segunda-feira, 10 de junho de 2013

CCJ debate a terceirização sem limites - Ameaças do PL 4330 aos trabalhadores, aos sindicatos à sociedade e à democracia

Maximiliano Nagl Garcez
Advogado de trabalhadores e entidades sindicais e consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Parlamentares da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Ex-Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School. Email: max@advocaciagarcez.adv.br. 
A Constituição Federal de 1988 se configura como impedimento à eliminação e limitação do direitos trabalhistas e sindicais, proposta pelo PL 4330, de 2004, seja sob o nome de “terceirização” (em sua versão original) quanto na regulamentação da “prestação de serviços” (no também precarizante Substitutivo proposto na Comissão Especial).
Está em pauta na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados desta semana o PL 4330, que significa uma séria ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos, à sociedade e à democracia.
Veremos a seguir que é evidente a inconstitucionalidade, injustiça e inconveniência de tais propostas.
1.  PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A principal inconstitucionalidade das propostas reside no princípio da igualdade, contido no art. 5º., caput, da Constituição Federal. Está inserido  no rol dos direitos fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não estão afetos a restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem ser limitados pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação, efetivação ou exercício desses direitos.
Vejamos a redação do caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (...) negritamos
Ao prever uma esfera de direitos ao terceirizado muito inferior ao trabalhador contratado diretamente pela empresa tomadora, há flagrante violação ao princípio da isonomia. A jurisprudência do E. STF demonstra que a proposição, caso venha a ser transformada em lei (o que, diga-se de passagem, consideramos altamente indesejável, ante sua completa inadequação com nosso ordenamento jurídico), seria considerada manifestamente inconstitucional: O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição  destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.” (STF - MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJ de 19-4-1991.) negritamos
E o STF possui até mesmo julgado tratando exatamente da aplicação do art. 5º., caput, da CF às relações de trabalho, afirmando que “nosso sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador”, o que mostra sem sombra de dúvidas a flagrante inconstitucionalidade das proposições: “Estabelece a Constituição em vigor, reproduzindo nossa tradição constitucional, no art. 5º, caput (...). (...) De outra parte, no que concerne aos direitos sociais, nosso sistema veda, no inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, qualquer discriminação decorrente – além, evidentemente, da nacionalidade – de sexo, idade, cor ou estado civil. Dessa maneira, nosso sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador. No que concerne ao estrangeiro, quando a Constituição quis limitar-lhe o acesso a algum direito, expressamente estipulou. (...) Mas o princípio do nosso sistema é o da igualdade de tratamento. Em consequência, não pode uma empresa, no Brasil, seja nacional ou estrangeira, desde que funcione, opere em território nacional, estabelecer discriminação decorrente de nacionalidade para seus empregados, em regulamento de empresa, a tanto correspondendo o estatuto dos servidores da empresa, tão só pela circunstância de não ser um nacional francês. (...) Nosso sistema não admite esta forma de discriminação, quer em relação à empresa brasileira, quer em relação à empresa estrangeira.” (RE 161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Néri da Silveira, julgamento em 29-10-1996, Segunda Turma, DJ de 19-12-1997.) negritamos
O caput do art. 5º. deve ser interpretado em conjunto com os seguintes incisos do art. 3º. Da CF:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
A vedação do tratamento discriminatório na seara trabalhista, previsto não apenas no referido art. 5º. caput, mas também no art. 7º, XXXII da CF, xxxii, da Lei Maior), já foi utilizada pelo TST para aplicar os terceirizados os mesmos direitos do trabalhador contratado diretamente. Tal tratamento igualitário é rechaçado pelo PL 4330 e pelo Substitutivo, o que demonstra sua inconstitucionalidade:  “1. A teor da orientação jurisprudencial 383/SDI-I do TST, desempenhadas, pelo empregado contratado mediante empresa interposta, funções inerentes à atividade-fim do tomador dos serviços, a revelar quadro de terceirização ilícita, impõe-se, por aplicação analógica do art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74, forte no princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição da República), e na vedação do tratamento discriminatório (art. 7º, xxxii, da Lei Maior), o reconhecimento dos mesmos direitos assegurados aos empregados do tomador dos seus serviços que exerçam as mesmas funções, inclusive aqueles previstos nos instrumentos coletivos da respectiva categoria profissional”. (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR 126600-11.2009.5.03.0077; Terceira Turma; Relª Minª Rosa Maria Weber Candiota da Rosa; DEJT 17/06/2011; Pág. 992)
2.  VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O art. 1º da Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do trabalho, ao lado da dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente tutelados e como fundamento para a construção de um Estado Democrático de Direito:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”
A interpretação e a aplicação do Direito do Trabalho estão obrigatoriamente condicionadas aos princípios constitucionais de valorização do trabalho e do trabalhador como fator inerente à dignidade da pessoa humana. Ao se eleger a dignidade do ser humano como fundamento da República Federativa do Brasil, constitucionalizam-se os princípios do direito laboral, com força e imperatividade aptas a conferir ao trabalho e ao trabalhador, o significado de sustentação do próprio sistema da nação brasileira. Tal proceder efetiva o Estado democrático de Direito, fazendo com que os objetivos políticos decididos pela Constituição sejam atingidos por meio de todo o ordenamento jurídico.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, traz também em seu preâmbulo o direito à dignidade como direito absoluto do homem. E a dignidade do trabalho foi elevada a direito absoluto do homem e do cidadão, conforme o artigo 14 da Declaração Americana do Direito e Deveres do Homem.
