segunda-feira, 30 de maio de 2011

Seringueiros da Amazônia: “Escravos dos juros” (Fonte: Correio Braziliense)


“Conluios entre patrões e comerciantes faziam com que os seringueiros acumulassem dívidas, mesmo trabalhando incessantemente na floresta. Autoridades sabiam da injustiça, mas se calavam

O desapontamento, descrito em um relatório oficial do Gabinete do Coordenador da Comissão de Mobilização Econômica, órgão ao qual era ligado o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), vinha de um expediente utilizado até hoje na escravidão contemporânea. A retenção do explorado por dívidas era o modo como os seringalistas, também chamados de patrões, prendiam quem se atrevesse a sair da floresta, com o silêncio das autoridades governamentais.

Como tinha de adquirir tudo — de alimentos a outros artigos de primeira necessidade — das mãos do patrão, os sertanejos se viam, de uma hora para outra, totalmente endividados. Os seringalistas agiam como intermediários entre os nordestinos e as casas aviadoras, praticando índices de inflação jamais vistos na combalida história econômica do Brasil, conforme registram documentos históricos. “Os preços dos gêneros e as despêsas debitadas desde sua chegada eram de valor astronômico”, ressalta o relatório da Comissão de Mobilização Econômica. Além da rotina pesada de trabalho, praticamente sem folgas, os soldados da borracha sobreviviam em casebres precários, surpreendidos por febres, náuseas e fadigas típicos da malária. “Tinha família que ninguém escapava da doença”, conta Carlos Alberto Lopes, que não é nordestino, mas viveu parte de sua vida nos seringais com o pai cearense e a mãe, natural do Peru.

Além do baque da chegada à floresta desconhecida, muitos sertanejos sucumbiam antes mesmo de chegar ao local onde iriam cortar seringa. Em Rio Branco, um dos pontos de distribuição dos trabalhadores, o local onde ficavam era um barracão no Bairro do Quinze, no Segundo Distrito da cidade. “Os arigós comiam manga enquanto esperavam pela chegada do regatão ou do patrão que os iria levar para o seringal”, conta Carlos Alberto, também conhecido por Carlito, 76 anos. No caminho para o destino final da viagem, também ocorriam mortes, conforme o ex-seringueiro. “O pessoal abria a cova com os remos e a maioria era enterrada na praia”, recorda Carlito, ressaltando que os mortos também eram jogados no rio. Houve casos em que 20 pessoas viajavam para o interior da floresta e, no trajeto, quatro a cinco perderam.

Existiam, entretanto, outros males, como a alimentação precária. Se na época em que foi recrutado, apesar de privações, o trabalhador era alimentado para não adoecer, na floresta a situação piorou. O seringueiro recebia uma quantidade de alimentos que durava em torno de 30 dias. “O regatão ou o patrão trazia o básico, que era arroz, feijão, jabá, pirarucu (peixe da Amazônia que se assemelha ao bacalhau) e conserva, que muitas vezes chegava estragada, entre outras coisas”, conta Carlito. Para complementar a alimentação, o seringueiro caçava e pescava ou se utilizava da castanha, com alto poder nutritivo.

Mulheres
A presença feminina nos seringais, embora alguns homens tenham levado suas famílias na empreitada, se deu de forma lenta e gradual. A maior parte dos trabalhadores seguiu solteiro para a floresta. E os poucos que se aventuraram a embarcar com mulher e filhas, dizem os boatos, arrependeram-se devido ao assédio dos seringueiros sem companhia. Entre as muitas lendas que se formaram sobre a história dos soldados da borracha, uma diz respeito à chegada das mulheres no interior do Norte do país.

Folclore ou não, o boato é de que um tal coronel Januário ditava ao seu auxiliar, que fazia os pedidos por escrito à casa aviadora de Belém, uma relação de produtos. A encomenda incluía 12 dúzias de colheres. O empregado, meio surdo, anotou “12 dúzias de mulheres”. Mesmo achando estranho, a casa aviadora teria conseguido atender o pedido, recrutando boa parte de prostitutas. Elas chegaram de navio, para espanto do coronel Januário, que conseguindo vendê-las em pouco tempo.

O cardápio
Nos acampamentos ao longo da viagem rumo à Amazônia, documentos mostram como foram planejadas as refeições dos sertanejos. Pela manhã, tinha café com leite, pão e açúcar. No almoço ou jantar, carne ou peixe seco, farinha, feijão, arroz ou macarrão, banha e verduras (na falta delas, jerimum, batata ou mandioca), com direito a uma banana ou rapadura de sobremesa. O farnel de viagem continha rapadura, farinha, carne seca, banha, cebolas e bananas. Nem sempre, porém, tal plano alimentar foi seguido à risca.”


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