Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
“Nós não tivemos até hoje um ministro no Supremo Tribunal Federal. O Paraná está em processo de articulação política, aos poucos vai se afirmando. Temos uma espécie de timidez que nos impede de dar voos maiores, mas iremos superar isso.”
Ney José de Freitas, presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) e novo conselheiro do CNJ
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) veio para revolucionar a Justiça brasileira. Em vários aspectos, cumpriu a promessa. Em outros, vem sofrendo duras críticas. Criado em 2004 para ser o responsável nacionalmente pelo controle administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário, o Conselho inaugura, agora, sua quarta composição com o desafio de firmar seu caminho de forma a ter uma atuação forte, mas, ao mesmo tempo, não interferir na autonomia dos tribunais. Entre o novo time de 15 conselheiros com essa missão, o Paraná é representado pelo presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), desembargador Ney José de Freitas.
O conselheiro que acaba de assumir e tem mandato de dois anos, podendo ser reconduzido mais uma vez, fala em entrevista sobre suas expectativas na nova função e sobre os desafios do CNJ. “O CNJ não deve ser um órgão tímido”, diz o conselheiro recém-empossado.
Quais os desafios atuais do CNJ?
Encontrar o ponto de equilíbrio para que não avance excessivamente e comprometa a competência e autonomia dos tribunais, mas também que não seja um órgão tímido a ponto de não justificar a sua atuação. Se for para repetir o que é feito pelos tribunais, ele não se justifica. O CNJ é um órgão novo, criado em 2004. Ele está ainda em uma espécie de busca de seus caminhos.
O fato de a presidência do CNJ ser ocupada também pelo presidente do Supremo não acaba por engessar o Conselho?
Não, porque o CNJ tem total autonomia para decidir as matérias de controle administrativo. É preciso que a parte vá ao Supremo, por via judicial, para pedir o controle dos atos do CNJ. Fora isso, o CNJ não tem relação alguma de controle e subordinação com o Supremo.
Punições administrativas aplicadas a magistrados pelo CNJ e que são revertidas pelo Supremo têm causado polêmica...
Causa polêmica, mas é da natureza do sistema. Isso não causa diminuição à competência do CNJ. Toda manifestação de poder no sistema democrático está submetida a controles. O Supremo funciona como órgão de controle mantendo o CNJ naquilo que se entende que é seu caminho. Não que o Supremo sempre esteja certo, mas é o Supremo quem decide por último. É a palavra final para que haja segurança política. Não é possível um sistema em que houvesse recursos intermináveis.
Em um processo administrativo, o CNJ deve intervir apenas se a corregedoria do tribunal não agir?
Em um processo administrativo, o CNJ deve intervir apenas se a corregedoria do tribunal não agir?
É uma questão que está ainda em discussão e que o Supremo deve resolver em breve. O CNJ somente deve atuar depois que as corregedorias forem provocadas, em uma atuação chamada subsidiária. Ou seja, não seria possível que alguém fosse direto ao CNJ. Primeiro teria que acionar as corregedorias locais. Se essas não atuam, são omissas, o CNJ então atua em caráter subsidiário. Essa parece ser a tendência do Supremo e a melhor orientação, sob pena das corregedorias locais perderem sua razão de ser.
Mas tem de existir uma corregedoria nacional, para que as corregedorias locais não sejam a última possibilidade de uma reclamação.
Outro ponto sensível é a autonomia dos tribunais em relação ao CNJ. Como equilibrar melhor isso?
Este é realmente um problema sensível porque os tribunais têm autonomia por força da Constituição. Agora, a utilização que os tribunais fazem desta autonomia pode ser objeto de controle do CNJ. O Conselho não pode administrar pelos tribunais, mas pode exercer controle para cortar excessos, corrigir caminhos, com extremo cuidado para não afetar a independência dos tribunais, porque assim o sistema entra em colapso.
Observa-se uma disparidade grande entre o Poder Judiciário dos estados, regiões e até mesmo entre os ramos da Justiça. O CNJ pode ajudar na equalização?
