segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Para Sérgio Nobre, sindicalismo está "limitado pela CLT" (Fonte: Rede Brasil Atual)

"São Paulo – O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, entende que passou da hora de promover ajustes na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada há 68 anos pelo governo de Getúlio Vargas. “A CLT, embora seja muito antiga, ainda cumpre um papel. Mas ela não dá conta das transformações que a economia do país e o processo de produção nas empresas estão sofrendo”, argumenta.
Nobre considera que o anteprojeto apresentado na sexta-feira (30) pela categoria ao ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, vai representar um grande avanço ao reconhecer os acordos coletivos fechados pelas representações sindicais diretamente com as direções das empresas. “O problema é que como esse modelo de representação está restrito a poucas categorias, o espaço de negociação que se tem no Brasil é estreito, muito pequeno”, afirma.
No cálculo do presidente de um dos maiores sindicatos do país, a aprovação no Congresso do Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico beneficiaria de imediato entre 200 e 300 empresas que possuem esta representação direta. No ABC paulista, berço da iniciativa, o Comitê Sindical de Empresa completou 30 anos. Ele aponta que se trata de uma visão diferente do sindicalismo, que não se restringe apenas à negociação salarial feita uma vez ao ano, mas a uma atuação constante em busca de melhorias para os trabalhadores.

