Maximiliano Nagl Garcez
Advogado de trabalhadores e entidades sindicais e
consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Parlamentares da
Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas - ALAL. Mestre em Direito
das Relações Sociais pela UFPR. Ex-Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante
na Harvard Law School. Email:
max@advocaciagarcez.adv.br.
A Constituição Federal de
1988 se configura como impedimento à eliminação e limitação do direitos
trabalhistas e sindicais, proposta pelo PL 4330, de 2004, seja sob o nome de
“terceirização” (em sua versão original) quanto na regulamentação da “prestação
de serviços” (no também precarizante Substitutivo proposto na Comissão
Especial).
Está em pauta
na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados desta semana o PL
4330, que significa uma séria ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos, à
sociedade e à democracia.
Veremos a
seguir que é evidente a inconstitucionalidade, injustiça e inconveniência de tais
propostas.
1. PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A principal
inconstitucionalidade das propostas reside no princípio da igualdade, contido
no art. 5º., caput, da Constituição
Federal. Está
inserido no rol dos direitos
fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não estão afetos a
restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem ser limitados
pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação, efetivação ou
exercício desses direitos.
Vejamos a redação do caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:” (...) negritamos
Ao prever uma
esfera de direitos ao terceirizado muito inferior ao trabalhador contratado
diretamente pela empresa tomadora, há flagrante violação ao princípio da isonomia. A jurisprudência
do E. STF demonstra que a proposição, caso venha a ser transformada em lei (o
que, diga-se de passagem, consideramos altamente indesejável, ante sua completa
inadequação com nosso ordenamento jurídico), seria considerada manifestamente
inconstitucional: “O princípio da isonomia, que se
reveste de auto-aplicabilidade, não é –
enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de
regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja
observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder
Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações
e de extinguir privilégios (RDA 55/114),
sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o da igualdade perante a
lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente
abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua
formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela
ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei
já elaborada, traduz imposição destinada
aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão
subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A
eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal
por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade.” (STF - MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de
Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJ de 19-4-1991.) negritamos
E o STF possui
até mesmo julgado tratando exatamente da aplicação do art. 5º., caput, da CF às
relações de trabalho, afirmando que “nosso
sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas
que prestam serviços iguais a um empregador”, o que mostra sem sombra de
dúvidas a flagrante inconstitucionalidade das proposições: “Estabelece a Constituição em
vigor, reproduzindo nossa tradição constitucional, no art. 5º, caput (...). (...) De outra parte, no
que concerne aos direitos sociais, nosso sistema veda, no inciso XXX do art. 7º
da Constituição Federal, qualquer discriminação decorrente – além,
evidentemente, da nacionalidade – de sexo, idade, cor ou estado civil. Dessa maneira, nosso sistema constitucional
é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços
iguais a um empregador. No que concerne ao estrangeiro, quando a
Constituição quis limitar-lhe o acesso a algum direito, expressamente
estipulou. (...) Mas o princípio do
nosso sistema é o da igualdade de tratamento. Em consequência, não pode uma
empresa, no Brasil, seja nacional ou estrangeira, desde que funcione, opere em
território nacional, estabelecer discriminação decorrente de nacionalidade para
seus empregados, em regulamento de empresa, a tanto correspondendo o estatuto
dos servidores da empresa, tão só pela circunstância de não ser um nacional
francês. (...) Nosso sistema não admite esta forma de discriminação, quer em
relação à empresa brasileira, quer em relação à empresa estrangeira.” (RE
161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Néri da Silveira,
julgamento em 29-10-1996, Segunda Turma, DJ
de 19-12-1997.) negritamos
O caput do
art. 5º. deve ser interpretado em conjunto com os seguintes incisos do art. 3º.