Antes da criação do CNJ, o que se dizia era que os tribunais eram verdadeiras ilhas, ou seja, cada um funcionava de acordo com sua orientação própria. O CNJ começou a estabelecer políticas nacionais, regras e normas, que se aplicam a todos os tribunais.
O CNJ tem incentivado métodos consensuais de resolução de conflitos, mas a impressão que se tem é de que essa atuação não é suficiente para mudar a cultura brasileira de judicialização...
Lamentavelmente, ainda não temos no Brasil a cultura da conciliação. Nós temos a cultura do conflito. Tudo se judicializa. Isso faz com que o judiciário fique estrangulado e sem condição de resolver todos esses processos. A melhor solução que existe é a conciliação. A sentença nunca agrada às partes. Nem pode agradar porque o juiz não pode declarar empate. Alguém ganha, alguém perde. Na conciliação se resolve o conflito entre as partes.
É preciso aos poucos ir implantando essa cultura. O CNJ tem feito um trabalho extraordinário na área da conciliação, mas não se muda [a cultura] com rapidez. É um processo demorado, porque não é de mudança de procedimento. É de mudança de mentalidade.
O CNJ começou a desenvolver um trabalho em relação à judicialização da oferta de medicamentos. Como está esse estudo?
O CNJ não é um órgão judiciário. O que ele pode fazer é auxiliar para que as decisões dos juízes possam ser baseadas em elementos mais concretos. Uma comissão pretende fornecer subsídios para que o juiz tenha melhor condições de decidir. O juiz, quando recebe um pedido de fornecimento de uma medicação cara, enfrenta um drama, pois a pessoa que está ali geralmente corre risco de perder a vida. Ele, então, tem a tendência de, atendendo a uma perspectiva de direitos humanos e da dignidade da pessoa, mandar o Estado fornecer o medicamento. Mas existe o outro lado. Às vezes, ele fornece para uma pessoa e, por causa do valor, ele priva outros.
Como o CNJ pode auxiliar na atuação contra os grandes litigantes e, assim, diminuir os gargalos na Justiça?
Antes do CNJ não havia preocupação em relação a esse tipo de estatística. O que o CNJ verificou é que a grande massa dos processos é de grandes devedores, que não pagam e se utilizam do fato de poder aguentar um tempo longo de demanda. Não são pendências dos cidadãos. Há hoje uma tendência em, identificando esses devedores, procurar medidas para coibir. No Tribunal Superior do Trabalho, quem tem um débito trabalhista e não satisfaz, fica com uma certidão negativa, que gera determinados empecilhos. Ele não pode, por exemplo, participar de licitações.
Como o Sr. avalia a participação do Paraná no Judiciário?
De modo geral, nós somos tímidos. Nós não tivemos até hoje um ministro no Supremo Tribunal Federal. Não tivemos força política para isso. Na Justiça do Trabalho, nas três composições do CNJ, nós tivemos representantes, mas porque circunstâncias foram favoráveis. Minha indicação foi um trabalho conjunto. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho é oriundo do nosso tribunal. É evidente que esse é um apoio imprescindível para minha indicação.
O Paraná está em processo de articulação política, aos poucos vai se afirmando, mas tem dificuldades. Temos uma espécie de timidez que nos impede de dar voos maiores, mas iremos superar isso.
Quais suas expectativas padra a nova função?
Estou muito entusiasmado porque o CNJ oferece aos seus conselheiros uma visão muito mais ampla do Poder Judiciário porque ele lida com o Brasil inteiro e com todos os ramos do Poder Judiciário. As situações que o CNJ examina são as mais variadas. O CNJ proporciona a possibilidade, de certa forma, de se interferir nas grandes decisões. Questões administrativas de repercussão passam pelo CNJ. Acho que o importante de se participar de uma composição do CNJ é dar uma contribuição para que o sistema judiciário proporcione uma Justiça mais rápida, barata e eficaz."
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