O colegiado reformou a sentença original também no que diz respeito à aplicação da legislação brasileira ao caso, incluindo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “Quando brasileiro trabalha no exterior, a relação jurídica é regida pela lei material vigente no país da prestação de serviços e também pelas normas estabelecidas nas Convenções Internacionais pela OIT”, ponderou a relatora, calcada na Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Assim, foram excluídas da condenação as obrigações de fazer referentes à anotação do contrato de trabalho na CTPS do reclamante e à entrega das guias para o levantamento do fundo de garantia do tempo de serviço, além dos próprios depósitos do FGTS e dos recolhimentos previdenciários.
A Câmara afastou ainda a condenação prevista no artigo 479 da CLT, o qual obriga o empregador a pagar ao empregado contratado por prazo determinado e demitido sem justa causa antes do final do contrato, a título de indenização, a metade da remuneração a que o trabalhador teria direito até o término inicialmente previsto para a relação de emprego. O reclamante provou, no entanto, fazer jus ao pagamento de diferenças da indenização devida pela rescisão antecipada do contrato, mas nos termos da legislação espanhola, e considerado o salário negociado no Brasil. Quanto ao intervalo intrajornada, a condenação foi limitada a 30 minutos diários, excluído o adicional de 50%. Foi determinado ainda o pagamento de férias proporcionais em conformidade com os critérios estabelecidos na Convenção 132 da OIT, com a dedução dos valores pagos a título de “parte proporcional vacaciones”, de acordo com o que constou no termo de rescisão contratual juntado aos autos.
Entenda o caso
O reclamante, por intermédio da primeira reclamada, uma cooperativa de serviços, recebeu proposta da segunda ré - empresa do ramo de componentes aeronáuticos e aeroespaciais - para trabalhar na Espanha, onde exerceria a função de chapeador. Segundo ele, em reunião realizada em dezembro de 2003, no Brasil, ficou acertado que o salário seria de 2.049 euros. Mas as promessas feitas pelas reclamadas não foram cumpridas, a começar pela função - o reclamante acabou contratado como estagiário - e pelo salário, que não passou de 1.777,77 euros, afirmou o trabalhador. Para completar, o contrato, previsto para durar um ano, a partir de 5 de fevereiro de 2004, foi rescindido sem justa causa mais de dois meses antes, em 24 de novembro daquele ano.
Disse ainda o reclamante que, durante o período em que permaneceu na Espanha, sofreu várias lesões caracterizadoras de danos morais, cumpriu jornada excessiva sem recebimento de horas extras, gozou de apenas 20 minutos diários para descanso e refeição e não recebeu férias e verbas rescisórias.
Em seu recurso, a terceira reclamada, empresa brasileira do mesmo ramo da segunda ré e pertencente ao grupo econômico do qual esta faz parte, arguiu preliminarmente a incompetência da Justiça do Trabalho brasileira para processar e julgar a ação. Todavia, em que pese o fato de o contrato de trabalho ter sido firmado e cumprido na Espanha atrair a aplicação da legislação material espanhola, “não afasta a competência da Justiça brasileira para conhecer e julgar a presente ação, nem, por consequência, a aplicação da lei processual brasileira, pois a orientação jurisprudencial constante da Súmula 207 do C. TST refere-se apenas à lei material”, lecionou a desembargadora Tereza Asta. “Trata-se de cidadão brasileiro, que bate às portas desta Justiça Especializada alegando ter sofrido lesão em seus direitos trabalhistas. A preservação da efetividade do processo, como ferramenta institucional apta a garantir a reparação da lesão sofrida por cidadão brasileiro, legitima e justifica a aplicação do sistema jurídico processual brasileiro em conformidade com o disposto nos artigos 1º, 5º - inciso XXXV - e 114 da Constituição Federal de 1988”, reagiu a relatora, rejeitando a exceção de incompetência.
Sobre a aplicação da legislação brasileira ao caso, contestada pela segunda e pela terceira reclamada em seus recursos, melhor sorte tiveram as recorrentes. “Restou incontroverso nos autos que a proposta foi apresentada no Brasil a um grupo de trabalhadores, entre eles o reclamante, mas a efetiva celebração do contrato e a prestação de serviços ocorreram somente em território espanhol, atraindo a aplicação da Súmula 207 do C. TST, que agasalhou o critério da lex loci executionis, assim considerando aplicável a lei material do lugar da prestação de serviços, com espeque no artigo 198 do Código Bustamante, ratificado pelo Brasil - Decreto 18.671, de 1929, norma que, por ser especial, prevalece sobre o critério genérico previsto no artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (anteriormente denominada Lei de Introdução ao Código Civil)”, esclareceu Tereza Asta.
Afastada a aplicação da CLT, por consequência a Câmara decidiu reformar a sentença de 1ª instância no que diz respeito à condenação das empresas à anotação do contrato de trabalho na CTPS do reclamante e ao pagamento da multa prevista no artigo 479 da Consolidação, das férias proporcionais acrescidas de um terço e do 13º salário proporcional, por não constarem da legislação espanhola. Também foram excluídos o FGTS e os recolhimentos previdenciários, uma vez que foi igualmente afastada a aplicação das Leis brasileiras 8.036/90 e 8.212/91, respectivamente.