RBA – Como surgiu a proposta?
Os metalúrgicos do ABC estão completando 30 anos de conquistas, de representação nas empresas. Essa conquista significou a superação do sindicalismo de data-base, aquele que negocia uma vez por ano e, no seu lugar, implementou a negociação permanente. Quando o sindicato está presente no local de trabalho, a negociação coletiva passa a ser permanente. O problema é que como esse modelo de representação está restrito a poucas categorias, o espaço de negociação que se tem no Brasil é estreito, muito pequeno, por conta da falta de representatividade dos sindicatos, sejam os de trabalhadores, sejam os de empresários, e a falta de cultura de diálogo que existe na sociedade.
Toda vez em que se remete alguma questão para a negociação coletiva, ou não se chega a um resultado ou se tem uma onda de soluções ruins para os trabalhadores, porque o lado mais forte impõe a sua vontade. E existe desequilíbrio muito grande de poder entre o empresário e o trabalhador. É por isso que o judiciário, o Estado brasileiro, restringe muito a negociação porque sabe que o trabalhador é o elo mais frágil. Quando o sindicato entra na fábrica e se organiza, ele equilibra o poder e é esse equilíbrio possibilita negociação coletiva de fato. Mas a gente concorda que isso só existe em poucas categorias.
RBA – Qual é a crítica à legislação trabalhista?
O Brasil tem uma economia forte e um sindicalismo que avançou e tem necessidade de continuar avançando, mas está limitado por uma legislação trabalhista dos anos 1940, embora ela cumpra papel importante, porque nasceu para dar direitos fundamentais aos trabalhadores, como a seguridade social, férias, 13º salário. Isso foi lá nos anos 40 e, até hoje, para boa parte dos trabalhadores ainda é um desafio ter esses direitos, como carteira assinada. A CLT, embora seja muito antiga, ainda cumpre um papel. Mas ela não dá conta das transformações que a economia do país e o processo de produção nas empresas estão sofrendo. Todo acordo feito sem estar ancorado na CLT cria insegurança jurídica e uma possibilidade de passivo trabalhista para a empresa.
RBA - Dá para mencionar um exemplo de acordo invalidado pela Justiça?
Direito à amamentação, que a CLT garante nos primeiros seis meses de vida da criança, pelo qual a mãe tem, ao longo a jornada de trabalho, dois períodos de 30 minutos para amamentar. Isso está na lei. Só que esta lei é do tempo em que a mãe morava em frente à fábrica, era só atravessar a rua e pronto. Hoje a mãe trabalha em um município e mora em outro, e leva horas para chegar em casa. Então, a lei existe mas não tem efetividade, é inaplicável. Nós fechamos acordo coletivo adaptando essa lei, somamos essa meia hora e o que ela representa em termos de tempo ao longo de seis meses e transformamos em dia, resultando em 15 dias, e o período foi acrescentado à licença maternidade.
RBA - Existe grande número de ações por conta desses acordos?
Existem vários, porque o fiscal chega e autua porque os acordos não podem se sobrepor à lei. É isso que o projeto quer resolver. Você tem um sindicato representativo, tem uma demanda resolvida pela negociação, interessa à empresa, é aprovado por unanimidade pelos trabalhadores. É benéfico para os dois lados e aí chega um terceiro, o fiscal, que não tem nada com a relação, e diz que não pode, porque fere a lei, autua a empresa e impede o acordo. Olha a contradição, todo mundo reconhece que a negociação e o diálogo são o melhor caminho para solucionar, mas a lei proíbe. 
RBA - Mas a proposta está restrita a poucas categorias.
É restrito a poucas categorias porque a negociação coletiva não surte bons efeitos no ambiente que não tem tradição de negociação, onde existe desequilíbrio grande de poder entre empresário e trabalhador. Nesse caso, o empresário impõe sua vontade e acaba criando condições ruins, não é desejável.
RBA - Em que ambiente a negociação é boa?
A negociação é boa onde existe equilíbrio de poder. Por isso, o projeto impõe alguns critérios. A empresa tem de comprovar que respeita a organização sindical e que convive com o sindicato dentro da sua fábrica, aceita a representação sindical na sua empresa. O sindicato tem de comprovar que tem no seu estatuto a representação sindical no local de trabalho e que naquela empresa onde será firmado o acordo ele precisa ter 50% mais um de associados. Para ter maior liberdade de negociação, empresa e sindicato estão submetidos a essas condições.
RBA - O acordo abre brecha para os maus empresários e sindicatos?
Uma trava para evitar a má-fé e a necessidade de haver uma justificativa séria para a lavração do acordo, que é firmado e depositado na Delegacia Regional do Trabalho. Para fazer um acordo especial é preciso ter um motivo especial. E esse acordo precisa ser aprovado por 60% dos trabalhadores em escrutínio secreto. Esse é o mecanismo que impede a má-fé, e também nesse caso entra a fiscalização. No exemplos dados, são situacões específicas. O nome oficial é Acordo com Propósito Específico. 
RBA - Houve debate com a sociedade para elaboração do projeto?
O projeto nasceu de um debate muito amplo, foi aprimorado no sindicato, com seis centrais sindicais, empresários, sindicatos empresariais (CNI, Anfavea, Fiesp), acadêmicos, pesquisadores. Todo mundo que discute relação de trabalho no Brasil debateu esse projeto. Juízes, OAB, TST. Foram três anos de consulta e de debate. Vai tramitar como projeto do Executivo. Depende da leitura que vão fazer dele. Se tem impacto econômico o tramite é um, se nao tem, é outro.
RBA - Já que a CLT está defasada, não é o caso de revê-la no conjunto?
A CLT é antiga, mas ainda temos no Brasil trabalho escravo, há pouca representatividade sindical, seja de trabalhador ou de empresários, e a negociação coletiva precisa que os dois lados sejam representativos, tem que ter confiança, equilíbrio, e essa não é a realidade brasileira, apenas de algumas categorias. A CLT, apesar de seu atraso, ainda atende à realidade média brasileira. Mas há setores que se descolaram disso e precisam avançar. Se por conta da realidade brasileira for impedida a negociação, se impede qualquer avanço. Então, para aqueles que ainda não avançaram, a CLT, e para os que avançaram que haja uma liberdade maior para continuar avançando. 
RBA - O senhor acredita que o projeto será bem recebido pela sociedade?
Todo mundo entende a necessidade de projeto, todos têm interesse e sabem da sua relevância. Temos urgência de modernizar as relações do trabalho. Ninguém está cômodo com a ideia de que vamos nos tornar a quinta economia mundial com a existência de trabalho escravo. Isso é vergonhoso, e o Brasil precisa dar um sinal para a sociedade e para o mundo de que vai avançar. Não é só crescer e ganhar importância econômica, precisamos mexer nesse aspecto negativo, que é o atraso das relações de trabalho."


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