Da CF:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil:
I -
construir uma sociedade livre, justa e solidária;
III -
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
A vedação do
tratamento discriminatório na seara trabalhista, previsto não apenas no
referido art. 5º. caput, mas também no art. 7º, XXXII da CF, xxxii, da Lei
Maior), já foi utilizada pelo TST para aplicar os terceirizados os mesmos
direitos do trabalhador contratado diretamente. Tal tratamento igualitário é
rechaçado pelo PL 4330 e pelo Substitutivo, o que demonstra sua
inconstitucionalidade: “1. A teor da orientação jurisprudencial
383/SDI-I do TST, desempenhadas, pelo empregado contratado mediante empresa
interposta, funções inerentes à atividade-fim do tomador dos serviços, a
revelar quadro de terceirização ilícita, impõe-se, por aplicação analógica do
art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74, forte no princípio da isonomia (art. 5º,
caput, da Constituição da República), e na vedação do tratamento
discriminatório (art. 7º, xxxii, da Lei Maior), o reconhecimento dos mesmos
direitos assegurados aos empregados do tomador dos seus serviços que exerçam as
mesmas funções, inclusive aqueles previstos nos instrumentos coletivos da
respectiva categoria profissional”. (Tribunal
Superior do Trabalho TST; RR 126600-11.2009.5.03.0077; Terceira Turma; Relª
Minª Rosa Maria Weber Candiota da Rosa; DEJT 17/06/2011; Pág. 992)
2. VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
O art. 1º da
Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do trabalho, ao lado da
dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente tutelados e como fundamento
para a construção de um Estado Democrático de Direito:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
III - a
dignidade da pessoa humana;
IV - os valores
sociais do trabalho e da livre
iniciativa.”
A
interpretação e a aplicação do Direito do Trabalho estão obrigatoriamente
condicionadas aos princípios constitucionais de valorização do trabalho e do
trabalhador como fator inerente à dignidade da pessoa humana. Ao se eleger a
dignidade do ser humano como fundamento da República Federativa do Brasil,
constitucionalizam-se os princípios do direito laboral, com força e
imperatividade aptas a conferir ao trabalho e ao trabalhador, o significado de
sustentação do próprio sistema da nação brasileira. Tal proceder efetiva o
Estado democrático de Direito, fazendo com que os objetivos políticos decididos
pela Constituição sejam atingidos por meio de todo o ordenamento jurídico.
A
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, traz também em
seu preâmbulo o direito à dignidade como direito absoluto do homem. E a dignidade
do trabalho foi elevada a direito absoluto do homem e do cidadão, conforme o artigo
14 da Declaração Americana do Direito e Deveres do Homem.
A proteção da dignidade da pessoa humana e do valor
social do trabalho impede que qualquer norma que a viole (como tenta fazer o PL
4330) seja considera constitucional. Tal princípio impede qualquer atitude ou norma que diminua o status da pessoa humana enquanto indivíduo,
cidadão e membro da comunidade. O tratamento dado ao terceirizado no PL 4330 e
no Substitutivo da Comissão Especial e do Deputado Arthur Maia, visto somente como
um mero fator de produção, viola frontalmente tais princípios contidos no art.
1º. da Carta Magna.
A luta pelo
respeito à integridade do trabalhador visa também lembrar à sociedade os
princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria
fez constar do documento jurídico/político que é a Constituição. O contido na
Declaração Universal dos Direitos Humanos corrobora a abordagem supracitada,
nos seguintes termos:
"Art. 1º Todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade."
"Art. 7º Todos são iguais
perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, à igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação."
"Art. 23º-1- Todo homem tem
direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego."
3. DA ULTRAJANTE POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO
DE TODA ATIVIDADE EMPRESARIAL NO PL E NO SUBSTITUTIVO
Prevê o art.
2º do Substitutivo: “Empresa prestadora de serviços a terceiros é a empresa especializada
que presta à contratante serviços determinados e específicos.”
Não há
qualquer critério previsto no Projeto para afirmar se um objeto social é específico ou genérico.
A proposta tem
como objetivo acabar com a discussão atividade-fim e atividade-meio.
A
diferenciação atividade-fim e
atividade-meio serve como um limite claro à terceirização, e tem permitido
coibir tal prática por meio da Justiça do Trabalho. A análise da atividade-fim é voltada à
atuação da empresa tomadora de serviços.
Já o
Substitutivo tira totalmente o foco da empresa tomadora de serviços, ao propor
um novo parâmetro: objeto social específico/objeto social genérico. Específico é ainda mais genérico e vazio do
que atividade-fim. O que seriam serviços indeterminados? Quem contrata a e paga
algo indeterminado?
Vejamos os
parágrafos 1º. e 2º. do art. 2º :
“§ 1º A empresa prestadora de
serviços deverá ter objeto social único, sendo permitido mais de um objeto
apenas quando se tratar de atividades correlatas.
