No caso, tanto o autor quanto a ré - Santa Rita Indústria de Autopeças Ltda. -, recorreram pontualmente da sentença que declarou prescritos pedidos decorrentes de acidente de trabalho, reverteu justa causa aplicada ao empregado e rejeitou os pleitos derivados de ofensas e tratamento degradante, além de danos morais pretendidos pelo trabalhador, decorrentes da dispensa considerada injusta.
O autor recorreu ao TRT inconformado, principalmente, com o indeferimento de indenização por discriminação racial, que teria sido praticada ao longo de oito anos de contrato de trabalho. Durante esse período, teria sido alvo de piadas e brincadeiras sobre negros, dirigidas, inclusive, por seu chefe imediato, figurando sempre na condição de protagonista, com o conhecimento e a inércia de seus superiores.
Assim não entendeu o juiz de 1º grau, para quem não houve um assédio específico contra o autor da ação. “Ora, se a empresa adota o racismo como prática usual, por que contrataria tantos negros? Apenas para poder humilhá-los posteriormente?”, indaga na sentença, por conta da constatação de que outros negros trabalhavam nas dependências da ré. Logo adiante, arremata: “Convenhamos que me parece uma 'teoria da conspiração' ou 'mania de perseguição'. (…) Além disso, o próprio autor também participava das rodas de piadas, contando-as, e os temas, ao contrário do que afirmou, eram variados, incluindo, sim, piadas de negros”.
Mas, para o juiz Manzi, não é porque a discriminação é leve ou generalizada que pode ser tolerada ou incentivada. “A leveza ou até o hábito pode afetar o balizamento da condenação, mas não excluir a ilicitude da conduta”, pondera.
E continua o relator: “O preconceito aniquila a dignidade e as capacidades humanas, ao nivelar sempre por baixo (depreciativamente), ao impedir a vítima tanto de mostrar suas potencialidades, quanto de vê-las reconhecidas, quando evidentes e exuberantes. O preconceito divide os seres humanos em patamares inexistentes, considerando-os, a priori, mais ou menos competentes, mais ou menos inteligentes ou capazes, mais ou menos honestos, mais ou menos responsáveis, mais ou menos fiéis, mais ou menos confiáveis etc”.
Manzi entendeu que a empresa não usou os seus poderes diretivo, hierárquico e disciplinar, para garantir um meio ambiente de trabalho sadio, que preservasse a saúde física e mental, a dignidade e a integridade moral do trabalhador. “Ao empregador incumbe zelar pela respeitabilidade, civilidade e decoro no ambiente de trabalho, como obrigações conexas do contrato de emprego, como fruto que encontra raízes em sua boa fé objetiva, que cria expectativas do contratado, mas também da própria sociedade, na medida que o contrato possui uma função social inafastável”, registra.
O relator cita a Constituição Federal – art. 3º, IV, e art. 5º, XLII – que proíbe a segregação e lembra que a preocupação com a não discriminação no emprego ganhou foro internacional, por meio da assinatura de vários tratados e convenções endossados pelo Brasil. Ele também cita a Lei nº 9.029/95, que veda qualquer prática discriminatória para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.
Por fim, mais uma constatação: “Empregado que é vítima constante de piadas e risinhos, por mais que se diga bonachão e tolerante, dirige-se à empresa com o mesmo ânimo do condenado ao cadafalso, com a agravante de que sua pena será repetida em todos os dias úteis de seu contrato. Não, lhe tirará a vida, mas a alegria de vivê-la, ao sujeitá-lo, de forma habitual, a situações humilhantes, constrangedoras, ridículas, vexatórias e discriminatórias”.
O recurso da empresa foi indeferido."
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