"Da sentença do Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Paulínia recorreram as reclamadas BASF S.A. e SHELL BRASIL LTDA., condenadas ao pagamento de indenização de R$ 600 mil a trabalhador contaminado por produtos tóxicos e metais pesados no trabalho.
A relatora do acórdão da 6ª Câmara do TRT, desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann, reduziu o montante arbitrado a título de indenização por danos morais para R$ 300 mil, e ainda determinou que a incidência de juros de mora sobre a indenização por danos morais se dê a partir do ajuizamento da ação, além de excluir do decreto condenatório tanto o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais quanto o ressarcimento dos honorários contratuais, mantendo integral, no mais, o julgado de 1º grau.
A primeira reclamada (Basf), em recurso alegou, entre outros, a nulidade do julgado, por negativa de prestação jurisdicional, e defendeu que “é parte ilegítima para figurar no polo passivo da reclamatória”, além disso, segundo ela, “o laudo pericial produzido nos autos é nulo, diante da ausência de especialização e qualificação técnica da perita do Juízo”. Completou que “deve ser reconhecida a nulidade processual por cerceamento de defesa, pelo fato de lhe ter sido indeferida a juntada de provas documentais e ainda alegou prescrição total da pretensão do trabalhador. No mérito propriamente dito, a Basf negou a caracterização de nexo causal entre a moléstia do trabalhador e as atividades por ele desenvolvidas na empresa, e afirmou que “não teve qualquer culpa pelos problemas de saúde adquiridos pelo reclamante, de modo que pretende seja afastada sua condenação no pagamento das indenizações por danos materiais e morais”.
A segunda reclamada (Shell) também reforçou a tese de invalidade do laudo pericial, afirmando que a perita nomeada pelo Juízo “não detém o conhecimento necessário na área da toxicologia a autorizar sua atuação no presente processo”. Sustenta que a sentença é nula, “por incorrer em julgamento ultrapetita, pois a ora recorrente foi condenada no pagamento de ressarcimento de honorários advocatícios contratuais, sem que houvesse pedido do autor para tanto”. A Shell, a exemplo da Basf, também negou ser parte legítima para figurar no polo passivo da lide, e insistiu que “a pretensão do reclamante foi fulminada pela prescrição bienal trabalhista”. Por fim, alegou que não há nos autos prova robusta de que o trabalhador se encontra “doente ou incapacitado para o trabalho, nem mesmo prova de que as supostas patologias tenham nexo de causalidade com a contaminação constatada no ambiente laboral”, e que “não há justificativa legal para sua condenação solidária, eis que inexiste formação de grupo econômico entre as rés”, mas lembrou que “se houver que atribuir responsabilidade a alguém, esta deve ser atribuída apenas à primeira reclamada (Basf), por ter sido a empresa sucessora, nos termos dos artigos 10 e 448 da CLT”.
O acórdão não deu razão às reclamadas, especialmente no que se refere à nulidade processual e à invalidade do laudo pericial, ressaltando que um ofício enviado pelo Conselho Regional de Medicina, informou que “inexiste especialidade médica na área da toxicologia” e esclareceu que “o médico regularmente habilitado pode praticar qualquer ato médico para o qual se sinta perfeitamente apto, independentemente de sua especialização”. E concluiu que a perita é “da mais alta confiança do Juízo, sendo que suas informações, prestadas na qualidade de auxiliar da Justiça, são dotadas de fé pública” e que “o laudo elaborado pela expert encontra-se muito bem fundamentado e harmônico na correspondente conclusão, respaldado por vasta documentação, exames e literatura científica”.
Quanto à tese de cerceamento de defesa, o acórdão dispôs que “a manifestação da recorrente beira à má-fé”, isso porque pretendia “colacionar aos autos laudos periciais produzidos em outros processos, elaborados pela perita nomeada”, com o intuito de “demonstrar a suposta parcialidade da ilustre vistora, pois argumenta que todos os laudos confeccionados por ela são praticamente idênticos, carecendo da necessária atenção à situação particular de cada ex-empregados”. O acórdão ressaltou que é “evidente e natural haver semelhanças entre os laudos”, até porque “as circunstâncias fáticas que delineiam as citadas perícias são idênticas” e que “orbitam em torno do fato público e notório consistente na contaminação ambiental havida no parque fabril ‘Shell - Cyanamid - Basf’ na cidade de Paulínia, que afetou não só os trabalhadores que se ativaram naquele estabelecimento, mas também as pessoas domiciliadas próximas à fabrica”.