§ 2º A empresa prestadora de
serviços é responsável pelo planejamento e pela execução dos serviços, nos
termos previstos no contrato entre as partes.”
Se aprovado o PL, já não há limite para o que a empresa tomadora de serviços pode
terceirizar.
A análise
passa a ser somente para que tipos de serviços a empresa prestadora pode oferecer (qualquer um, desde que relativo
a um objeto social específico – e ainda com a porta para atividades correlatas).
Ou seja: a empresa tomadora de serviços pode se tornar
apenas uma administradora do CNPJ da
empresa, terceirizando todo e qualquer atividade. E
o trabalhador terceirizado, segundo o PL e o Substitutivo do Deputado Arthur
Maia, poderá ser quarteirizado, quinterizado – ou seja, transformado em uma mercadoria, o que vai contra o princípio
que determinou a fundação da OIT, da qual participou o Brasil: “O trabalho não é uma mercadoria.”
4. PL 4330 É CLARAMENTE ANTISSINDICAL - VIOLAÇÃO
AO ART. 8º. DA CF
Prevê o art. 8º, caput, da CF:
”É livre a associação
profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para
a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e
a intervenção na organização sindical;
II - é vedada a
criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa
de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou
empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III
- ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais
da categoria[1],
inclusive em questões judiciais ou administrativas;
VI - é
obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de
trabalho;”
O PL 4330 e os Substitivos sob análise na prática
significam que o empregador escolherá quais sindicatos representarão seus
trabalhadores, em clara violação à liberdade sindical. Na prática, pretende a
aniquilação do movimento sindical, que tem sido nas últimas décadas uma das
principas forças-motrizes da democracia, da sociedade civil organizada e da
resistência ao projeto autoritário-neoliberal. Por isso, significa também uma
disfarçada Reforma Política, a fim de
silenciar os trabalhadores e seus trabalhadores.
Os referidos
dispositivos constitucionais seriam violados, caso fosse permitida a
terceirização de atividade-fim. O TST já analisou de modo detalhado tal
questão, em acórdão da SDI-1:
“PROCESSO Nº
TST-E-RR-586341/1999.4 “De outro giro, a terceirização
na esfera finalística das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da
legislação trabalhista, como afirmado, traria
consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação
coletiva. O caso dos autos é emblemático, na medida em que a empresa
reclamada, atuante no setor de energia elétrica, estaria autorizada a
terceirizar todas as suas atividades, quer na área fim, quer na área meio.
Nessa hipótese, pergunta-se: a CELG, apesar de beneficiária final dos serviços
prestados, ficaria totalmente protegida e isenta do cumprimento das normas
coletivas pactuadas, por não mais responder pelas obrigações trabalhistas dos
empregados vinculados aos intermediários? Não resta dúvida de que a consequência desse processo seria,
naturalmente, o enfraquecimento da categoria profissional dos
eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico
e da consequente multiplicação do número de empregadores. Todas essas questões
estão em jogo e merecem especial reflexão.”
Convém destacar que o STF coloca a liberdade sindical como predicado do Estado Democrático de Direito:
"A liberdade de
associação, observada, relativamente às entidades sindicais, a base territorial
mínima – a área de um Município –, é predicado do Estado Democrático de
Direito. Recepção da
Consolidação das Leis do Trabalho pela Carta da República de 1988, no que
viabilizados o agrupamento de atividades profissionais e a dissociação, visando
a formar sindicato específico." (RMS 24.069, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma, DJ de 24-6-2005.)
5. ART. 170 E ART. 193 DA CF
Vejamos o contido nos arts. 170 e 193 da CF:
“Art. 170.
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III -
função social da propriedade;
(...)
