Maximiliano
Nagl Garcez
Advogado de entidades
sindicais em Brasília; Diretor para Assuntos Legislativos da ALAL – Associação
Latino-americana de Advogados
Laboralistas. max@advocaciagarcez.adv.br
1.
Conteúdo da Lei n. 12.740,
publicada em 10.12.2012
Foi publicada hoje no DOU a Lei Nº 12.740 (http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12740.htm), cujo conteúdo segue abaixo:
“Altera
o art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a fim de redefinir os critérios
para caracterização das atividades ou operações perigosas, e revoga a Lei nº
7.369, de 20 de setembro de 1985.
|
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço
saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada
pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
"Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da
regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por
sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de
exposição permanente do trabalhador a:
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades
profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
.........................................................................................................
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza
eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo."
(NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 8 de dezembro de 2012; 191º da Independência e 124º da
República.
DILMA
ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Carlos Daudt Brizola”
José Eduardo Cardozo
Carlos Daudt Brizola”
2.
Conteúdo da Lei n. 7.369, SUPOSTAMENTE
revogada pela Lei 12.740
O
conteúdo da Lei n. 7.369 é o seguinte:
“LEI No
7.369, DE 20 DE SETEMBRO DE 1985.
Institui
salário adicional para os empregados no setor de energia elétrica, em condições
de periculosidade.
O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O
empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de
periculosidade, tem direito a uma remuneração adicional de trinta por cento
sobre o salário que perceber. (Vide Decreto nº 92.212, de 1985)
Art. 2º
No prazo de noventa dias o Poder Executivo regulamentará a presente Lei,
especificando as atividades que se exercem em condições de periculosidade.
Art. 3º
Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º
Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília,
20 de setembro de 1985; 164º da Independência e 97º da República.
JOSÉ SARNEY
Aureliano Chaves”
Minha expressão “supostamente revogada” será discutida
no item 4 abaixo do presente artigo.
3. Importância da Lei n. 7.369
para os eletricitários
O art. 1º da Lei nº 7.369/85, que
regulamenta o adicional de periculosidade para os trabalhadores no setor de energia
elétrica, prevê:
"Art. 1º. O empregado que
exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade,
tem direito a uma remuneração adicional de 30% sobre o salário que
perceber."
A base de cálculo do adicional de
periculosidade para o eletricitário é distinta dos demais trabalhadores.
Para os trabalhadores em geral,
aplica-se como base de cálculo do adicional de periculosidade o § 1º do
art. 193 da CLT:
“§ 1º - O
trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de
30% (trinta por cento) sobre o salário
sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos
lucros da empresa. (Incluído pela Lei
nº 6.514, de 22.12.1977)”
Ou seja:
enquanto § 1º do art. 193 da CLT prevê que os trabalhadores em geral receberão
o adicional de periculosidade “sobre o salário”, a legislação específica aplicável à
categoria dos eletricitários refere-se ao
"salário que perceber".
Tal diferença é significativa, pois para o eletricitário o adicional
de periculosidade deve incidir sobre as verbas de natureza salarial e não
apenas sobre o salário-base do trabalhador.
A Súmula 191 do TST (Resolução nº
121 de 28.10.03 - DOU - 19.11.03)é clara quanto à importância de tal distinção:
"O adicional de periculosidade
incide apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido de outros
adicionais. Em relação aos eletricitários, o cálculo do adicional de
periculosidade deverá ser efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza
salarial." (grifei).
Cito também a Orientação
Jurisprudencial nº 279, da Seção Especializada em Dissídios Individuais n. 1 do
TST, que também demonstra a importância da Lei n. 7.369 para os eletricitários:
"Adicional de periculosidade. Eletricitários.
Base de cálculo. Lei nº 7369/1985, art. 1º. Interpretação. O adicional de
periculosidade dos eletricitários deverá ser calculado sobre o conjunto de
parcelas de natureza salarial."
Ou seja: a “suposta” revogação da
Lei n. 7.369 não pode ser admitida, por constituir um sério retrocesso para os
eletricitários e um estímulo à diminuição de investimentos pelos empregadores. Os
sindicatos de eletricitários nas diversas regiões de nosso país sabem dos
inúmeros e trágicos acidentes do trabalho e mortes por conta do sério risco (e
baixo investimento em prevenção) sofrido pelos eletricitários.
