Palmeira (PR) – Quem compra um cigarro nestas primeiras décadas de século 21 tem plena consciência dos danos que produz à própria saúde e à de quem está ao redor. Poucos fumantes, no entanto, têm ideia de que são o elo final de uma cadeia produtiva repleta de problemas que vão da baixa renda à intoxicação dos trabalhadores por agrotóxicos, passando por uma estranha relação entre empresas e agricultores.
A Rede Brasil Atual aproveita o Dia Mundial sem Tabaco, neste 31 de maio, para chamar à reflexão sobre o assunto. Uma série de reportagens vai mostrar que o cigarro chega aos consumidores com um histórico de violações que ainda irão se somar ao risco de câncer de pulmão e a todas as enfermidades associadas à nicotina.
Produtores, pesquisadores e autoridades em Curitiba, Palmeira, São João do Triunfo, Fernandes Pinheiro e Rio Azul, no Paraná, foram visitados para registrar problemas ocultados nas bilionárias cifras movimentadas anualmente pelas corporações do setor. O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco, com cerca de US$ 700 milhões ao ano. A quase totalidade da produção está concentrada nos estados do Sul.
As empresas iniciaram a atuação pelo Rio Grande do Sul, tendo na sequência se espalhado por Santa Catarina e Paraná. Atualmente, há fumicultores em mais de 90% dos municípios gaúchos. Nos três estados, impera a mesma forma de produção, com 185 mil famílias envolvidas no plantio do fumo – a grande maioria é de pequenos e médios agricultores, com propriedades de no máximo 20 hectares.
"Quando pega período de colheita, é dia e noite, não tem hora", conta Vilmar Sergiki, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira. "Se chove, tudo o mais, tem que estar na lavoura." Uma das partes mais delicadas é a relação entre essas famílias e as empresas. Assina-se, a cada ano, um contrato de compra e venda que, na visão do Ministério Público do Trabalho, equivale a uma relação entre patrão e empregado. A diferença é que os agricultores não são registrados, não têm direito a férias nem 13º salário, e muito menos a afastamento em caso de doença.
"As empresas atuam em cartel", constata Margaret Ramos de Carvalho, procuradora do Trabalho no Paraná. "A relação é a mesma, não concorrem entre si. O produtor, ainda que mude de empresa, continua no mesmo sistema de integração. Ele está em condições análogas à de escravo, e compromete toda sua saúde", acusa.
A segunda e a terceira reportagens da série mostrarão como os trabalhadores ficam dependentes das empresas graças ao contrato, que estabelece uma venda em caráter de exclusividade em troca de sementes, agrotóxicos e equipamentos que são fornecidos em troca de uma dívida que sempre coloca o fumicultor em dificuldade. A intoxicação pelos defensivos agrícolas, por sinal, é comum nas lavouras e chega até a provocar sequelas graves, como perda de movimentos nas pernas em decorrência de exposição a essas substâncias.
Outro mal, a chamada doença da folha verde do tabaco, provoca sintomas como tonturas, náusea, diarreia, febre, perda de apetite e do sono. O simples contato com a folha molhada pode transferir ao organismo até nove miligramas de nicotina. Ao fim de um dia de trabalho na época de colheita, um produtor fica exposto a 54 miligramas, o equivalente a 36 cigarros.
A situação agrava-se diante de casos de trabalho infantil. Dados colhidos em 2007 pelo Ministério Público do Trabalho davam conta de que 75 mil crianças trabalhavam na cadeia do fumo no Paraná e em Santa Catarina. Desde então, é provável que o número tenha sido reduzido por políticas governamentais e por pressões sobre as empresas, mas ainda não deixou de existir. “O monitor (representante da empresa) falou que se vir criança trabalhando, faz vistas grossas”, confidenciou um produtor.
O trabalho infantil na cadeia do tabaco tem uma especificidade. São filhos dos próprios produtores que passam a ajudar os pais por conta da péssima renda obtida nesta produção, que inviabiliza a contratação de mão de obra. “É ruim, sobretudo na produção do fumo, é condenável, não podemos aceitar, mas não é por vontade do produtor que as crianças trabalham”, adverte Amadeu Bonatto, coordenador técnico do Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (Deser).
