginando-nos na situação dessa pessoa e atento ao que de ora se trata, avaliarmos da sua dor, do seu sofrimento e das suas angústias, o que, acredito, possibilitará, já agora com maiores tranquilidade e segurança, estabelecer a indenização devida”. (Processo 0047400-68.2008.5.15.0072)"
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