Quanto à ilegitimidade alegada por ambas as empresas, mais uma vez o acórdão salientou que o “inconformismo não prospera”, e ressaltou que a “legitimidade das rés decorre do fato de ser elas as possíveis responsáveis, caso sejam procedentes os pedidos, a suportar os efeitos da condenação”.
E ainda, quanto à prescrição, o acórdão esclareceu que “mesmo após o advento da EC nº 45/04, deve ser aplicado o prazo prescricional regulado pelo Direito Civil, nas causas que tratam de indenizações por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trabalho ou doença profissional”, e justificou que “o prazo prescricional aplicável não está relacionado à competência do órgão julgador, mas sim à natureza da pretensão que, ‘in casu’, é eminentemente civil, de cunho extracontratual, não se confundindo com as verbas contratuais trabalhistas”.
A indenização
O acórdão também rebateu as teses apresentadas pelas empresas quanto à falta de nexo causal entre a moléstia do trabalhador e as atividades por ele desenvolvidas na empresa, e a de que não há nos autos prova robusta de que ele se encontra doente ou incapacitado para o trabalho.
O trabalhador afirmou nos autos que “adquiriu doença ocupacional incapacitante, em decorrência da exposição diária e contínua a inúmeros agentes tóxicos altamente nocivos à saúde, ao longo dos aproximadamente 26 anos que trabalhou no complexo industrial Shell - Cyanamid - Basf”. Ele disse que foi contratado pela Shell, em 28 de abril de 1977, para exercer as funções derivadas de operador químico, e foi dispensado em 6 de dezembro de 1995. Em 7 de dezembro de 1995 foi contratado pela empresa Cyanamid (que comprou o referido parque fabril), posteriormente sucedida pela Basf (no ano de 2000), tendo laborado até 27 de dezembro de 2002, sempre na mesma função e no mesmo local de trabalho.
Em sua atividade na empresa, segundo o laudo pericial, o trabalhador mantinha contato direto com produtos químicos como: “organofosforados, piretroides, benzeno, cianeto de sódio e antifúngicos, além de organoclorados até 1990 (aldrin, endrin, dieldrin, entre outros. O acórdão ressaltou que “os compostos organoclorados, mais especificamente o aldrin, dieldrin e endrin, “são classificados pela ciência como Poluentes Orgânicos Persistentes (POP’s), assim entendidos como substâncias altamente tóxicas, resistentes à degradação e bioacumulativas” e estão “relacionados ao surgimento de inúmeras patologias como o câncer e distúrbios hormonais e dos sistemas nervoso, reprodutor e imunológico”. “A Convenção de Estocolmo sobre POP’s, assinada em 2001 por 151 países, inclusive o Brasil, inclui o aldrin, dieldrin e endrin no rol das 12 substâncias tóxicas a serem banidas (“doze sujos”)”, salientou ainda o acórdão.
Em conclusão, a decisão colegiada entendeu que ficou “caracterizada a doença ocupacional adquirida pelo reclamante, não merecendo a sentença qualquer reforma neste particular” e que “as lesões sofridas pelo obreiro decorrem de sua atividade laboral”. Quanto à responsabilidade das reclamadas, o acórdão frisou que elas “se pautaram na busca selvagem e irresponsável por lucratividade, em detrimento de valores fundamentais”, e destacou a “Moral da história (sintetizando a conduta das rés): ‘Vamos primeiro lucrar! Depois..., bom..., a gente vê o que faz’.
O acórdão ressaltou, no entanto, que o lucro não é proibido. “Ao contrário, o Brasil adota o sistema capitalista e a Constituição Federal elege a livre iniciativa como um dos fundamentos da república pátria, além de garantir proteção à propriedade privada, prestigiando o interesse social e o desenvolvimento econômico e tecnológico do país”, mas “o que se pretende dizer é que a atividade econômica deve ser exercida com responsabilidade social, observando-se preceitos fundamentais, como os valores sociais do trabalho e a proteção do meio ambiente, a fim de assegurar a todos existência digna, consoante já orienta o artigo 170 da CF”."