Já outra argumentação das empresas recorrentes, de que o salário mencionado na reunião realizada no Brasil tratava-se apenas de uma referência, não convenceu a relatora ou os demais magistrados que participaram do julgamento. Além de nos recibos juntados aos autos constar o valor de 1.777,77 euros para a remuneração mensal, a testemunha apresentada pelo reclamante afirmou - e não houve prova em contrário por parte das reclamadas, especificou a relatora - que o salário pago na Espanha era, de fato, inferior ao prometido no Brasil. Assim, a Câmara manteve a condenação quanto ao pagamento de diferenças salariais, mas com base no artigo 4º do Real Decreto Legislativo 1/1995 (legislação espanhola), e não na CLT, como decidira o juízo da 3ª VT de São José dos Campos.
No que se refere ao pedido de indenização por ter ocorrido rescisão antecipada do contrato por prazo determinado, a segunda reclamada admitiu expressamente que se tratava de contratação nesses moldes, o que foi confirmado também pela testemunha do autor, observou a desembargadora Tereza Asta. “As normas legais espanholas acostadas aos autos demonstram a estipulação, em tais casos, de uma indenização de 45 dias”, ressaltou a relatora, e, com efeito, a segunda reclamada demonstrou que foi paga, na rescisão contratual, uma verba a esse título, sob a denominação de “finiquito”. Mas o valor pago levou em conta, detalhou a magistrada, o salário efetivamente cumprido na Espanha, e não o que foi tratado no Brasil. “Assim sendo, decido afastar a condenação lastreada no artigo 479 da CLT e determinar o pagamento de diferenças da indenização devida pela rescisão antecipada do contrato a termo, para tanto considerando o período de 45 dias e o valor do salário estabelecido em 2.049 euros”, votou a relatora, sendo mais uma vez acompanhada pelos demais julgadores.
Sobre as férias, a Câmara decidiu conceder ao trabalhador o direito a recebê-las proporcionalmente, segundo os critérios estabelecidos na Convenção 132 da OIT, ratificada pela Espanha em 30 de junho de 1972, com a dedução dos valores pagos a título de “parte proporcional vacaciones”, conforme consta na rescisão contratual. O artigo 3º da Convenção fixa, entre outros aspectos, que as férias anuais não podem ter duração inferior a três semanas, e o artigo 4º estabelece que, no caso de não completar um ano de serviço, ainda assim o trabalhador terá direito a férias, mas de forma proporcional ao tempo trabalhado.
Em relação aos intervalos para refeição e descanso, o acórdão observou que a primeira reclamada não impugnou a jornada de trabalho alegada pelo reclamante, ao passo que as outras duas reconheceram que “na Espanha é autorizado o descanso intrajornada de até quatro horas” e não contestaram a alegação do autor, de que havia previsão contratual da concessão de 50 minutos para esse fim e que somente 20 minutos eram usufruídos. Ao contrário, as afirmações do reclamante foram mais uma vez confirmadas pela prova testemunhal. Até mais: segundo a testemunha, eram apenas 15 os minutos de intervalo. Apesar de não ter havido, por parte das reclamadas, contraprova dessa afirmação, prevaleceu o que fora dito pelo próprio reclamante, resultando, então, no entendimento da Câmara, que ao trabalhador são devidos 30 minutos diários a título de parte não usufruída do intervalo intrajornada, excluído, no entanto, o adicional de 50%, previsto no artigo 71, parágrafo 4º, da CLT, mas não na legislação espanhola.
Dano moral
O reclamante recorreu em relação à não condenação das empresas a pagar indenização por danos morais. O trabalhador alegou ter sofrido humilhações, discriminações e constrangimentos durante o período em que trabalhou na Espanha. Segundo ele, a segunda reclamada discriminava os empregados brasileiros, e a primeira, a cooperativa, tinha conhecimento disso, e mesmo assim se negou a prestar auxílio aos trabalhadores. Com base na Convenção 111 da OIT - ratificada pela Espanha em 6 de novembro de 1967 e que estabelece, entre outros parâmetros, o conceito de discriminação, incluindo toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na nacionalidade da pessoa discriminada - e da própria legislação espanhola, que veda expressamente, esclareceu a relatora, a discriminação na contratação com base não só no sexo, estado civil, idade, origem, raça, classe social, religião ou ideologia política do candidato, mas também na circunstância de ele estar ou não filiado a um sindicato ou no fato de ele ter como idioma qualquer uma das diferentes línguas oficiais da Espanha, a Câmara reformou a decisão de 1º grau, condenando as empresas ao pagamento da indenização no valor de R$ 40 mil, atualizado desde a data do arbitramento, como prevê a Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça.
Para que o colegiado fosse convencido nesse sentido, mais uma vez foi decisiva a prova testemunhal, que confirmou todas as alegações do autor. “Comprovado que, apesar de ter profissão qualificada, o reclamante foi obrigado a trabalhar como estagiário e, nesta condição, receber salários em valor inferior ao devido, restou configurado o abuso de poder da empregadora e caracterizada a discriminação no ambiente de trabalho, em flagrante violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, assim causando dano inequívoco à honra e à reputação profissional do autor. Faz ele jus, portanto, ao recebimento de indenização compensatória pelo dano moral sofrido, sendo que o fato de ter existido tal conduta em relação a todos os trabalhadores brasileiros não desonera, mas, pelo contrário, exponencia a gravidade da lesão”, destacou a relatora. “Assim sendo, o valor da indenização não só deve compensar o sofrimento provocado, mas também atender ao escopo pedagógico de desestimular a reiteração da conduta ofensiva”, arrematou ela. (Processo 0142800-47.2006.5.15.0083)"
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