A proteção da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho impede que qualquer norma que a viole (como tenta fazer o PL 4330) seja considera constitucional. Tal princípio impede  qualquer atitude ou norma que diminua o status da pessoa humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade. O tratamento dado ao terceirizado no PL 4330 e no Substitutivo da Comissão Especial e do Deputado Arthur Maia, visto somente como um mero fator de produção, viola frontalmente tais princípios contidos no art. 1º. da Carta Magna.
A luta pelo respeito à integridade do trabalhador visa também lembrar à sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar do documento jurídico/político que é a Constituição. O contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos corrobora a abordagem supracitada, nos seguintes termos:
"Art. 1º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade."
"Art. 7º Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, à igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação."
"Art. 23º-1- Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego."
3.  DA ULTRAJANTE POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE TODA ATIVIDADE EMPRESARIAL NO PL E NO SUBSTITUTIVO 
Prevê o art. 2º do Substitutivo: “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a empresa especializada que presta à contratante serviços determinados e específicos.”
Não há qualquer critério previsto no Projeto para afirmar se um objeto social é específico ou genérico.
A proposta tem como objetivo acabar com a discussão atividade-fim e atividade-meio.
A diferenciação atividade-fim e atividade-meio serve como um limite claro à terceirização, e tem permitido coibir tal prática por meio da Justiça do Trabalho.  A análise da atividade-fim é voltada à atuação da empresa tomadora de serviços.
Já o Substitutivo tira totalmente o foco da empresa tomadora de serviços, ao propor um novo parâmetro: objeto social específico/objeto social genérico.   Específico é ainda mais genérico e vazio do que atividade-fim. O que seriam serviços indeterminados? Quem contrata a e paga algo indeterminado?
Vejamos os parágrafos 1º. e 2º. do  art. 2º :
“§ 1º A empresa prestadora de serviços deverá ter objeto social único, sendo permitido mais de um objeto apenas quando se tratar de atividades correlatas.
§ 2º A empresa prestadora de serviços é responsável pelo planejamento e pela execução dos serviços, nos termos previstos no contrato entre as partes.”
Se aprovado o PL, já não há limite para o que a empresa tomadora de serviços pode terceirizar.
A análise passa a ser somente para que tipos de serviços a empresa prestadora pode oferecer (qualquer um, desde que relativo a um objeto social específico – e ainda com a porta para atividades correlatas).
Ou seja: a empresa tomadora de serviços pode se tornar apenas uma administradora do CNPJ da empresa, terceirizando todo e qualquer atividade. E o trabalhador terceirizado, segundo o PL e o Substitutivo do Deputado Arthur Maia, poderá ser quarteirizado, quinterizado – ou seja, transformado em uma mercadoria, o que vai contra o princípio que determinou a fundação da OIT, da qual participou o Brasil: “O trabalho não é uma mercadoria.”
4.  PL 4330 É CLARAMENTE ANTISSINDICAL - VIOLAÇÃO AO ART. 8º. DA CF
Prevê o art. 8º, caput, da CF:  
”É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria[1], inclusive em questões judiciais ou administrativas;
(...)
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;”
O PL 4330 e os Substitivos sob análise na prática significam que o empregador escolherá quais sindicatos representarão seus trabalhadores, em clara violação à liberdade sindical. Na prática, pretende a aniquilação do movimento sindical, que tem sido nas últimas décadas uma das principas forças-motrizes da democracia, da sociedade civil organizada e da resistência ao projeto autoritário-neoliberal. Por isso, significa também uma disfarçada Reforma Política, a fim de silenciar os trabalhadores e seus trabalhadores.
Os referidos dispositivos constitucionais seriam violados, caso fosse permitida a terceirização de atividade-fim. O TST já analisou de modo detalhado tal questão, em acórdão da SDI-1:
“PROCESSO Nº TST-E-RR-586341/1999.4  “De outro giro, a terceirização na esfera finalística das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da legislação trabalhista, como afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva. O caso dos autos é emblemático, na medida em que a empresa reclamada, atuante no setor de energia elétrica, estaria autorizada a terceirizar todas as suas atividades, quer na área fim, quer na área meio. Nessa hipótese, pergunta-se: a CELG, apesar de beneficiária final dos serviços prestados, ficaria totalmente protegida e isenta do cumprimento das normas coletivas pactuadas, por não mais responder pelas obrigações trabalhistas dos empregados vinculados aos intermediários? Não resta dúvida de que a consequência desse processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores. Todas essas questões estão em jogo e merecem especial reflexão.”
