sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Juiz critica abusos da polícia paulista no #Pinheirinho e na "cracolândia" em manifesto poético (Fonte: @RedeBrasilAtual)

"Por: Redação da Rede Brasil Atual
Publicado em 26/01/2012, 16:00

São Paulo – Em homenagem aos "noias", como são designados os dependentes químicos do crack que habitavam ruas da Luz, na região central da capital paulista, o juiz Gerivaldo Alves Neiva redigiu um manifesto poético, publicado em seu blogue pessoal. Em outra manifestação, também em verso, a solidariedade é aos moradores do Pinheirinho, bairro em São José dos Campos (SP), no Vale do Paraíba, onde 6 mil famílias foram alvo de ação de reintegração de posse no domingo (22).

O magistrado, alocado na da comarca de Conceição do Coité (BA), a 190 quilômetros de Salvador, mantém uma conduta associada à defesa de direitos humanos e lamenta que os usuários da droga tenham se tornado o alvo da "Operação Sufoco", deflagrada no dia 3. A Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana da capital paulista foram acusadas de cometer abusos na região, taxada como "cracolândia" por concentrar dependentes do crack. Na visão de profissionais que trabalham com a questão, faltou dar ênfase ao aspecto de saúde envolvido, o que provocou uma dispersão dos usuários por diferentes áreas, em vez de tratar a situação.

No caso do Pinheirinho, o membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) critica o governador paulista, Geraldo Alckmin, a cobertura da imprensa e o Tribunal de Justiça de São Paulo, que autorizou a ação. Ele sugere que a Justiça foi ferida no episódio.

Gerivaldo Alves Neiva publicou os manifestos em verso em seu blogue. Leia abaixo os textos:

Não os perdoem: eles sabem o que fazem!

Ao povo do Pinheirinho!

Gerivaldo Neiva

Para o governador, a culpa é da Justiça.
Para toda imprensa, a Justiça determinou, mandou, decidiu, despejou...
Para o Juiz que assinou a ordem, cumpriu-se a Lei e basta: Dura lex sede lex!
Para catedráticos cheirando a mofo, o Estado de Direito triunfou!
Para o Coronel que comandou, ordens são ordens!
Para o soldado que marchou sobre os iguais, idem!

Ei, Justiça, cadê você que não responde e aceita impassível tantos absurdos?
Não percebes o que estão fazendo com teu nome santo?
Em teu nome, atiram, ferem, tiram a casa e roubam os sonhos e nada dizes?
Tira esta venda, vai!
Veja o que estão fazendo em teu nome! Revolte-se!
E o pior dos absurdos: estão dizendo teus os atos do Juiz e do Poder que ele representa!
Vais continuar impassível?
E mais absurdos: estão te transformando em merdas de leis.
Acorda, vai!
Chama o povo, chama o Direito das ruas e todos os oprimidos do mundo e brada bem alto:
- Não blasfemem mais com meu nome! Não sou o arbítrio e nem a ganância! Não sou violenta, nem cínica e nem hipócrita! Não sou o poder, nem leis, nem sentenças e nem acórdãos de merda!
Diz mais, vai! Brada mais alto ainda:
- Eu sou o sonho, sou a utopia, sou o justo, sou a força que alimenta a vida, sou pão, sou emprego, sou moradia digna, sou educação de qualidade, sou saúde para todos, sou meio ambiente equilibrado, sou cultura, sou alegria, sou prazer, sou liberdade, sou a esperança de uma sociedade livre, justa e solidária e de uma nação fundada na cidadania e dignidade da pessoa humana.
Diz mais, vai! Conforta-nos:
- Creiam em mim. Um dia ainda estaremos juntos. Deixarei de ser o horizonte inatingível para reinar no meio de vós! Creiam em mim. Apesar da lei, do Poder Judiciário e das sentenças dos juízes, creiam em mim e não perdoem jamais os que matam e roubam os sonhos em meu nome, pois eles sabem o que fazem!

Quero o direito ao inferno!

Aos "nóias" de todas as cracolândias do mundo!

Gerivaldo Neiva *

Queria peitos,
leite
beijos
colo
carinhos
afagos
brinquedos
folguedos
casa
comida
escola
ar puro
cultura
esporte
prazer
alegria
trabalho
liberdade
vida
vida plena e abundante...

Recebi, sem pedir,
fome
tapas
cascudos
murros
violência
solidão
medo
favela
periferia
esgotos
fedor
bola de pano
barraco
descaso
desprezo
abandono
promessas
exclusão
gozação
prisão
faca
revólver
morte
morte por todos os lados...

Quis e não tive.
Não quis e me impuseram.
Agora é tarde e nada me serve mais...
Devolvo,
aos que me deram,
 tudo o que me deram
e que não pedi.

Eu,
(se é que ainda Sou),
sem mais nada,
não quero e nem peço mais nada.
Não quero a paz,
não quero a vida,
não quero direitos,
não quero ser salvo,
não quero o céu e nem o paraíso...

São canalhas os que querem me salvar!
São canalhas todos os bons!
São canalhas todos os santos!
Não quero ser salvo por canalhas!
Fodam-se os canalhas!

Ora, se não se autodetermina quem não é,
também não se pode,
quem quer que seja,
 determinar sobre quem já não é mais.
É tarde e Inês é morta!

Agora, quero apenas meu corpo,
quero tudo o que for impuro,
quero tudo o que fede,
quero o lixo e as sarjetas,
quero todas as feridas,
quero morrer de overdose,
quero ir para o inferno!

A rua é meu inferno.
Os outros são o meu inferno.
O mundo é meu inferno.
O inferno é o meu inferno!
Eu sei o caminho das pedras!
Deixem-me...."

Extraido de http://www.redebrasilatual.com.br/radio/noticias-1/juiz-escreve-manifesto-poetico-sobre-abusos-da-policia-em-sao-paulo

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