"Que o Brasil é o país dos estrangeirismos ninguém discute. Expressões como shopping, fast food, hot dog, delivery e tantas outras da língua inglesa estão praticamente incorporadas ao nosso dialeto cotidiano, sobretudo pelos jovens. Mas, no contexto do ambiente de trabalho, não se pode pressupor que todos saibam o significado de palavras estrangeiras, mesmo as consideradas mais banais. Principalmente em se tratando de situações que envolvam a segurança do trabalhador.
E, segundo concluiu o juiz convocado José Marlon de Freitas, ao relatar o caso envolvendo um grave e fatal acidente de trabalho, foi provavelmente por não saber o significado da palavra DANGER, inscrita na pesada máquina fresadora com tambor, usada na recuperação de pavimentos aeroportuários, que o trabalhador, um mecânico de máquinas pesadas, se acidentou gravemente e veio a falecer com perfuração nos pulmões. Ele estava efetuando reparos na parte inferior do equipamento quando o sistema hidráulico se despressurizou e a máquina tombou sobre o corpo dele, prensando-o.
O espólio do trabalhador pediu na Justiça indenizações por danos morais e materiais pela perda do pai e marido, orientador e provedor do lar. Pedidos esses julgados improcedentes pelo juiz de 1º Grau, que concluiu pela culpa exclusiva do empregado no acidente. Dessa conclusão discordou o juiz relator convocado, no que foi acompanhado, unanimemente, pelos demais julgadores da 8ª Turma do TRT de Minas.
Embora afastando a tese da responsabilidade objetiva, levantada pelo espólio, o relator considerou que houve, sim, culpa da empregadora, uma empresa de engenharia civil e pavimentação, para o evento trágico que vitimou o trabalhador. Ele lembrou que a Norma Regulamentar nº 9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), do Ministério do Trabalho, obriga as empresas à implantação de medidas de segurança e ao treinamento dos trabalhadores quanto aos procedimentos que assegurem a sua eficiência, além do dever de municiá-los de informações sobre eventuais limitações de proteção dos equipamentos.
De acordo com o magistrado, a empregadora não anexou ao processo qualquer documento que comprovasse a realização de treinamento pelo trabalhador para a manutenção da fresadora Wirtgen W-1900 ou para prevenção de acidentes de trabalho.
A conclusão pericial do instituto de criminalística, responsável pela verificação do local do acidente, foi no sentido de que o trabalhador estava debaixo do equipamento, assentado na roda esteira traseira, enquanto realizava a manutenção. Apurou ainda o perito que os sistemas de trava de segurança não foram utilizados, demonstrando com isso um ato inseguro do empregado ao entrar debaixo do veículo."Atenta contra a razoabilidade imaginar que o acidentado, caso estivesse ciente do que estava fazendo e do risco que corria, solicitaria ao seu auxiliar a soltura do equipamento que viria a lhe causar o óbito", espantou-se o juiz convocado ao confrontar os depoimentos colhidos no processo.
Reforçando a evidência da falta de treinamento e de orientação ao trabalhador, o relator observou, pela foto no laudo pericial, que a mensagem de alerta no maquinário no qual houve o acidente está escrita em inglês "DANGER". Da análise dos documentos trazidos ao processo, ele extraiu a informação de que o empregado falecido possuía o ensino fundamental incompleto, tendo frequentado a escola até a 4ª série do primeiro grau. "Dessa forma, não seria exigível do autor o conhecimento de que a palavra "DANGER" significa "PERIGO", haja vista ser fato público e notório que a língua inglesa não era ensinada no período em que ele frequentou a escola", pontuou.
O próprio preposto afirmou que não havia treinamento periódico para mecânicos na empresa e que a trava original da máquina havia sido substituída por outra a mando da ré. E não houve provas, segundo o relator, de que a nova trava fosse eficaz para oferecer segurança ao empregado. Além do que, essa trava ficava em poder do operador de máquinas, que estava ausente do local na hora do acidente. Daí concluiu o julgador que esses fatores acabaram atuando como concausas para a ocorrência do acidente.
Tudo isso levou o relator a reconhecer a responsabilidade exclusiva da empresa nos fatos que causaram o acidente de trabalho: "Não há se falar, portanto, em concorrência de culpa para o evento danoso, por que o acidente ocorrido com o falecido trabalhador foi resultado de uma série de condutas negligentes da ré", concluiu.
Considerando que o trabalhador faleceu aos 32 anos de idade, deixando esposa e dois filhos menores (um de 11, outro de 1 ano), a Turma arbitrou as condenações por danos material e moral em valores que, somados, chegam a R$647.528,80, valor esse a ser dividido entre os dependentes do empregado falecido."
Fonte: TRT 3ª Região
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