4. Da inconstitucionalidade da
revogação da Lei n. 7.369
Esta artigo será ainda objeto de uma
versão mais detalhada. De todo modo, meus 2 argumentos pela
inconstitucionalidade da revogação da Lei n. 7.369 são simples, diretos – e a
meu ver evidentes e irrefutáveis.
4.1.
Inconstitucionalidade por violação ao art. 7º, caput,
da CF
Prevê o caput do art. 7º da CF:
“são direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social
... “
Tal caput do art. 7º da Carta Magna prevê que o ordenamento jurídico é
composto de normas visando garantir ao trabalhadores uma melhoria de sua condição social. Por isso, considera-se inconstitucional
qualquer alteração legal que promova a redução ou a extinção de direitos
sociais.
Diversos juristas denominam tal
princípio de não retrocesso social. Cito em tal sentido o jurista português J.
J. Canotilho, respeitado constitucionalista, cuja defende tal princípio:
“O
princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de
retrocesso social.
A
idéia expressa também tem sido designada como proibição de “contra-revolução
social” ou da “evolução reaccionária”. Com isto que dizer-se que os direitos
sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência,
direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir,
simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. Desta
forma, e independentemente do problema “fáctico” da irreversibilidade das
conquistas sociais (existem crises, situações económicas difíceis, recessões
económicas), o princípio da análise justifica, pelo menos, a subtracção à livre
e oportunística disposição do legislador, da diminuição de direitos adquiridos
(ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara
violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no
âmbito económico, social e cultural (...). O reconhecimento desta protecção de
“direitos prestacionais de propriedade”, subjectivamente adquiridos, constitui
um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução
de uma política congruente com os direitos concretos e expectativas
subjectivamente alicerçadas. Esta proibição justificará a sanção de
inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da
chamada “justiça social” (assim, por ex., será inconstitucional uma lei que
reduza o âmbito dos cidadãos com direito a subsídio de desemprego e pretenda
alargar o tempo de trabalho necessário para a aquisição do direito à reforma)
(...). De qualquer forma, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de
conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas
leis devem observar inquebrantavelmente os princípios do Estado de direito
vinculativos da actividade legislativa.”
(Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 1993, 6ª edição revisada,
pp. 468/469)
O princípio do não retrocesso social, contido no caput do art. 7º., é também reforçado
pelos seguintes dispositivos constitucionais, que prevêem que a ordem
social tem como base o primado do trabalho digno e de qualidade, e como
objetivo o bem-estar e a justiça sociais:
- art. 5º,
inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social”
- art. 170:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função
social da propriedade;
- art. 193:
“A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais”.
4.2. Art. 7º., XXIII, da
Constituição Federal
O direito ao adicional de Periculosidade está previsto
constitucionalmente, e com base na remuneração (mais ampla que o salário),
conforme consta no artigo 7º, inciso XXIII da CF:
“Artigo 7º.... XXIII - Adicional
de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da
lei;”
Lamentavelmente, tal
dispositivo até hoje não foi regulamentado. E não poderia uma Lei
flagrantemente violar tal dispositivo, retrocedendo na base de cálculo do
adicional de periculosidade do eletricitário, não só deixando de aplicar como
critério a “remuneração”, mas aplicando somente o salário, sem as demais
parcelas salariais.
5.
Conclusão
Por conseguinte, concluo que:
- a Lei n. 12.740, apesar de trazer avanços no que tange a diversas
categorias, constitui um sério
retrocesso aos direitos dos eletricitários;
- tal retrocesso é inconstitucional, e assim deve ser interpretado pelos
Tribunais;
- é necessário ajuizar com urgência uma ADIN pelas centrais sindicais e
partidos políticos, visando declarar imediatamente tal inconstitucionalidade;
- convém também que o Congresso Nacional corrija tal equívoco, devendo
ser apresentado por deputados e Senadores ligados aos trabalhadores PL que sane
tal injustiça.
P.S. O presente artigo será objeto de versão ampliada, a ser divulgada
nos próximos dias.
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