A capacitação de motoboys financiada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a cargo de uma entidade pertencente a um aliado político do ministro Carlos Lupi, incluiu na lista oficial de participantes do curso pessoas que nem têm Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na categoria A, exigida para se guiar motocicletas. Na lista de pessoas que teriam feito o curso destinado a motofretistas que atuam no Distrito Federal (DF), a Federação Interestadual dos Mototaxistas e Motoboys Autônomos (Fenamoto) — sediada em Goiânia (GO) — incluiu 17 homens e uma mulher que não são habilitados na categoria A, conforme consulta feita no Registro Nacional de Carteira de Habilitação (Renach).
O Correio teve acesso à lista de motoboys supostamente capacitados pela Fenamoto e solicitou que o Departamento de Trânsito (Detran) do DF pesquisasse os nomes no Renach. O levantamento, que levou em conta a base nacional de dados, mostra que, excluídos os homônimos, 18 nomes da lista não aparecem na relação do Renach.
Esse é um dos diversos indícios de irregularidades na execução do convênio firmado entre o MTE e a Fenamoto. A seleção da entidade foi oficializada em agosto do ano passado. O convênio, no valor de R$ 1,5 milhão, tem o objetivo de capacitar 2 mil motofretistas no DF. Metade do montante de recursos foi liberada em setembro e, desde então, deveriam ter sido capacitados mil motoboys no DF. Pelo menos cem profissionais não fizeram o curso, como o Correio apurou, e há suspeitas sobre a participação efetiva dos outros 900 motoboys, segundo consta da prestação de contas encaminhada pela Fenamoto ao MTE.
A lista traz nomes duplicados e, mesmo assim, é a relação chancelada pelo ministério, que se recusou a fornecer à reportagem dados completos sobre cada um dos participantes do curso. O argumento do MTE é de que os dados válidos são os repassados pela Fenamoto. Da lista da entidade, constam apenas os nomes. Para se ter uma ideia da dificuldade em comprovar a regularidade da participação no curso somente com esses dados, 128 nomes citados na lista têm homônimos no cadastro do Renach, no que diz respeito a habilitados na categoria A.
O presidente da Fenamoto, Robson Alves Paulino, está filiado ao PDT desde setembro de 2009. Ex-vereador de Goiânia e atual terceiro suplente, o líder dos mototaxistas exerce funções importantes no partido em Goiás. É ex-tesoureiro da legenda e integra a executiva regional. Robson Alves mantém estreito contato com Carlos Lupi e, desde a regulamentação da profissão de mototaxistas e motoboys, ampliou seu trâmite no ministério e junto a parlamentares dispostos a destinar emendas para a Fenamoto.
Nas visitas que fez a cidades goianas nos últimos dois anos, o ministro do Trabalho foi recebido por Robson Alves. Ainda em 2009, o "lobista político com responsabilidade" — como Robson Alves se autodefine — encontrou-se com Carlos Lupi para o anúncio de uma linha de financiamento de R$ 100 milhões para os motofretistas. No ano seguinte, novos encontros ocorreram no âmbito do programa de capacitação dos motoboys em Goiás. Robson Alves planejava se candidatar a deputado estadual — o convênio entre o MTE e a Fenamoto começou a valer em agosto do ano passado, dois meses antes das eleições —, mas desistiu do pleito. Diz ser agora pré-candidato a vereador em 2012.
Nomes a mais O curso para os motoboys de Brasília começou a ser dado em outubro do ano passado, por meio de uma parceria com a Secretaria do Trabalho (Setrab) do DF. A pasta cedeu o espaço do antigo Sine — a Galeria do Trabalhador — para a instalação de uma sala da Fenamoto e para a aplicação das aulas. Os motoboys que procuram o atendente da entidade são informados da necessidade de apresentar uma cópia da CNH na categoria A, além de um comprovante de endereço, do número do PIS e da Carteira de Trabalho.
Pelo menos 18 pessoas incluídas na lista da prestação de contas ao MTE não são habilitadas para guiar motos. Estão habilitados, no entanto, nas categorias B, C, D ou E, para dirigir carros, caminhões ou ônibus. Essa relação pode ser bem maior, já que não é possível identificar no Renach, entre homônimos, quem não está habilitado na categoria A. Os 128 homônimos geram no cadastro 743 repetições de nomes.
A partir das próprias informações repassadas pela Fenamoto ao MTE, já se sabe que cem pessoas não fizeram o curso de capacitação. Primeiro, a entidade repassou à reportagem do Correio uma lista com exatos mil nomes de motoboys supostamente capacitados. É a quantidade de pessoas que a federação sempre alegou ter atendido no DF. A relação continha 55 duplicações de nomes — havia casos até de nomes triplicados. Poucas horas depois, a funcionária da Fenamoto responsável pela aplicação do curso em Brasília, Valéria Cristina, enviou uma nova relação, com 901 nomes.
“Na correria, acabei enviando a lista sem conferir o arquivo”, justificou no e-mail enviado à reportagem. Segundo Valéria, essa é a lista que consta do sistema do MTE. Ainda permanecem nomes duplicados, que dificilmente têm homônimos. Foram suprimidos 84 nomes da primeira lista e acrescentados 32 novos, 24 deles com as letras W e Z.
A Fenamoto recusou-se a repassar os nomes dos professores, dos funcionários da entidade responsáveis por aplicar o curso e a grade curricular com as disciplinas ministradas. Valéria argumentou que “as informações não podem ser repassadas, pois necessitam de autorização do Ministério do Trabalho”.
O MTE não respondeu ao ofício, com a solicitação de diversos dados, apresentado pela reportagem do Correio na quarta-feira, 16. A assessoria de imprensa do MTE e a assessoria especial do ministro também não deram retorno, até o fechamento desta edição, aos pedidos de informação.
Na sala da Fenamoto na Galeria do Trabalhador, somente dois funcionários atendem os motoboys interessados, em esquema de revezamento. O presidente da entidade, Robson Alves, diz usar a estrutura dos sindicatos de motoboys e mototaxistas do DF para aplicar o curso. Os presidentes dos dois sindicatos representantes das categorias, Reivaldo Alves e Luiz Carlos Galvão, afirmam que a única “estrutura” disponibilizada é o telefone das entidades para prestar informações aos motoboys interessados.
No espaço da Sociedade Educacional pela Cidadania no Trânsito (SET), na Asa Norte, alugado pela Fenamoto entre outubro e janeiro, cerca de 200 motoboys foram capacitados. A Setrab informou que quatro salas do antigo Sine foram disponibilizadas e que a Fenamoto fez uso de três dessas salas. A secretaria não soube dizer quantas pessoas passaram pelas salas de aula.
Na berlinda
A votação na Câmara do novo valor do salário mínimo deixou o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, na berlinda. Lupi é presidente licenciado do PDT. A bancada do partido – que integra a base do governo – foi a mais dissidente na validação do salário de 545 reais. Dos 25 deputados da legenda, nove votaram contra a proposta do governo. A interpretação no Palácio do Planalto é de que Lupi demorou a agir, mesmo tendo conseguido reverter um quadro de dissidência que se mostrava muito mais grave. O próprio ministro afirmou estar "sempre preparado" para deixar o governo."
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