VIII -
busca do pleno emprego;
Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho e com
objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
Tais
dispositivos constitucionais servem também para demonstrar a
inconstitucionalidade do PL 4330 e do Substitutivo, conforme o seguinte julgado
do E. TST: “(…) É
inviável o conhecimento dos recursos de revista por divergência dos arestos
apresentados, pois a decisão recorrida está em consonância com a Súmula nº 331,
I, do TST (art. 896, § 4º, da CLT e Súmula nº 333 do TST). O art. 94, II, da
Lei nº 9.472/97 não foi violado, pois não se pode concluir que, ao dispor que
com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou
complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados,
esteja autorizando a terceirização de serviços inerentes à atividade-fim das
empresas de telecomunicações, sob pena de ferir o disposto no art. 170, caput,
VIII, da Constituição da República, pois a intermediação de serviço em área-fim
das empresas de telecomunicações, sem prévia definição em Lei, culminaria na
desvalorização do trabalho humano e no comprometimento da busca do pleno
emprego (…).” (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR 135400-67.2008.5.03.0140;
Quarta Turma; Relª Minª Kátia Magalhães Arruda; DEJT 18/03/2011; Pág. 1048)
6. Da necessidade de impor limites à terceirização
O fenômeno da terceirização é permitido por nosso
ordenamento jurídico somente quanto ao trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de
vigilantes (Lei 7.102/83) e de serviços de limpeza e conservação (conforme a
Súmula 331 do TST).
Tal Súmula sabiamente considera ilegal a terceirização
da atividade-fim da empresa. Ou seja, qualquer descentralização de atividades
deverá estar restrita a serviços auxiliares e periféricos à atividade principal
da empresa.
Uma adequada interpretação da Constituição Federal
também permite colocar sérios limites ao fenômeno da terceirização, por meio da
utilização dos princípios constitucionais da valorização do trabalho e da
dignidade humana, como vimos acima.
7. Prejuízos aos trabalhadores e à sociedade. A
terceirização sem limites, como proposta no PL 4330, gera:
a) a destruição
da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores, segundo o
TST: “a terceirização na esfera finalística das empresas, além de atritar com o
eixo fundamental da legislação trabalhista, como afirmado, traria consequências
imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva.(...).
Não resta dúvida de que a consequência desse processo seria, naturalmente, o
enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao
setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores.” (E-RR-586.341/1999.4);
b) baixos
salários e o desrespeito aos direitos trabalhistas, com impactos negativos na economia, no consumo
e na receita da Previdência Social e do FGTS (usado
primordialmente para saneamento básico e habitação), com prejuízos a todos;
nesse sentido, convém mencionar as sábias palavras do magistrado José
Nilton Pandelot, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho: “Eu diria que a
terceirização não é o futuro e sim a desgraça das relações de trabalho. Porque
essa terceirização se estabelece na forma de precarização. Ela se desvia da sua
finalidade principal. Não é para garantir a eficiência da empresa. É para
reduzir o custo da mão-de-obra. Se ela é precarizadora, vai determinar uma
redução da renda do trabalhador, vai diminuir o fomento à economia, diminuir a
circulação de bens, porque vai reduzir o dinheiro injetado no mercado. Há um
equívoco muito grande quando se pensa que a redução do valor da mão-de-obra
beneficia de algum modo a economia. Quem compra, quem movimenta a economia são
os trabalhadores. Eles têm que estar empregados e ganhar bem para os bens
circularem no mercado. Pode não ser evitável, mas se continuar dessa forma, com
uma terceirização que serve para a redução e a precarização da mão-de-obra,
haverá um grande prejuízo à cidadania brasileira e à sociedade de um modo
geral”;
c) precarização
do trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de
trabalho” pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é
a demissão de trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados” (vide o
exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90);
d) aumento do
número de acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores terceirizados,
como já atestou o TST no julgado supracitado;
e) prejuízos
aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos
serviços prestados nas áreas de energia, água e saneamento, que seriam
fortamente afetados pela terceirização ilega;
f) prejuízos
sociais profundos. A ausência de um sistema adequado de
proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a existência de um
grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica
toda a sociedade, degradando o trabalho e corroendo as relações sociais: “Como
se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se
podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma
narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios
e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a
experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se
eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de
curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que
ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de
identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A
Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo.
Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
8. Conclusão.
Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de
mercado, transitória e descartável. A luta contra a terceirização sem limites e
sem proteção aos trabalhadores, como proposto no PL 4330, deve também lembrar à sociedade os princípios
fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar
do documento jurídico-político que é a Constituição Federal, e a necessidade de
proteger a democracia, a coisa pública e a qualidade do serviços públicos,
essenciais para o bem-estar da população.
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