COMENTÁRIOS À EMENDA CONSTITUCIONAL 72/2013 - DOMÉSTICOS
Maximiliano Nagl Garcez, com a companheira Creuza Maria Oliveira, presidenta da Fenatrad (à direita), e com companheiras dirigentes da mesma entidade, durante a solenidade de promulgação da Emenda Constitucional n. 72, ontem no Plenário do Senado Federal
Maximiliano Nagl Garcez
Consultor Jurídico da Contracs durante a tramitação da PEC 66/2012. Advogado de entidades sindicais e consultor em processo legislativo. Diretor para Assuntos Legislativos da ALAL - Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas. max@advocaciagarcez.adv.br
Ontem tive a oportunidade de estar presente no Plenário do Senado Federal, acompanhando os companheiros e companheiras da Contracs e da Fenatrad, durante a solenidade de promulgação da Emenda Constitucional n. 72, no Plenário do Senado Federal.
Foi uma grande honra ter assessorado a Contracs ao longo da tramitação da PEC no Congresso Nacional. Faço abaixo alguns breves comentários à Emenda Constitucional, conquista histórica e justa dos domésticos e domésticas do Brasil.
1. Da redação da Emenda Constitucional
O Plenário do Senado Federal aprovou a PEC na forma da Emenda de Redação nº 1, da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, tendo a Emenda Constitucional sido promulgada com a seguinte redação:
Altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Artigo único. O parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 7º .........................................................
......................................................................
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.” (NR)
2. Redação anterior do art. 7º., parágrafo único
A redação anterior do art. 7º., parágrafo único era a seguinte:
“Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.”
3. Novos direitos adquiridos que a PEC prevê pelos domésticos
A PEC acrescenta diversos novos direitos previstos no art. 7o. aos domésticos.
Foram criadas duas categorias de novos direitos: alguns assegurados diretamente, e outros desde que “atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades”.
4.1. Novos direitos previstos diretamente:
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
4.2. Direitos previstos desde que “atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades”:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
5. Impacto das medidas
Ao contrário do que tem divulgado a grande imprensa, o impacto econômico não será tão significativo a ponto de inviabilizar a contratação de trabalhadores domésticos.
Quanto à limitação da jornada, os empregadores domésticos não terão qualquer custo adicional, desde que respeitem a jornada de trabalho máxima prevista em lei.
E diversos novos direitos que serão adquiridos pelos domésticos, como a proibição de “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”, também não causarão qualquer custo aos empregadores que cumprem com a legislação e que respeitam os trabalhadores.
6. Minha opinião acerca da Emenda Constitucional
Creio que não se mostrava justo continuar conferindo ao doméstico uma condição de “cidadão de segunda categoria”. A aprovação da PEC servirá para iniciar um longo processo visando diminuir a enorme dívida que nossa sociedade tem com os domésticos.
Suas próprias condições de trabalho são desgastantes. Viver no mesmo espaço social do patrão é vivenciar diariamente a desigualdade social; é experimentar, todos os dias, as diferenças entre o seu meio e o meio social do patrão.[1]
As características do trabalho doméstico, em nosso país, podem ser comparadas, muitas vezes, com as existentes na Europa no início do século XX.[2]
O tratamento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro ao doméstico tem sido objeto de críticas veementes:
“O que se pretende debater aqui é a situação dos trabalhadores que não podem usufruir nem mesmo de direitos elementares de qualquer legislação trabalhista civilizada. É este o caso das empregadas domésticas. Dos 34 direitos sociais inseridos no artigo 7o da Carta Magna, elas e outros trabalhadores domésticos podem usufruir de apenas nove. A Constituição de 1988 cassou-lhes 25 dos direitos que qualquer trabalhador da economia formal tem assegurado. Trata-se de uma discriminação odiosa. As domésticas não recebem hora extra, não tem qualquer garantia contra acidente de trabalho, não ganham por trabalho insalubre (...)” (Corauci Sobrinho. Discriminação Odiosa. In: Folha de São Paulo, de 06 de fevereiro de 1996. p. 3-2).
E concluo com citação de um grande advogado de trabalhadores, o atual Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro:
“O empregado doméstico, assim entendido como aquele que presta os seus serviços no âmbito da residência ou em casas campestres, de lazer, era um marginal do Direito do Trabalho. Emergiu para o direito com a Lei n. 5.589, de 11.12.72, regulamentada pelo Decreto-Lei n. 71.885, de 9.3.73 e consolidou-se através da Constituição Federal de 1988, no parágrafo único do art. 7o. Possui tantas obrigações e responsabilidades (às vezes até mais), como as possui o empregado comum, agravadas com a grande dose de confiança que deve informar a relação, já que esta se dá, normalmente, no recinto privadíssimo da residência. Sua consideração como contrato especial advém da verdadeira aberração e discriminação que ele representa.” (GENRO, Tarso Fernando. Direito Individual do Trabalho: uma Abordagem Crítica. 2. ed. São Paulo. LTr, 1994. p. 107-8).
[1] Há uma excelente obra sobre as condições de trabalho dos domésticos, de autoria de Fernando Cordeiro Barbosa: Trabalho e residência: estudo das ocupações de empregada doméstica e empregado de edifício a partir de migrantes “nordestinos”. Niterói: UFF, 2000.
[2] O quadro a seguir descrito refere-se à sociedade francesa nas primeiras décadas do século passado. Lamentavelmente, pode ser ainda encontrado em nosso país: “Morando, ao contrário dos jornaleiros ou das diaristas, na casa do patrão, recebendo a alimentação, quer comam na copa ou, como os camaradas rurais, à mesa da família, eles não possuem nada de “privado”. Na cidade, muitas domésticas dormem num desvão ao lado da cozinha, e muitas também dispõem de uma mansarda, onde podem ter alguns objetos de toalete e algumas bugigangas. Mas os manuais de boa educação sugerem que a patroas visitem regularmente os quartos das empregadas. Aliás, estas nem têm muito tempo para passar em seu aposento, a não ser para dormir.
O controle dos patrões se estende às relações dos empregados domésticos, cuidadosamente vigiadas. As folgas são breves e raras, e sua correspondência é aberta. É no passeio público, onde vai passear com as crianças, que a empregadas às vezes fica conhecendo um soldado raso, num domingo; convidá-lo para subir até a cozinha pela escada de serviço é correr o risco de ser despedida.
O que melhor mostra a dificuldade do empregado doméstico em ter uma vida privada é o pequeno número de criados casados.
Nas mansões da alta burguesia ou da aristocracia, às vezes acontece que um cocheiro se case com uma camareira e ambos continuem no serviço. Mas, nesse caso, mais vale não ter filhos: perderiam o emprego, a menos que o chefe de família pudesse ocupar uma casinha de porteiro ou um pavilhão de guarda na herdade. O povo domesticado precisa deixar de ser prolífico, e a vida privada é clandestina ou marginal.” (PROST, Antoine. Fronteiras e Espaços do Privado. In: ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges (coord.). História da vida privada. Tradução de: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia da Letras, 1992. v. 5, p. 43).
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