SÃO PAULO. A troca de legislatura nos parlamentos estaduais neste mês deixou visível uma das faces do desperdício que corrói o orçamento da maioria das casas legislativas brasileiras. Nas assembleias estaduais mais caras do país, um terço dos projetos de lei apresentados na última legislatura (2007-2010) foi arquivado por falta de apreciação dos deputados. Em números absolutos, foram para o ralo 7.633 proposições - ou seja, para cada dois projetos votados, outro foi arquivado.
O levantamento feito pelo GLOBO retrata a situação em oito assembleias legislativas estaduais (Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte). Elas estão entre as dez mais caras do Brasil, segundo ranking da ONG Transparência Brasil realizado em 2009.
Arquivamento é previsto em regimentos internos
A Câmara Legislativa do Distrito Federal e a Assembleia Legislativa de São Paulo, embora estejam no grupo das dez que mais gastam, ficaram fora da sondagem. A primeira informou não ter os dados, porque o arquivamento será realizado somente em março. No caso de São Paulo, a troca de legislatura ocorrerá em março.
O arquivamento é uma prática comum em todos os parlamentos, ao fim de uma legislatura, e está previsto nos regimentos internos. Todos os projetos dos últimos quatro anos que não receberam parecer ou outro tipo de análise dos deputados são arquivados para que os novos parlamentares tomem posse com a pauta limpa. O único critério usado é o da antiguidade. Não há análise de conteúdo. Só não entram na faxina propostas de autoria dos outros poderes, que continuam tramitando independentemente da mudança de legislatura.
Entre as assembleias pesquisadas, Rio de Janeiro e Paraná foram as que mais arquivaram. Por falta de apreciação dos deputados, o número de projetos arquivados pelo legislativo fluminense foi quase o dobro de tudo o que se votou nos últimos quatro anos (1.848 proposições contra 951). No Paraná, foram 2.688 arquivadas, contra 1.544 analisadas.
Os números superam até o desempenho do Senado, que arquivou neste mês 1.400 propostas de lei. Nesse caso, são projetos de 2006 para trás, que tiveram o prazo de validade vencido. Está nessa lista o projeto de lei contra a homofobia. A volta à pauta é prevista, mas, para isso, é exigido, num prazo de 60 dias, um pedido com apoio de 27 dos 81 senadores. Nos legislativos estaduais, vigora a mesma lógica. Um projeto arquivado só poderá ser rediscutido mediante solicitação.
Na prática, os milhares de projetos descartados a cada quatro anos são mais uma amostra da inércia e do desperdício de dinheiro público nos parlamentos brasileiros. A elaboração de um projeto de lei envolve gastos que vão do consumo de papel, publicação em Diário Oficial, serviços de consultorias e pesquisas a horas de trabalho de assessores dos gabinetes e funcionários das assembleias. Não há um cálculo exato sobre o tamanho desse custo. O que se sabe é que as oito assembleias custaram, juntas, aos cofres estaduais R$9,7 bilhões entre 2007 e 2010.
"Projetos são apresentados para satisfazer estatísticas"
Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Kramer, o alto índice de arquivamento tem como principal causa um processo equivocado de avaliação do desempenho dos parlamentares:
- O que faz uma proposição andar são os interesses sociais que estão por trás dela. A gente sabe que, muitas vezes, os projetos são apresentados apenas para satisfazer as estatísticas de produção. Eles (os deputados) jogam lá para fazer volume - afirma Kramer.
O cientista político responsabiliza, em parte, a própria sociedade por essa inversão de valores e defende uma visão mais ampla do Legislativo na hora de medir sua eficiência:
- Nós temos parte de culpa nisso porque, muitas vezes, avaliamos o trabalho de um deputado ou senador pela quantidade de projetos que ele apresentou e não pela relevância do assunto - analisa o professor."
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