segunda-feira, 30 de maio de 2011

Condições de trabalho na extração do látex: “Sonhos ficam pela estrada” (Fonte: Correio Braziliense)


“Autor(es): Edson Luiz e Renata Mariz 

Os pousos superlotados, a falta de comida e a disseminação de doenças durante o trajeto para a Amazônia indicavam aos sertanejos recrutados para extrair látex que dias piores estavam por vir

Rio Branco e Brasília — Substantivos como segurança, conforto, higiene, apoio e saúde eram comuns na propaganda de Getúlio Vargas para “alistar” os nordestinos que trabalharam na extração do látex a partir de 1942. Cenário bem diferente do descrito nos relatórios oficiais do governo da época sobre o andamento daquela movimentação em massa, considerada pelas próprias autoridades a maior já realizada na América do Sul e fruto de uma parceria com os EUA para fornecimento da borracha ao país em guerra. Estradas precárias, acidentes, falta de alimentação e água, brigas e até o controle da libido do grupo estão registrados nos documentos históricos. As primeiras intempéries enfrentadas pelos homens durante a travessia, que chegava a durar três meses, rumo à Amazônia, surgiam como um presságio das mazelas que ainda estavam por vir.

“Muita gente morreu nas pousadas de doenças desconhecidas antes de embarcar nos navios”, lembra Adelmo Fernandes de Freitas, que, aos 12 anos, se alistou com seu pai e seguiu de Serra do Pereira, no interior do Ceará, para o Acre. Ele recorda que a multidão de homens ficava reunida durante dias nos pousos — como eram chamados os diversos acampamentos dos soldados da borracha ainda no Nordeste — até darem prosseguimento à viagem. Com exceção do localizado em Fortaleza, elogiado em cartas trocadas por autoridades da época, os outros locais de abrigo dos trabalhadores durante a travessia eram precários. Os mais importantes ficavam na capitais Teresina, São Luís e Belém. Mas havia também pontos-chave no município maranhense de Coroatá e em Sobral, no Ceará.

Em documento intitulado Relatório confidencial de observações feitas no Norte, junto ao Semta (Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia), endereçado ao ministro da Coordenação de Mobilização Econômica, João Alberto, em 8 de abril de 1943, um auxiliar relata a dificuldade de construir os abrigos necessários para receber os recrutados. “Por exemplo, há conveniência de se construir um pouso no local X por haver maior facilidade de transporte para os trabalhadores ou por motivo de ordem sanitária. Mas, como obter, rapidamente, a palha para as coberturas? Ela se encontra distante, em lugar, às vezes, de difícil recolhimento”, destaca. Mais adiante, o observador dos trabalhos salienta: “Além do problema das construções, há ainda os problemas referentes à água, quer para beber, quer para a higiene dos trabalhadores”.

Cada pouso abrigava de 800 a 1,4 mil homens amontoados. Mas o problema dos acampamentos ruins não era o único. A precariedade das estradas de ferro também é ressaltada no documento histórico, bem como a falta de certos tipos de alimentos. Em São Luís, relata o comunicado, três bois tinham de ser mortos diariamente para suprir a fome dos homens em marcha, causando protestos da população local. Faltava gasolina e óleo, que serviam de combustível para determinados meios de transporte. Os caminhões com as marcas do Semta e os cartazes do recrutamento enfrentavam vias em péssimas condições. A parte final da viagem era feita em navios. No kit recebido por muitos soldados da borracha, havia uma cápsula de cianureto, caso o sertanejo optasse pelo suicídio se os alemães atacassem a embarcação.

O medo era minimizado pelo esquema de segurança montado durante a travessia no mar. João de Deus Alencar, recrutado ainda jovem, recorda a viagem longa e cansativa pelo oceano. “Aviões americanos voavam em cima da nossa embarcação, enquanto navios americanos faziam a escolta por água”, conta o senhor de 88 anos, observando que havia muitos submarinos alemães na região. Apesar da idade, João de Deus, que saiu de Fortaleza com destino a Tarauacá, no Acre, lembra bem o dia em que a embarcação em que viajava chegou ao então chamado Vale do Amazonas: “Eram nove horas da noite quando o navio entrou na foz (do Amazonas)”, conta o soldado da borracha, hoje esperançoso com o resultado da ação judicial, por meio da qual ele e companheiros reivindicam uma indenização pelo que passaram.

A 2ª Vara Federal de Rondônia analisa, há dois anos, o processo movido pelo Sindicato dos Soldados da Borracha e Seringueiros no estado. Dos 50 mil sertanejos “alistados”, 4 mil , ainda vivos, podem ser beneficiados caso a Justiça decidia favoravelmente. Eles exigem uma indenização individual de R$ 763,8 mil.”


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