sexta-feira, 11 de março de 2011

“Fraude do diploma em apuração” (Fonte: Correio Braziliense)


Autor(es): Saulo Araújo

Após denúncia do Correio, MEC e MPF vão investigar quatro instituições suspeitas de vender certificados de pós-graduação a alunos que não frequentam as aulas


O Ministério Público Federal (MPF) vai instaurar, nos próximos dias, um procedimento administrativo para investigar as instituições de ensino superior suspeitas de venderem diplomas de pós-graduação a alunos que nunca estiveram em sala de aula. Na edição de ontem, o Correio mostrou, com exclusividade, como funciona o comércio clandestino de emissão de certificados nos institutos Centro de Capacitação Profissional (CAP) e no Núcleo de Ensino Superior de Brasília (Nesb), situados no Recanto das Emas e em Taguatinga Norte, respectivamente. A primeira instituição é ligada à Faculdade Darwin e a segunda, à Phênix. Nos dois estabelecimentos, desembolsando menos de 1,2 mil, é possível se tornar especialista numa área sem nunca ter passado pelas etapas de um curso regular.
A denúncia no MPF foi protocolada ontem pelo Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF (Sinproep/DF), com base na reportagem. O presidente da entidade sindical, Rodrigo de Paula Pereira, também comunicou a suposta fraude ao Ministério da Educação (MEC), que promete investigar o caso. O mais preocupante, na opinião do docente, é que existem indícios de que gestores de outras instituições estejam se valendo da mesma prática ilegal para lucrar. “Temos várias denúncias de faculdades e institutos vendendo diplomas. Têm de haver apuração e punição rigorosas para quem comete esse tipo de crime, porque a qualidade de ensino no DF fica comprometida”.
O procurador da República Peterson de Paula Pereira explicou que o responsável pelo processo no Ministério Público Federal deve analisar as denúncias e oficiar o MEC para a abertura de um procedimento de fiscalização sobre a Darwin e a Phênix, localizadas, respectivamente, no Areal e em Santo Antônio do Descoberto. O procurador lembrou, ainda, que o MPF pode pedir a entrada da Polícia Federal (PF) nas investigações, dependendo da gravidade da situação. “Se existir indício de crime, pode-se pedir a investigação da Polícia Federal. A denúncia foi protocolada hoje (ontem) e ainda não é possível saber quem será o procurador responsável pelo caso, mas o procedimento deve ser o de oficiar o MEC para que ele supervisione essas instituições”, disse Peterson.
Comprovação
O esquema foi comprovado pelo Correio durante contato com representantes do CAP e do Nesb. As faculdades são credenciadas pelo MEC. Diferentemente da última quarta-feira, quando a reportagem gravou a proprietária do Nesb, Edilene de Paula Cunha, pedindo R$ 1,1 mil para emitir o diploma de pós-graduação, ontem, as informações na secretaria do Nesb não continham nenhuma referência à Phênix.
No último dia 2, sem saber que falava com um jornalista, ela garantiu que, em apenas uma semana, liberaria o certificado de docência superior em nome da faculdade localizada em Santo Antônio do Descoberto. Na ocasião, sugeriu: “Se você vier na segunda (7), aí eu te entrego na outra segunda (14). A monografia vai vir em nome da Phênix”. Ontem, a conversa era outra. “Não tenho parceria com a Phênix. Estou negociando com uma faculdade de Goiás para me certificar, mas ainda não fechei nada. Como posso emitir certificado em nome da Phênix se eu não tenho relação nenhuma com ela?”, defendeu-se.
Contradição
A professora e empresária do ramo da educação negou as denúncias, mas caiu algumas vezes em contradição. Ela tentou desmentir que o Nesb oferece docência superior — solicitada pela reportagem no primeiro contato — mas, numa folha sobre o balcão de atendimento da entidade, constavam os detalhes do curso, inclusive os preços.
Na conversa do dia 2, Edilene também disse que o interessado não precisaria fazer trabalho final. Bastava levar a monografia do curso de graduação e mudar a capa, substituindo o nome da faculdade onde foi feito o fictício curso de pedagogia pela frase: “Pós-graduação em docência do ensino superior. Faculdade Phênix”. Edilene ainda se dispôs a fazer o resumo da monografia e transformá-la num artigo de pós. “Não precisa encadernar nada. A gente muda a capinha. Só manda o CD que a gente resume aqui”.
Na tarde de ontem, desmentiu os diálogos, que foram registrados, e elaborou sua defesa com base na conduta dos alunos que não participaram da suposta fraude. “Eu convido o Correio a assistir como funciona. Para pegar o diploma, o aluno tem que defender um artigo em, no máximo, cinco laudas. A monografia, pelo que eu entendo, é um trabalho científico impossível de ser resumido. Além disso, ele tem que fazer a apresentação em slides. É impossível passar por cima desse processo porque a faculdade que emite o diploma vai querer saber se essas etapas foram cumpridas”, alegou. A reportagem também procurou a Phênix, mas a entidade passou o dia fechada.
Documento entregue ao procurador cita reportagem do Correio

