''É notória a realidade vivenciada por caminhoneiros brasileiros que, diante das exigências dos transportadores, precisam dirigir longas distâncias para entregar mercadorias no prazo estipulado e cumprir metas. Para tanto, esses trabalhadores cumprem jornadas extenuantes e muitas vezes fazem uso de medicamentos para evitar o sono, os popularmente conhecidos por "rebites".
Do outro lado desse cenário estão as empresas de transporte de carga rodoviária que adotam medidas para preservar o patrimônio material, inclusive investindo em tecnologia para fiscalizar e punir empregados que descumprem suas ordens. No entanto, desrespeitam a legislação que obriga o empregador a garantir condições de trabalho saudáveis e seguras para o trabalhador. A vida do ser humano, bem maior a ser protegido, fica relegada a segundo plano em prol do lucro.
É nesse contexto que muitos trabalhadores procuram a Justiça do Trabalho. O juiz Marcelo Paes Menezes, titular da Vara de Muriaé, analisou o caso de um motorista que para conseguir cumprir extensa jornada de trabalho tinha de ingerir medicamentos para ficar acordado. O trabalhador teve reconhecido o direito de receber, não apenas horas extras, como também indenização por danos morais. No entendimento do magistrado, o sofrimento moral ficou evidente, pois é presumível o constrangimento e tristeza do trabalhador diante desse quadro.
A própria testemunha da reclamada admitiu ter guiado, pelo menos uma vez, o veículo da empresa por 20 horas seguidas, descansando somente uma hora. Uma testemunha do autor confirmou a utilização dos denominados "rebites" para inibir o sono. "Ora, é claro que somente a utilização de medicamentos inibidores do sono permite tal façanha", ponderou o julgador. A conclusão alcançada foi a de que as condições de trabalho desumanas colocam em risco não apenas a saúde e a vida dos próprios trabalhadores, como também de todas as pessoas que trafegam nas rodovias brasileiras. A utilização de drogas faz parte da realidade dos motoristas e a empresa não poderia simplesmente alegar que não orientava a utilização de "rebites".
O juiz sentenciante se mostrou indignado diante dos fatos e da postura da empresa. "O desassombro da ré, no particular, é tão expressivo que não teve sequer o pudor de "esconder" que submete os seus motoristas a jornadas desumanas, tal como se passou com a testemunha. Somente uma crença muito grande na impunidade pode justificar condutas tais. A prática da ré, ao submeter o motorista a 20 horas consecutivas de jornada, configura, em tese, o crime de submeter alguém à condição análoga de escravo", registrou.
Considerando que a prática de utilização de medicamentos por motoristas da reclamada já havia sido reconhecida em outro processo, sem surtir qualquer efeito, o magistrado agravou a pena e deferiu ao reclamante indenização por danos morais no valor de R$80.000,00.''
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