terça-feira, 29 de março de 2011

“Governistas atropelam regimento para rever o tratado de Itaipu” (Fonte: Valor Econômico)


“Autor(es): Caio Junqueira e André Borges | De Brasília


O governo manobrou o regimento da Câmara dos Deputados para conseguir votar amanhã a revisão do tratado de Itaipu, que aumenta de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões o montante anual a ser repassado pelo Brasil ao Paraguai, decorrente do acordo energético entre os dois países.
O projeto de decreto legislativo que trata do assunto entrou em regime de urgência na semana passada sem que tenha sido apreciado qualquer relatório das quatro comissões permanentes em que ele se encontrava: Finanças e Tributação, Relações Exteriores, Minas e Energia e Constituição e Justiça. Tampouco foi constituída a comissão especial designada pelo então presidente da Câmara, hoje vice-presidente, Michel Temer (PMDB). Em novembro de 2010, ele criou essa comissão, pelo fato de mais três comissões estarem tratando do assunto.
O governo alega que o artigo 155 do regimento permite a inclusão imediata na ordem do dia proposição "que verse sobre matéria de relevante e inadiável interesse nacional", muito embora o artigo 152, que também trata de regime de urgência, estabeleça que não podem ser dispensados os pareceres das comissões ou de relator designado.
O Palácio do Planalto, porém, tem pressa nessa votação para evitar indisposições da presidente Dilma Rousseff com o Paraguai. Sua primeira visita ao país vizinho estava prevista inicialmente para sábado, quando foram celebrados os 20 anos da assinatura do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul. Como seria cobrada no país vizinho pelo fato de o Congresso Nacional ainda não ter aprovado a revisão do acordo assinado em 2009 entre o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma desistiu dessa viagem. Exigiu, contudo, que pelo menos a Câmara o aprove até maio, quando pretende estar em Assunção para celebrar o bicentenário da independência paraguaia. Deslocou, então, o assessor especial Marco Aurélio Garcia para uma conversa com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que assegurou a votação amanhã.
"Ele vai colocar em pauta e a oposição vai obstruir. Somos radicalmente contra. Não vamos aceitar dar bilhões de reais graciosamente ao Paraguai às custas do Tesouro", disse o líder do DEM, ACM Neto (BA).
Uma das principais defensoras do acordo no Congresso Nacional, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) contesta a oposição. "A matéria está parada desde setembro de 2009. Esse tratado passou por uma negociação inclusive com os mais de 300 mil brasileiros que vivem no Paraguai", diz.
Segundo ela, o impacto nas contas dos brasileiros do aumento da energia paga ao Paraguai é residual: 0,01%. "É um tratado importantíssimo, que mostra a boa vontade com o Mercosul e com um país vizinho e contíguo ao nosso", diz.
O reajuste no contrato cobrado pelo Paraguai se baseia no argumento de que o Brasil estaria, já há alguns anos, repassando a seu sócio de Itaipu um valor defasado pelo uso da energia da maior hidrelétrica do planeta. Essa versão é categoricamente rebatida pelo Instituto Acende Brasil, centro de estudos especializado no setor elétrico.
Estudos elaborados pelo instituto, com base em dados de 2009, apontam que o Paraguai desembolsou US$ 203 milhões para usar 8% da energia gerada por Itaipu, o que equivale a 7 mil GWh. No mesmo ano, porém, segundo o Acende Brasil, o Paraguai arrecadou US$ 315 milhões de Itaipu, entre repasses com rendimento de capital, royalties, encargos de administração e remessa por cessão de energia. "No fim do dia, isso significa que o Paraguai, que usou 8% da energia da usina, ainda teve uma receita de US$ 112 milhões", afirma Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.
O custo da energia gerada por Itaipu também já é diferenciado entre os dois países. Em 2009, o Brasil pagou US$ 38 por MWh, taxa que para o Paraguai ficou em US$ 27,7. A demanda agora feita pelo país vizinho - que multiplica um repasse de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões - diz respeito à chamada "remuneração por cessão de energia".
Caso o acordo seja firmado, comenta Sales, o governo brasileiro vai concordar em desembolsar um total de R$ 3,1 bilhões até 2023 - ano de quitação da dívida da usina -, quando os termos financeiros do tratado poderão ser repactuados. "A realidade é que em 2023 o Paraguai vai herdar 50% de uma usina de US$ 30 bilhões, tendo lucrado durante todo o período e sem ter feito nenhum investimento", diz Sales. "Por tudo isso, não faz o menor sentido cobrar um imposto adicional dos brasileiros para repassá-lo aos paraguaios."
A construção da usina de Itaipu teve início em 1975. Em 1982, foram concluídas as obras da barragem da hidrelétrica. A primeira unidade geradora de energia entrou em operação em 1984, com sucessivas implementações nos anos seguintes, chegando a 2007 com 20 turbinas em operação.
O instituto Acende Brasil calcula que, na última década, as intervenções de países vizinhos no setor elétrico que contaram com a anuência do governo brasileiro já custaram R$ 6,7 bilhões a contribuintes e consumidores do país.”


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