“Autor(es): Cristine Prestes | De São Paulo
Na melhor das hipóteses, a massa falida do Banco Santos receberá apenas 8,42% do total devido por ex-clientes que deixaram de quitar seus débitos após a intervenção no banco, em novembro de 2004. Ao menos essa é a estimativa feita pela Directa Avaliações, contratada pela massa falida do banco. O percentual foi obtido durante uma avaliação da carteira de créditos da instituição, cobrados na Justiça por meio de centenas de ações judiciais. Segundo o relatório apresentado, a carteira de contencioso do banco, em valores de novembro do ano passado, soma R$ 3,29 bilhões em cobranças judiciais.
No cenário mais otimista apontado pela Directa, a massa falida conseguiria arrecadar apenas R$ 277,68 milhões do total da dívida cobrada de seus ex-clientes. No mais pessimista, onde o percentual de recuperação dos créditos é de 3,42%, apenas R$ 112,85 milhões entrariam no caixa do banco falido. E, em um cenário moderado, o percentual alcançaria 5,92%, o que representa um total de R$ 195,27 milhões a serem recuperados.
O relatório da Directa inclui a análise jurídica de 635 contratos fechados pelo Banco Santos com 220 clientes, hoje devedores. Pelos percentuais de probabilidade de recuperação da dívida encontrados pela Directa, a carteira de créditos da instituição pode ser considerada "podre", para utilizar o jargão usado no mercado. No entanto, ela não abrange a totalidade das operações vigentes quando a falência do banco foi decretada, em setembro de 2005. Ficaram de fora, por exemplo, 55 contratos com 18 devedores que, na análise da Directa, não possuem nenhuma condição de recuperação, e operações fechadas com pessoas físicas. Nesse caso, são 5.306 contratos assinados por 4.687 devedores que não estão sendo cobrados na Justiça por serem dívidas de baixo valor - juntas, somam apenas R$ 14,27 milhões.
A avaliação da carteira de créditos, cujo valor foi atualizado pela TR e juros de 1% ao mês - percentual definido pela Justiça para corrigir os valores devidos por empresas que fecharam acordos com a massa falida para a quitação das dívidas -, tornou-se o mais novo ponto de discórdia no conturbado processo de falência da instituição que pertenceu ao ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira. Desde que foi anexada ao processo de falência, já foi contestada tanto pelo ex-banqueiro quando pelo grupo de 105 credores liderados pela Real Grandeza - Fundação de Previdência e Assistência Social. A Real Grandeza já se manifestou, no processo, com críticas à exclusão de alguns devedores da carteira de créditos analisada pela Directa. Já Edemar Cid Ferreira, no documento anexado ao processo, afirma que, "com a devida vênia, o relatório apresentado nos parece imprestável".
O ex-controlador do Banco Santos contesta a avaliação jurídica das ações de cobrança com o argumento de que trata devedores em processo falimentar de forma idêntica a empresas sadias. Ele exemplifica com dois casos: o da Interclínicas, cuja falência foi decretada em 2009 e que, segundo a Directa, possui 21% de possibilidade de êxito no pagamento dos R$ 50,2 milhões devidos, e o da Moto Remaza, que consta na lista de devedores do banco com um débito de R$ 27,52 milhões e percentual de êxito estimado em 19%. A Directa atribuiu percentuais de êxito na cobrança judicial dos devedores do banco que variam de 0% a 42%. "Querem transformar R$ 3,5 bilhões em R$ 200 milhões. Isso é brincadeira!", protestou Edemar, em entrevista concedida ao Valor.
A carteira de créditos do Banco Santos é um dos principais pontos de discórdia que coloca em posições antagônicas a administração da massa falida e o comitê de credores, de um lado, e o grupo liderado pela Real Grandeza e o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, de outro. As divergências sobre o rumo seguido pela administração judicial da massa falida no esforço de recuperar ao menos parte do dinheiro tomado e não pago por clientes em contratos de empréstimos tem gerado uma intensa troca de acusações entre os atores do processo de falência do Banco Santos. Nos bastidores da disputa, volta à tona a polêmica proposta de criação de um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC) com os valores que a massa falida tem a receber dos devedores.
O último episódio a acirrar os ânimos das partes envolvidas na falência da instituição é a realização de uma nova assembleia geral com os 1.944 credores do Banco Santos. Ainda sem data marcada, a assembleia foi autorizada no início de março pelo juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, diante de um pedido dos credores liderados pela Real Grandeza. O grupo, que possui 27,4% dos créditos quirografários (sem privilégio no recebimento) do Banco Santos, pretende propor, na reunião, a destituição de Jorge Queiroz do cargo de representante do comitê de credores.
Representados pelo escritório de advocacia Lobo & Ibeas, os credores descontentes alegam que Queiroz não vem cumprindo com a função de representar os quirografários, para a qual foi eleito. De acordo com o pedido feito ao juiz ainda no fim do ano passado, Queiroz avalizou a política de acordos adotada pela administração da massa falida e autorizada pela Justiça sem consultar os credores, permitindo que fossem concedidos "descontos montando a várias dezenas de milhões de reais" aos devedores do banco.
Jorge Queiroz, que foi escolhido pelos próprios credores para representá-los por indicação do escritório Lobo & Ibeas, defende a estratégia da massa falida em realizar acordos com os devedores. "O objetivo dos credores é realizar o máximo de ativos o mais rápido possível", diz. "Os credores querem sair disso, eles querem receber." Queiroz, que já atuou para credores em falências de peso, como a da Encol, também ingressou na Justiça para pedir a reconsideração do juiz, que acabou autorizando a realização da assembleia para que os credores decidam pela manutenção ou não do próprio comitê - e não apenas de seu representante.
Como tudo que envolve a falência do Banco Santos - uma das maiores do país em termos de complexidade e de disputas judiciais -, nada é tão simples como parece. No fim de março, a própria Real Grandeza contestou a decisão do juiz porque ele determinou que o grupo de credores que o fundo lidera arque com os custos da assembleia. Uma assembleia de credores do Banco Santos custaria em torno de R$ 60 mil.
Antes que a assembleia tenha data marcada, os credores devem se reunir em São Paulo. Em contato com diversos deles, Jorge Queiroz agendou para o dia 16 de maio uma reunião prévia para discutir, entre outros pontos, uma possível alienação da carteira de créditos do banco com ex-clientes e um terceiro rateio dos valores arrecadados pela massa falida.
Nem mesmo os rateios escapam das críticas e contestações judiciais. No documento em que pede o afastamento de Queiroz do comitê de credores, o grupo liderado pela Real Grandeza o acusa de ter apoiado a primeira proposta de rateio feita pelo administrador judicial da massa falida, Vânio Aguiar, por considerá-la prejudicial aos quirografários. A proposta de Aguiar para o primeiro rateio, feita em junho de 2009, previa a quitação total dos valores devidos a 1.126 credores cujo montante a receber era inferior a R$ 10 mil individualmente. O fundo de pensão, no entanto, contestou a proposta.
A "limpeza" na lista de credores, segundo Aguiar, reduziria substancialmente os custos da massa com controles operacionais. Para se ter uma ideia, dos 1.944 credores cadastrados, 1.244 ainda não se apresentaram para receber o valor distribuído nos dois rateios já realizados, no início e no fim do ano passado.”
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