Regras claras
A Resolução nº 1 do MEC, de junho de 2007, estabelece em seu artigo 7º que a instituição responsável pelo curso de pós-graduação deve expedir o certificado a que “farão jus os alunos que tiverem obtido aproveitamento, sendo obrigatório, nos cursos presenciais, pelo menos, 75% de frequência”. Já o artigo 5º determina que os cursos devem ter carga mínima de 360 horas. O mesmo texto diz que, obrigatoriamente, o aluno deve realizar, individualmente, monografia ou trabalho de conclusão de curso. Os três exemplos não são cumpridos no Nesb e no CAP.
Nada lembra uma escola

No CAP, existe uma sala de aula. Demais espaços servem de moradia
Das quatro entidades citadas na reportagem (Darwin, Phênix, CAP e Nesb), apenas a última estava com as portas abertas ontem. No CAP, localizado no Recanto das Emas, nem o dono, professor Joaquim de Paula Filho, nem a funcionária Helen, que mediou o negócio fraudulento na última quarta-feira, estavam presentes. Mesmo assim, a movimentação de pessoas no prédio onde são ministradas as aulas de pelo menos oito cursos de pós-graduação era intensa. E existia um motivo para isso. É que no edifício, as salas de aula são ocupadas por famílias que alugaram os espaços. Em cada porta existe a numeração das salas de estudo, mas, ao bater em uma delas, quem atende é uma senhora com dois filhos, que prepara o almoço. O único cômodo com carteiras que lembra um ambiente de estudo fica nos fundos do prédio e tem pouco mais de 20 metros. Chama a atenção um tanque de lavar roupa no espaço onde cerca de 100 alunos de turmas diferentes assistem às aulas.
Na Phênix, as instalações aparentam não ser adequadas para receber candidatos a um certificado de pós-graduação. Uma ex-aluna desistiu do curso de filosofia no segundo semestre por considerar o ensino de baixa qualidade. “Não existe comprometimento nenhum dos donos. Poucos professores são capacitados e as instalações são péssimas. Nem de longe lembra uma faculdade”, disse.
Se você vier na segunda (7), aí eu te entrego na outra segunda (14). A monografia vai vir em nome da Phênix." Edilene Cunha, dona do Nesb, no último dia 2

Facilidades
A jovem confirmou já ter ouvido colegas e funcionários comentando nos corredores da faculdade localizada em Santo Antônio do Descoberto as facilidades de se obter um diploma sem estudar. “Já ouvi falar algumas vezes de venda de diploma, mas não sei os detalhes de como funcionava esse esquema. Também não duvido que eles fazem isso”, relatou a ex-estudante da Phênix.
Na Darwin, localizada no Areal, bairro de Águas Claras, os funcionários foram dispensados do expediente ontem. No mesmo terreno da faculdade, funciona uma igreja da Assembleia de Deus. Tanto o templo religioso quanto o estabelecimento de ensino pertencem a José Marcelino da Silva. Na quarta-feira última, por telefone, ele garantiu que iria avaliar as denúncias e, se necessário, romper o contrato com o CAP, mas ontem ele não foi encontrado para comentar o episódio. Atualmente, todos os certificados emitidos pela CAP são em nome da Darwin.”


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