"Digitalização dos autos de papel veio para ficar, mas diversidade de sistemas causa dificuldades para metade dos usuários
Que o processo eletrônico judicial é um passo importante e inevitável para a melhoria da Justiça, ninguém discorda. Mas a forma como vem sendo implantado e a diversidade de sistemas em uso estão deixando advogados irritados. Um levantamento feito pelo Instituto Paraná Pesquisas, a pedido da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), mostra que metade dos advogados ainda encontra dificuldades no uso do processo eletrônico. Aproximadamente 45% dos entrevistados, ainda, defendem a necessidade da coexistência do processo físico (em papel) e do processo eletrônico.
A diversidade de sistemas é outro capítulo à parte nessa discussão. Nove em cada dez advogados reafirmam a necessidade de um sistema eletrônico único nacional. A OAB-PR calcula que hoje existam nada menos do que 45 variações diferentes de processos eletrônicos em uso no país, com sistemas que não conversam entre si. Só no Paraná, segundo a OAB-PR, há seis variações na Justiça do Trabalho, na Justiça Federal e na Justiça Estadual.
Com dez anos de carreira, o advogado criminalista Murilo Henrique Pereira Jorge está tendo de se adaptar à nova era. Para isso, passa por uma maratona. Depois de ter se cadastrado para utilizar o processo eletrônico do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Federal, nesta semana foi a vez de encarar o sistema da Justiça Estadual. O sistema não é complicado e acelera o curso do processo. O problema é ter de fazer um cadastro diferente para cada tribunal e o fato de os sistemas não se comunicarem. É preciso um sistema único, nacional e que funcione , defende.
Os benefícios do processo eletrônico são inegáveis: toneladas de papéis que deixam de ser usadas, a possibilidade de acompanhamento em tempo real do processo, peticionamento eletrônico a partir de qualquer lugar e mais segurança em relação ao possível extravio do processo físico e de falsificações de alvarás de soltura, por exemplo. Mas, na prática, as confusões do dia a dia fazem crescer a ala dos críticos aos sistemas.
O Projudi [sistema utilizado pela Justiça Estadual no Paraná] provoca grandes amores e grandes ódios, mas o processo eletrônico é irreversível: vai tornar a Justiça mais ágil , afirma o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Miguel Kfouri Neto.
A opinião do presidente da OAB-PR, José Lúcio Glomb, é semelhante. Glomb, porém, sustenta a necessidade de se implantar o processo eletrônico com mais cautela. O sistema está sendo construído como se construíssemos um carro em movimento. Vamos colocando as rodas, montando o câmbio, colocando o volante, o motor, tudo com o carro andando.
No mês passado, o assunto entrou na pauta do Colégio de Presidentes da OAB, reunido em Belo Horizonte (MG). A conclusão dos presentes: um processo eletrônico caótico estava excluindo, ao invés de incluir. Toda essa dificuldade indica a verdadeira incapacidade do Judiciário brasileiro de instalar o processo eletrônico no país , disparou o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, durante o encontro.
Desde então, a OAB vem pedindo mais calma na implantação do processo. Longe das potencialidades do processo eletrônico, a realidade brasileira é que várias cidades do interior não têm acesso à internet banda larga. O governo nacional lançou agora um programa de banda larga. Processo eletrônico não funciona sem banda larga , diz Glomb.
Além da falta de estrutura, existe um problema cultural. O próprio ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello já havia expressado sua preocupação em uma entrevista ao Jornal da OAB. Penso que o afã de modernizar o trâmite processual pode implicar prejuízo grave para os jurisdicionados. E na tela, será que aquele que personifica o Estado como juiz folheará no processo as peças já ultrapassadas? , questiona. O ministro afirmou que ele, ao analisar processos eletrônicos, manda fazer cópias e formar autos em papel. A secura dos olhos, causada pela tela do computador, não permite a visão do todo , afirmou.
Informatização fere o princípio da publicidade
O princípio da publicidade dos processos judiciais não está sendo cumprido com o processo eletrônico. Se a internet facilitou a disseminação de informação sobre o andamento do processo, o mesmo não aconteceu em relação ao acesso propriamente dito aos autos. Há até pouco tempo, aliás, nem mesmo advogados que não atuassem na causa conseguiam acessar um processo eletrônico.
Foi necessário que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinasse aos tribunais que o acesso aos autos para advogados fosse permitido. Após essa intervenção, os tribunais criaram a figura da habilitação temporária, para que os advogados possam acessar qualquer processo eletrônico. O cidadão comum, porém, que quiser ter acesso a um processo, terá de ir pessoalmente ao Fórum.
Transparência e sigilo
Para o diretor de informática da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz Edison Brandão, nada justifica que a população não tenha acesso aos processos eletrônicos que não sejam sigilosos e não corram em segredo de Justiça. Se a pessoa pode ir ao fórum fazer cópia do processo, porque não pode vê-lo pela internet? , questiona. Negar o acesso é desnecessário e contra-indicado , afirma. Brandão lembra que é absolutamente possível um acesso amplo ao processo. Para isso, bastaria que ele fosse disponibilizado em uma versão não editável, só para visualização.
Já o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Valter Nunes não acha prudente disponibilizar os processos à população na internet. A movimentação processual tem de estar lá, mas outros detalhes, como o depoimento de testemunhas, por exemplo, não poderiam ficar na internet, mesmo em processos que não estão sob segredo de Justiça , afirma."
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