Um estudo do Deser mostrou que três em cada quatro famílias fumicultoras gostariam de migrar para outra cultura. “Estão esperando uma oportunidade. Eles dizem que seria tão bom se em vez de fumo produzissem alimentos para o país”, lembra Bonatto. O problema, como se verá na última reportagem da série, é que a porta de saída é muito mais estreita do que se imagina."
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A Rede Brasil Atual aproveita o Dia Mundial sem Tabaco, neste 31 de maio, para chamar à reflexão sobre o assunto. Uma série de reportagens vai mostrar que o cigarro chega aos consumidores com um histórico de violações que ainda irão se somar ao risco de câncer de pulmão e a todas as enfermidades associadas à nicotina.
Produtores, pesquisadores e autoridades em Curitiba, Palmeira, São João do Triunfo, Fernandes Pinheiro e Rio Azul, no Paraná, foram visitados para registrar problemas ocultados nas bilionárias cifras movimentadas anualmente pelas corporações do setor. O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco, com cerca de US$ 700 milhões ao ano. A quase totalidade da produção está concentrada nos estados do Sul.
As empresas iniciaram a atuação pelo Rio Grande do Sul, tendo na sequência se espalhado por Santa Catarina e Paraná. Atualmente, há fumicultores em mais de 90% dos municípios gaúchos. Nos três estados, impera a mesma forma de produção, com 185 mil famílias envolvidas no plantio do fumo – a grande maioria é de pequenos e médios agricultores, com propriedades de no máximo 20 hectares.
"Quando pega período de colheita, é dia e noite, não tem hora", conta Vilmar Sergiki, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palmeira. "Se chove, tudo o mais, tem que estar na lavoura." Uma das partes mais delicadas é a relação entre essas famílias e as empresas. Assina-se, a cada ano, um contrato de compra e venda que, na visão do Ministério Público do Trabalho, equivale a uma relação entre patrão e empregado. A diferença é que os agricultores não são registrados, não têm direito a férias nem 13º salário, e muito menos a afastamento em caso de doença.
"As empresas atuam em cartel", constata Margaret Ramos de Carvalho, procuradora do Trabalho no Paraná. "A relação é a mesma, não concorrem entre si. O produtor, ainda que mude de empresa, continua no mesmo sistema de integração. Ele está em condições análogas à de escravo, e compromete toda sua saúde", acusa.
A segunda e a terceira reportagens da série mostrarão como os trabalhadores ficam dependentes das empresas graças ao contrato, que estabelece uma venda em caráter de exclusividade em troca de sementes, agrotóxicos e equipamentos que são fornecidos em troca de uma dívida que sempre coloca o fumicultor em dificuldade. A intoxicação pelos defensivos agrícolas, por sinal, é comum nas lavouras e chega até a provocar sequelas graves, como perda de movimentos nas pernas em decorrência de exposição a essas substâncias.
Outro mal, a chamada doença da folha verde do tabaco, provoca sintomas como tonturas, náusea, diarreia, febre, perda de apetite e do sono. O simples contato com a folha molhada pode transferir ao organismo até nove miligramas de nicotina. Ao fim de um dia de trabalho na época de colheita, um produtor fica exposto a 54 miligramas, o equivalente a 36 cigarros.
A situação agrava-se diante de casos de trabalho infantil. Dados colhidos em 2007 pelo Ministério Público do Trabalho davam conta de que 75 mil crianças trabalhavam na cadeia do fumo no Paraná e em Santa Catarina. Desde então, é provável que o número tenha sido reduzido por políticas governamentais e por pressões sobre as empresas, mas ainda não deixou de existir. “O monitor (representante da empresa) falou que se vir criança trabalhando, faz vistas grossas”, confidenciou um produtor.
O trabalho infantil na cadeia do tabaco tem uma especificidade. São filhos dos próprios produtores que passam a ajudar os pais por conta da péssima renda obtida nesta produção, que inviabiliza a contratação de mão de obra. “É ruim, sobretudo na produção do fumo, é condenável, não podemos aceitar, mas não é por vontade do produtor que as crianças trabalham”, adverte Amadeu Bonatto, coordenador técnico do Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (Deser).
Um estudo do Deser mostrou que três em cada quatro famílias fumicultoras gostariam de migrar para outra cultura. “Estão esperando uma oportunidade. Eles dizem que seria tão bom se em vez de fumo produzissem alimentos para o país”, lembra Bonatto. O problema, como se verá na última reportagem da série, é que a porta de saída é muito mais estreita do que se imagina."
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