A relatora do acórdão da 6ª Câmara do TRT, desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann, reduziu o montante arbitrado a título de indenização por danos morais para R$ 300 mil, e ainda determinou que a incidência de juros de mora sobre a indenização por danos morais se dê a partir do ajuizamento da ação, além de excluir do decreto condenatório tanto o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais quanto o ressarcimento dos honorários contratuais, mantendo integral, no mais, o julgado de 1º grau.
A primeira reclamada (Basf), em recurso alegou, entre outros, a nulidade do julgado, por negativa de prestação jurisdicional, e defendeu que “é parte ilegítima para figurar no polo passivo da reclamatória”, além disso, segundo ela, “o laudo pericial produzido nos autos é nulo, diante da ausência de especialização e qualificação técnica da perita do Juízo”. Completou que “deve ser reconhecida a nulidade processual por cerceamento de defesa, pelo fato de lhe ter sido indeferida a juntada de provas documentais e ainda alegou prescrição total da pretensão do trabalhador. No mérito propriamente dito, a Basf negou a caracterização de nexo causal entre a moléstia do trabalhador e as atividades por ele desenvolvidas na empresa, e afirmou que “não teve qualquer culpa pelos problemas de saúde adquiridos pelo reclamante, de modo que pretende seja afastada sua condenação no pagamento das indenizações por danos materiais e morais”.
A segunda reclamada (Shell) também reforçou a tese de invalidade do laudo pericial, afirmando que a perita nomeada pelo Juízo “não detém o conhecimento necessário na área da toxicologia a autorizar sua atuação no presente processo”. Sustenta que a sentença é nula, “por incorrer em julgamento ultrapetita, pois a ora recorrente foi condenada no pagamento de ressarcimento de honorários advocatícios contratuais, sem que houvesse pedido do autor para tanto”. A Shell, a exemplo da Basf, também negou ser parte legítima para figurar no polo passivo da lide, e insistiu que “a pretensão do reclamante foi fulminada pela prescrição bienal trabalhista”. Por fim, alegou que não há nos autos prova robusta de que o trabalhador se encontra “doente ou incapacitado para o trabalho, nem mesmo prova de que as supostas patologias tenham nexo de causalidade com a contaminação constatada no ambiente laboral”, e que “não há justificativa legal para sua condenação solidária, eis que inexiste formação de grupo econômico entre as rés”, mas lembrou que “se houver que atribuir responsabilidade a alguém, esta deve ser atribuída apenas à primeira reclamada (Basf), por ter sido a empresa sucessora, nos termos dos artigos 10 e 448 da CLT”.
O acórdão não deu razão às reclamadas, especialmente no que se refere à nulidade processual e à invalidade do laudo pericial, ressaltando que um ofício enviado pelo Conselho Regional de Medicina, informou que “inexiste especialidade médica na área da toxicologia” e esclareceu que “o médico regularmente habilitado pode praticar qualquer ato médico para o qual se sinta perfeitamente apto, independentemente de sua especialização”. E concluiu que a perita é “da mais alta confiança do Juízo, sendo que suas informações, prestadas na qualidade de auxiliar da Justiça, são dotadas de fé pública” e que “o laudo elaborado pela expert encontra-se muito bem fundamentado e harmônico na correspondente conclusão, respaldado por vasta documentação, exames e literatura científica”.
Quanto à tese de cerceamento de defesa, o acórdão dispôs que “a manifestação da recorrente beira à má-fé”, isso porque pretendia “colacionar aos autos laudos periciais produzidos em outros processos, elaborados pela perita nomeada”, com o intuito de “demonstrar a suposta parcialidade da ilustre vistora, pois argumenta que todos os laudos confeccionados por ela são praticamente idênticos, carecendo da necessária atenção à situação particular de cada ex-empregados”. O acórdão ressaltou que é “evidente e natural haver semelhanças entre os laudos”, até porque “as circunstâncias fáticas que delineiam as citadas perícias são idênticas” e que “orbitam em torno do fato público e notório consistente na contaminação ambiental havida no parque fabril ‘Shell - Cyanamid - Basf’ na cidade de Paulínia, que afetou não só os trabalhadores que se ativaram naquele estabelecimento, mas também as pessoas domiciliadas próximas à fabrica”.
