Valor Econômico - 24/01/2012
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar a qualquer momento, após o fim do recesso forense, uma ação da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) contra a lista suja do trabalho escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O relator do processo no Supremo, ministro Carlos Ayres Britto, liberou o caso para julgamento no fim de novembro.
O cadastro de empregadores flagrados explorando mão de obra análoga à de escravos foi criado em 2004 pelo MTE, para combater esse tipo de prática. Atualmente, 294 empresas e pessoas físicas estão incluídas na lista - um número recorde desde a sua criação. Entre os infratores estão madeireiras, grupos sucroalcooleiros, construtoras e empresários. Inserido no cadastro, o infrator fica impedido de obter empréstimos em bancos públicos e passa a sofrer uma série de restrições comerciais. Segundo o ministério, a lista tem sido uma forma importante de combate ao trabalho escravo no Brasil.
Mas a medida desagradou a CNA. Na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) que tramita há quase oito anos, a entidade questiona a Portaria nº 540, editada em 15 de outubro de 2004 pelo Ministério do Trabalho para criar o cadastro. Para a confederação, a portaria fere o artigo 22 da Constituição Federal, segundo o qual a competência para legislar sobre direito do trabalho é exclusiva da União. O assunto demandaria a publicação de uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, ao invés de uma portaria ministerial.
Ao defender a lista no STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) irá argumentar que a portaria simplesmente regulamenta questões definidas em lei. Portanto, não haveria violação às regras da Constituição. "A Portaria 540 não estabelece punição para os empregadores responsáveis por reduzir trabalhadores à condição análoga à de escravo, tampouco confere ao ministro de Estado do Trabalho e Emprego competência para julgar imotivadamente quem quer que seja", diz a AGU. "Antes, limita-se a criar cadastro de empregadores faltosos."
Outro argumento da CNA é de que a lista suja violaria a presunção da inocência, ao incluir nomes de pessoas sem que haja um processo judicial prévio. A inclusão do nome no cadastro é feita depois de concluído um processo administrativo referente ao processo de fiscalização conduzido por auditores do trabalho.
Diversas empresas entraram com ações na Justiça dizendo que seus nomes só poderiam ser divulgados nessa lista após uma decisão judicial definitiva. "Embora o combate ao trabalho escravo tenha que ser feito, ninguém pode ser considerado culpado antes de decisão judicial transitada em julgado", diz o advogado trabalhista Daniel Chiode, do escritório Fleury Malheiros, Gasparini, De Cresci e Nogueira de Lima Advogados. Para ele, a portaria confere direitos excessivos aos auditores, abrindo margem para excessos e inclusões com motivações políticas ou econômicas. Os processos que correm na Justiça do Trabalho estão suspensos aguardando posicionamento do Supremo.
Diversas entidades pediram para serem incluídas na ação da CNA, para defender seus pontos de vista no STF. Uma delas é a Confederação Nacional do Comércio. As associações dos magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), dos procuradores da República (ANPR) e dos juízes federais do Brasil (Ajufe) defenderão a legalidade da portaria. Um dos argumentos é que o cadastro não pode ser considerado ilegal porque não cria direitos nem obrigações - teria caráter meramente informativo. "A lista somente torna público o resultado decorrente de processo administrativo com decisão final, e esses processos não são sigilosos", afirma o vice-presidente da Anamatra, Paulo Schmidt.
A Conectas Direitos Humanos, que também entrou como parte interessada na ação, argumenta que não é necessária uma decisão judicial definitiva para incluir um nome na lista suja do trabalho escravo. "As pessoas não vão parar nesse cadastro arbitrariamente", diz o advogado Oscar Vilhena, diretor da escola de direito da FGV em São Paulo, que atuou na defesa da Conectas. "E quando a Constituição diz que todos têm garantia à presunção da inocência, ela se limita ao processo penal. Mas essas pessoas não estão sendo punidas na esfera penal.""
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