A constatação é de uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), sediado na Unicamp, em colaboração com outras instituições.
Os pesquisadores identificaram, por exemplo, a presença de cafeína em todas as 49 amostras coletadas no cano de entrada (cavalete) de residências espalhadas pelas cinco regiões do país.
"Esse dado é relevante, porque a cafeína funciona como uma espécie de traçador da eficiência das estações de tratamento de água. Ou seja, onde a cafeína está presente, há grande probabilidade da presença de outros contaminantes," explica o professor Wilson de Figueiredo Jardim, coordenador do estudo.
Cafeína e contaminantes emergentes
Segundo o pesquisador, os resultados são uma "prova inequívoca de que estamos praticando o reúso de água" de uma forma nunca sonhada pela população - o reúso é uma prática crescente visando o aproveitamento da água reciclada em banheiros e lavação de áreas externas.
"A presença da cafeína demonstra que os mananciais estão contaminados por esgoto e que as estações de tratamento não estão dando conta de remover este e outros compostos da água," afirma.
Além de cafeína, os cientistas também encontraram nas amostras analisadas concentrações variadas de atrazina (herbicida), fenolftaleína (laxante) e triclosan (substância presente em produtos de higiene pessoal).
São os chamados contaminantes emergentes, não porque sejam substâncias novas, mas porque estão cada vez mais presentes no ambiente.
Como não existe legislação a respeito dos teores dessas substâncias na água para consumo humano, elas não são monitoradas com frequência.
Problemas não explicados
Ademais, a ciência ainda não sabe ao certo qual o limite de proteção ao ser humano e nem quais efeitos deletérios os contaminantes emergentes podem causar ao organismo do homem.
"Entretanto, já dispomos de estudos científicos que apontam que esses compostos têm causado sérios danos aos organismos aquáticos. Está comprovado, por exemplo, que eles podem provocar a feminização de peixes, alteração de desenvolvimento de moluscos e anfíbios e decréscimo de fertilidade de aves", conta o pesquisador.
Quanto aos humanos, prossegue Wilson Jardim, há indícios de que os contaminantes não legislados, especialmente hormônios naturais e sintéticos, como o estrógeno, podem provocar mudanças no sistema endócrino de homens e mulheres.
Contaminantes emergentes na água afetam animais e humanos
Uma hipótese, que carece de maiores estudos, considera que esse tipo de contaminação poderia estar contribuindo para que a menarca (primeira menstruação) ocorra cada vez mais cedo entre as meninas.
"Estabelecer esse nexo causal é difícil. Entretanto, temos que estar atentos para problemas dessa ordem. Acredito que, com o tempo, os contaminantes emergentes também terão que ser legislados. O trabalho que estamos realizando tem por objetivo exatamente fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas que possam assegurar à população o fornecimento de uma água potável de maior qualidade", diz.
Consumo exagerado
O pesquisador conta que o problema não é exclusivo do Brasil.
Isso decorre de uma série de fatores, entre os quais o crescimento e adensamento populacional e a chegada ao mercado de novas substâncias.
"Estudos indicam que 1.500 substâncias são lançadas anualmente no mundo. São moléculas novas, às quais não estamos tendo tempo de estudar. Além disso, o padrão de consumo da sociedade tem crescido freneticamente.
"Antes, uma pessoa usava, em média, três produtos de higiene pessoal antes de sair de casa. Hoje, usa dez. Há alguns anos, as pessoas passavam filtro solar apenas para ir à praia e à piscina. Agora, muita gente passa diariamente para ir trabalhar, inclusive por recomendação médica," exemplifica."
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