Quanto à ilegitimidade alegada por ambas as empresas, mais uma vez o acórdão salientou que o “inconformismo não prospera”, e ressaltou que a “legitimidade das rés decorre do fato de ser elas as possíveis responsáveis, caso sejam procedentes os pedidos, a suportar os efeitos da condenação”.
E ainda, quanto à prescrição, o acórdão esclareceu que “mesmo após o advento da EC nº 45/04, deve ser aplicado o prazo prescricional regulado pelo Direito Civil, nas causas que tratam de indenizações por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trabalho ou doença profissional”, e justificou que “o prazo prescricional aplicável não está relacionado à competência do órgão julgador, mas sim à natureza da pretensão que, ‘in casu’, é eminentemente civil, de cunho extracontratual, não se confundindo com as verbas contratuais trabalhistas”.
A indenização
O acórdão também rebateu as teses apresentadas pelas empresas quanto à falta de nexo causal entre a moléstia do trabalhador e as atividades por ele desenvolvidas na empresa, e a de que não há nos autos prova robusta de que ele se encontra doente ou incapacitado para o trabalho.
O trabalhador afirmou nos autos que “adquiriu doença ocupacional incapacitante, em decorrência da exposição diária e contínua a inúmeros agentes tóxicos altamente nocivos à saúde, ao longo dos aproximadamente 26 anos que trabalhou no complexo industrial Shell - Cyanamid - Basf”. Ele disse que foi contratado pela Shell, em 28 de abril de 1977, para exercer as funções derivadas de operador químico, e foi dispensado em 6 de dezembro de 1995. Em 7 de dezembro de 1995 foi contratado pela empresa Cyanamid (que comprou o referido parque fabril), posteriormente sucedida pela Basf (no ano de 2000), tendo laborado até 27 de dezembro de 2002, sempre na mesma função e no mesmo local de trabalho.
Em sua atividade na empresa, segundo o laudo pericial, o trabalhador mantinha contato direto com produtos químicos como: “organofosforados, piretroides, benzeno, cianeto de sódio e antifúngicos, além de organoclorados até 1990 (aldrin, endrin, dieldrin, entre outros. O acórdão ressaltou que “os compostos organoclorados, mais especificamente o aldrin, dieldrin e endrin, “são classificados pela ciência como Poluentes Orgânicos Persistentes (POP’s), assim entendidos como substâncias altamente tóxicas, resistentes à degradação e bioacumulativas” e estão “relacionados ao surgimento de inúmeras patologias como o câncer e distúrbios hormonais e dos sistemas nervoso, reprodutor e imunológico”. “A Convenção de Estocolmo sobre POP’s, assinada em 2001 por 151 países, inclusive o Brasil, inclui o aldrin, dieldrin e endrin no rol das 12 substâncias tóxicas a serem banidas (“doze sujos”)”, salientou ainda o acórdão.
Em conclusão, a decisão colegiada entendeu que ficou “caracterizada a doença ocupacional adquirida pelo reclamante, não merecendo a sentença qualquer reforma neste particular” e que “as lesões sofridas pelo obreiro decorrem de sua atividade laboral”. Quanto à responsabilidade das reclamadas, o acórdão frisou que elas “se pautaram na busca selvagem e irresponsável por lucratividade, em detrimento de valores fundamentais”, e destacou a “Moral da história (sintetizando a conduta das rés): ‘Vamos primeiro lucrar! Depois..., bom..., a gente vê o que faz’.
O acórdão ressaltou, no entanto, que o lucro não é proibido. “Ao contrário, o Brasil adota o sistema capitalista e a Constituição Federal elege a livre iniciativa como um dos fundamentos da república pátria, além de garantir proteção à propriedade privada, prestigiando o interesse social e o desenvolvimento econômico e tecnológico do país”, mas “o que se pretende dizer é que a atividade econômica deve ser exercida com responsabilidade social, observando-se preceitos fundamentais, como os valores sociais do trabalho e a proteção do meio ambiente, a fim de assegurar a todos existência digna, consoante já orienta o artigo 170 da CF”."
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