Convém destacar que o STF coloca a liberdade sindical como predicado do Estado Democrático de Direito: "A liberdade de associação, observada, relativamente às entidades sindicais, a base territorial mínima – a área de um Município –, é predicado do Estado Democrático de Direito. Recepção da Consolidação das Leis do Trabalho pela Carta da República de 1988, no que viabilizados o agrupamento de atividades profissionais e a dissociação, visando a formar sindicato específico." (RMS 24.069, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma, DJ de 24-6-2005.)
5.  ART. 170 E ART. 193 DA CF
Vejamos o contido nos arts. 170 e 193 da CF:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade;
(...)
VIII - busca do pleno emprego;
Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho e com objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
Tais dispositivos constitucionais servem também para demonstrar a inconstitucionalidade do PL 4330 e do Substitutivo, conforme o seguinte julgado do E. TST: “(…) É inviável o conhecimento dos recursos de revista por divergência dos arestos apresentados, pois a decisão recorrida está em consonância com a Súmula nº 331, I, do TST (art. 896, § 4º, da CLT e Súmula nº 333 do TST). O art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 não foi violado, pois não se pode concluir que, ao dispor que com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados, esteja autorizando a terceirização de serviços inerentes à atividade-fim das empresas de telecomunicações, sob pena de ferir o disposto no art. 170, caput, VIII, da Constituição da República, pois a intermediação de serviço em área-fim das empresas de telecomunicações, sem prévia definição em Lei, culminaria na desvalorização do trabalho humano e no comprometimento da busca do pleno emprego (…).” (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR 135400-67.2008.5.03.0140; Quarta Turma; Relª Minª Kátia Magalhães Arruda; DEJT 18/03/2011; Pág. 1048)
6.   Da necessidade de impor limites à terceirização
O fenômeno da terceirização é permitido por nosso ordenamento jurídico somente quanto ao trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de vigilantes (Lei 7.102/83) e de serviços de limpeza e conservação (conforme a Súmula 331 do TST).
Tal Súmula sabiamente considera ilegal a terceirização da atividade-fim da empresa. Ou seja, qualquer descentralização de atividades deverá estar restrita a serviços auxiliares e periféricos à atividade principal da empresa.
Uma adequada interpretação da Constituição Federal também permite colocar sérios limites ao fenômeno da terceirização, por meio da utilização dos princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade humana, como vimos acima.
7. Prejuízos aos trabalhadores e à sociedade. A terceirização sem limites, como proposta no PL 4330, gera:
a) a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, segundo o TST: “a terceirização na esfera finalística das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da legislação trabalhista, como afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva.(...). Não resta dúvida de que a consequência desse processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores.” (E-RR-586.341/1999.4);
b) baixos salários e o desrespeito aos direitos trabalhistas, com impactos negativos na economia, no consumo e na receita da Previdência Social e do FGTS (usado primordialmente para saneamento básico e habitação), com prejuízos a todos; nesse sentido, convém mencionar as sábias palavras do magistrado José Nilton Pandelot, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho: “Eu diria que a terceirização não é o futuro e sim a desgraça das relações de trabalho. Porque essa terceirização se estabelece na forma de precarização. Ela se desvia da sua finalidade principal. Não é para garantir a eficiência da empresa. É para reduzir o custo da mão-de-obra. Se ela é precarizadora, vai determinar uma redução da renda do trabalhador, vai diminuir o fomento à economia, diminuir a circulação de bens, porque vai reduzir o dinheiro injetado no mercado. Há um equívoco muito grande quando se pensa que a redução do valor da mão-de-obra beneficia de algum modo a economia. Quem compra, quem movimenta a economia são os trabalhadores. Eles têm que estar empregados e ganhar bem para os bens circularem no mercado. Pode não ser evitável, mas se continuar dessa forma, com uma terceirização que serve para a redução e a precarização da mão-de-obra, haverá um grande prejuízo à cidadania brasileira e à sociedade de um modo geral”;
c) precarização do trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de trabalho” pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados” (vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90);
d) aumento do número de acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores terceirizados, como já atestou o TST no julgado supracitado;
e) prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de energia, água e saneamento, que seriam fortamente afetados pela terceirização ilega;
f) prejuízos sociais profundos. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a existência de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda a sociedade, degradando o trabalho e corroendo as relações sociais: “Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
8. Conclusão.
Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitória e descartável. A luta contra a terceirização sem limites e sem proteção aos trabalhadores, como proposto no PL 4330,  deve também lembrar à sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal, e a necessidade de proteger a democracia, a coisa pública e a qualidade do serviços públicos, essenciais para o bem-estar da população.

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